É claro que ele se referia ao clero secular, não aos quadros da Companhia, “soldados de Cristo”, que levavam a sério a militância apostólica. Quando não a levavam, eram expulsos. Já os “clérigos do hábito de São Pedro” não tinham a mesma formação dos jesuítas ou de outros frades regulares. O paradigma deste julgamento era, em todo caso, a moral cristã, em sua versão católica: sexo é coisa má, só tolerável no matrimônio, e só de vez em quando, para procriar os filhos de Deus.Nóbrega teria razão ao criticar, em meados do século XVI, os padres que vinham pastorear almas no Brasil? Do ponto de vista da Igreja, tinha toda a razão – e ainda teria se vivesse no século XVII ou no XVIII.Basta ler a confissão do padre Frutuoso Álvares, o primeiro a se apresentar ao visitador do Santo Ofício, na Bahia, em 29 de julho de 1591. Disse que nos últimos 15 anos tinha cometido “tocamentos torpes” com 40 pessoas, “abraçando, beijando”, a começar por um jovem de 18 anos. Contou que, neste caso, “tocou com as mãos” em sua “natura”, isto é, no seu pênis, provocando, por duas vezes, “polução” (gozo) no “membro viril” do rapaz.A linguagem oficial da época é, aliás, saborosa. O pênis era chamado de “natura”, “membro viril”, “membro desonesto”. Desonestidade, por exemplo, era palavra muito usada para designar lubricidade, sensualidade ou, simplesmente, sacanagem. Nos documentos de época já aparece a expressão “fazer as sacanas”. No caso dos tocamentos em que padre Frutuoso era perito, também havia uma expressão em parte familiar: “jogar as punhetas”.Padre Frutuoso, vigário no Recôncavo da Bahia de Todos os Santos – todos eles! – foi o primeiro a confessar que “fazia sacanas” no Brasil desde o tempo em que serviu na Madeira – a ilha, vale dizer. Estimou em cerca de 100 parceiros, “pouco mais ou menos”, o número de rapazes (sempre jovens) nos quais jogara “as punhetas”. Devem ter sido uns 200 ou 300.Nóbrega tinha razão ao criticar os padres seculares? Há vários outros exemplos nos papéis inquisitoriais. Padre Jácome de Queiroz também se apresentou, de sua própria iniciativa, ao visitador, para confessar que tinha sodomizado duas índias. Alegou que o fez sem querer: como tinha tomado muito vinho, ao achegar-se às meninas, “errou de vaso” e, ao invés de penetrar no “vaso natural”, como devia (?), meteu seu “membro desonesto” no vaso traseiro, por vezes grafado no documento, em latim, vas preposterum.O mais incrível neste caso é que o visitador mal ligou para o fato de que as índias em causa eram duas meninas, uma de 6, outra de 7 anos. Hoje seria caso de pedofilia e abuso sexual de menores. Na época, não passava de sodomia. A questão era saber em que vaso o padre meteu seu “membro viril” e se o fez por escolha ou por acidente. O grande historiador francês Phillipe Ariès esclarece: nesta época, as pessoas viam as crianças como “pequenos adultos”.Devemos deduzir, desses exemplos, que a lascívia dos padres era típica do clero secular? Nada disso. No século XVIII, o frei franciscano Luís de Nazaré, vigário nas Minas, alegava ser exorcista sem sê-lo e, quando sabia de moças adoecidas e melancólicas, apresentava-se para curá-las, expulsando o demônio. De Bíblia na mão e com seu membro viril à mostra, jogava o “jogo dos punhos”, esfregando o sêmen pelo corpo da “possuída”. Preso pelo Santo Ofício, alegou que fez tudo por luxúria, não por acreditar que o sêmen era capaz de expulsar demônios. Acrescentou que as mulheres do Brasil eram tolas e acreditavam em qualquer coisa. A Inquisição só não disse “tudo bem” porque cassou as ordens sacras do frei.Também no século XVIII, outro frade regular, pertencente à Ordem das