Aforismo 63 do Tao Te King |
Quem já foi a palestras motivacionais pela empresa sabe como a coisa funciona. Seu chefe te inscreve, e dá o nome de capacitação. Você
entra num auditório e está na presença de seu chefe e seus superiores.
Uma pessoa fala manhã e tarde acerca de motivação. Dá exemplos, aponta
caminhos, quer te fazer se sentir bem com a vida e o trabalho de merda
que você tem. Você sai da palestra com a sensação de que foi enganado, e
seu chefe com a ilusão de que resolveu o problema. No fim das contas,
as razões pelas quais você está desmotivado continuam lá, e tudo volta
ao normal. As palestras motivacionais dão pouco resultado por um motivo
bastante simples: elas desmotivam. Sim! Apesar do nome, quando uma
empresa recorre à palestra motivacional como método, significa que os
empregados já estão desmotivados, e então os pressionam a se motivarem.
Praticamente, a empresa está obrigando o funcionário a resolver dentro
dele um problema que foi criado pela empresa: a falta de condições em
que um empregado esteja devidamente bem com seu trabalho para realizá-lo
de maneira satisfatória.
Para os chineses antigos isso seria resumido em uma única ideia: nunca apresse um rio, nem tente retardá-lo.
Você não conseguirá apressá-lo, no máximo aumentará a quantidade de
fluxo em alguns lugares, e deixará outros vazios, ao ponto de o vazio
criar uma necessidade de preenchimento, e o rio, inevitavelmente,
voltará. Você não conseguirá retardá-lo, pois a barreira que criou
transbordará e inevitavelmente o rio retomará seu fluxo natural. A dica é
seguir o fluxo do rio, deixá-lo tomar as rédeas por si próprio.
Construa um canal, redirecione a água, faça-a tomar outros rumos, mas
faça tudo isso respeitando o próprio fluxo das coisas, sem alterá-las.
Essa prática acima pode ser encontrada no Taoismo e no Budismo Chán pelo nome de Wú Wéi,
literalmente "não ação". Essa prática consiste em não ir contra a ação
natural das coisas, mas seguir seus princípios. O aforismo 63 do Tao Te King diz que "o sábio nunca tenta grandes feitos, e por isso os realiza",
ou seja, o sábio nunca tenta pressionar o caminhar natural das coisas,
ele o aproveita em seu próprio benefício. Isso se aplica a todas as
especificidades de nossas vidas. Defecar, fazer sexo, trabalhar,
exercícios, namoro, educação, conhecimento, artes marciais, vida
religiosa etc. Qualquer momento desses, se em algo você é pressionado, o
ponto de pressão gerará tensão, e a tendência é o ponto de tensão se
romper. No caso das coisas de nosso próprio corpo, somatizamos. Nas
coisas sociais, brigamos.
Quem tem prisão de ventre bem sabe que quanto mais preocupado com seu
intestino na hora de ir ao banheiro, quanto mais pressão sua mente
exerce sobre seu esfíncter, aí é que ele não se abrirá, e nada sairá.
Crie pressão para que a outra pessoa goze no sexo, e ela não gozará.
Force uma comida de que não gosta a entrar, e você vomitará. Pressione
alguém a se sentir bem no trabalho, e ela não se sentirá bem. Crie
pressões, chantagens ou ordenamentos para alguém ser missionário, monge
ou teólogo, e você afastará essa pessoa da religião. A questão é,
imponha um comportamento no agir natural das coisas, e o próprio agir
natural das coisas empurrará a ação para qualquer outro lado, menos para
aquele que você quer.
E é aí onde entra a paciência. Ser paciente é a arte de entender o fluxo
das coisas e planejar um novo caminho aproveitando o fluxo natural. O
bom jardineiro não muda o crescimento das plantas, ele as direciona.
Assim como ninguém faz uma curva de 90º com arestas, você segue a
velocidade do próprio carro e faz uma curva rombuda. Se nesses dois
casos há paciência, por que há impaciência nas demais coisas? Simples.
As pessoas querem que a realidade se adeque a elas, e por isso tentam
forçar até mesmo as leis da física a seguir suas vontades. Um motorista
impaciente tentará uma curva de 90º com uma aresta quadrada a 120 km/h, e
o resultado será o capotamento. Nenhum fluxo natural é interrompido sem
consequências (os hormônios que apressam o crescimento de frangos e
bois interferem na nossa saúde). O mesmo se diz das coisas cotidianas.
Esteja no banheiro sem criar pressão mental sobre seu intestino, e você
defecará. Apenas transe com a pessoa, e tenha paciência com ela, e
naturalmente o gozo virá. Exercite seu paladar para determinados
alimentos pouco a pouco, ou tempere-os de forma diferente, e você os
comerá. Crie condições melhores de trabalho, remuneração, metas e
reconhecimento, e seu empregado agirá com maior motivação. Crie um
ambiente acolhedor e coerente na sua religião, e o adepto naturalmente
sentirá o desejo de aprofundar-se. De nada adianta forçar, pressionar,
ditar. Deixe como está, redirecione sem interferir nas coisas, e as
coisas ocorrerão no momento que têm que ocorrer.
De certa forma, ao redirecionar um rio por um canal, você cria um novo
vão para o fluxo da água. Ela tem a necessidade de seguir em frente, mas
o canal torna-se uma nova opção, e seu vão está vazio. Naturalmente a
água o preencherá e ele seguirá seu novo rumo, e o fluxo do rio nem
precisou ser mexido. Por isso, leve um livro para o banheiro. No sexo,
entre na onda das taras de seu (sua) parceiro(a) (sem nojinho, medo ou
vergonha). Entenda e redirecione os anseios e as habilidades de seu
empregado, e ele se sentirá pleno em sua profissão. Crie a necessidade
de aprofundamento numa religião, e a pessoa se aprofundará (por exemplo,
se quer que alguém seja monge, dê aula de uma língua sagrada para
apenas os interessados). No fim, aproveitar o fluxo das coisas para seu
próprio benefício dá mais resultado. "Como dizem por aí, deixa rolar" (Alan Watts).
(não pressione, deixa rolar, no/do calango abstrato) no caso da publicidade, misterwalk diria: não impressione. mas também não deixe simplesmente a coisa rolar. role você também com
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