Mercês do Pará, preferia rapazes. Gostava, em particular, de oferecer seu “vaso traseiro” e como por vezes o “vaso sangrava”, ele dizia que estava menstruado. Numa palavra: o frade das Mercês dizia que era mulher, disfarçada de frade. Ele acrescentou, como frei Luís de Nazaré, de Minas, que também os rapazes do Brasil eram tolos, acreditavam em tudo.Voltando aos padres seculares e aos heterossexuais, Lana Lage, em sua tese de doutorado, tratou dos solicitantes ad turpia. Quem eram? Padres, em geral seculares, que no ato da confissão, ou a propósito dela, “cantavam” as mulheres, quando não avançavam nelas. Muitos alegavam que, sendo eles padres, não havia pecado no avanço, Deus perdoava. Outros, tratando com mulheres casadas, diziam que eles, padres, eram ricos, e poderiam regalá-las muito mais que seus maridos. A subversão da doutrina católica era total.O mais interessante, porém, é que havia uma gradação “sociológica”nas investidas dos solicitantes ad turpia: com mulheres “brancas e honradas”, eles vinham com uma conversa amorosa, tipo amor cortês. Um deles mandou uma florzinha entredentes pelas grades do confessionário. Mas com mulheres negras, escravas ou forras, cortesia zero: mãos nos peitos, mãos debaixo da saia.Trópico dos pecados? Sim. Prova de que a Igreja era conivente com sodomias, pedofilias e abusos sexuais? Não. Só conhecemos tudo isso porque a Igreja Católica tinha aparelhos de vigilância e punição dos padres que subvertiam a moral cristã. Puniam alguns. Os papéis da Inquisição dão a prova. Os jesuítas, por sua vez, quase não aparecem como réus nesses escândalos. Ad majorem Dei Gloriam – tudo pela glória de Deus. Ou, como diria Gilberto Freyre: “donzelões intransigentes”.(texto publicado na revista de história, do ronaldo vainfas, professor da universidade federal fluminense e autor de trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no brasil (3. ed., civilização brasileira, 2010).
o blog que dá crise renal em quem não tem crise de consciência. comunicação, marketing, publicidade, jornalismo, política. crítica de cultura e idéias. assuntos quentes tratados sem assopro. bem vindo, mas cuidado para não se queimar. em último caso, bom humor é sempre melhor do que pomada de cacau.
terça-feira, dezembro 31, 2013
sábado, dezembro 28, 2013
mudou alguma coisa?
As sacanagens clericais
Quando o padre Manuel da Nóbrega chegou à Bahia, em 1549, fez questão de manifestar sua insatisfação com a conduta do clero colonial. Os padres viviam atracados com índias, alegando que eram suas escravas
quinta-feira, dezembro 26, 2013
ho! ho! ho!
vai que eu atendo? |
Velha mídia quer a Presidência de presente de Natal
Enquete feita entre colunistas do mais tradicional veículo da velha mídia mostra o que eles pretendem em 2014: mandar na política e ditar a opinião pública
O jornalista Ancelmo Góis fez uma enquete junto a outros colunistas do jornal O Globo para saber o que eles esperam de 2014. Merval Pereira espera que as coisas continuem ruins no ano que vem, mas acha que vão piorar. Carlos Alberto Sardenberg, Míriam Leitão e Zuenir Ventura torcem por mais protestos – “protestos vigorosos”, quer Sardenberg. Ricardo Noblat pediu a Papai Noel que dê discernimento aos brasileiros para escolher o próximo presidente da República. Se é para dar, supõe-se que é porque ainda não temos.
A enquete deixa claro o que o mais tradicional veículo da velha mídia está preparado para fazer em 2014. É o mesmo que fez em 2013: pegar carona na insatisfação popular para tentar influir decisivamente no mundo da política. Desgastar aqueles de quem não gosta para dar uma força àqueles que são seus prediletos.
A mídia que foi escorraçada das ruas e teve que mascarar as logomarcas de seus microfones quer repetir o que sempre fez em eleições presidenciais: entrar em campo e desempenhar o papel de partido de oposição.
As corporações midiáticas se organizam para, mais uma vez, interferir no resultado das eleições porque disso depende o seu negócio. De novo, entram em campo para medir forças. Já estão acostumadas a partir para o tudo ou nada. Vão testar, pela enésima vez, a quantas anda seu poder sobre a política. Disso fazem notícia e assim agem para deixar os políticos e os partidos de joelhos, estigmatizados, envergonhados e obsequiosos.
Como nos ensinou Venício Lima, uma Presidência, um Congresso e partidos achincalhados são incapazes de propor uma regulação decente da mídia, nem mesmo para garantir a liberdade de expressão, a diversidade de fontes de informação, a pluralidade de opiniões e um mercado da comunicação não cartelizado.
Em 2013, as corporações midiáticas, mais uma vez, anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar. E não é que o tal do mundo não se acabou? Quando os protestos de junho tomaram as ruas, o preço do tomate tinha ido às alturas. O PIB de 2012 se tornou conhecido e seu crescimento havia sido próximo de zero. Os reservatórios estavam bem abaixo do normal e "especialistas" recomendavam rezar para que não houvesse apagão. O caso Amarildo fez derreter a quase unanimidade que havia em defesa do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (as UPPs).
Parecia que o país ia mal das pernas e que um modelo de governança estava esgotado e ruindo. Tudo levava a crer que a presidência Dilma havia entrado em um beco sem saída. Mas saiu. Ela recuperou sua popularidade, enquanto seus adversários potenciais caíram em preferência de voto e aumentaram sua rejeição.
O ano terminou melhor do que começou, para o governo e para o País. A inflação vai fechar dentro da meta. Assim deve permanecer no ano que vem, por mais que alguns analistas queiram, usando razões que a própria razão desconhece, nos fazer crer que o limite da meta é algo fora da meta (quem sabe os dicionários, no ano que vem, tragam um novo sentido para a palavra “limite”). Não houve apagão e as térmicas foram desligadas mais cedo do que se imaginava.
O crescimento do PIB, em 2014, deve ser maior do que o deste ano. Educação e saúde terão mais recursos e têm saído melhor na percepção aferida em pesquisas. O Brasil, no ano que vem, continuará com um dos maiores superávits primários do mundo, ainda mais com a entrada de novos recursos vindos da exploração do pré-sal e das concessões de infraestrutura.
Mas os pepinos continuam sendo muitos. Alguns serão particularmente difíceis de se descascar no ano que vem. Um é a ameaça de as agências de avaliação de risco rebaixarem a nota do Brasil. Outro é o descrédito das políticas de segurança pública, em todos os estados, mas respingando no Governo Federal.
O terceiro e, possivelmente, o mais explosivo, seria o mesmo de 2013: uma nova onda de aumento das tarifas de ônibus, o que tradicionalmente acontece no primeiro semestre de cada ano. A derrota do aumento do IPTU em São Paulo, na Justiça, tirou do mapa a única situação que se imaginava sob controle. O eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte é o que mais preocupa o Planalto. Se algo der errado, no ano que vem, terá como epicentro provável essas três capitais, podendo alastrar-se para as demais.
Os protestos de 2013 foram uma tempestade perfeita. Várias questões mal resolvidas e acumuladas no estresse diário dos cidadãos se transformaram em revolta nas ruas, juntando alhos e bugalhos. Imprevisíveis, tempestades perfeitas, como foram as jornadas de junho, são também difíceis de se repetirem. Difíceis, mas não impossíveis.
Basta um pequeno risco para se ter uma grande preocupação. Os três problemas mais sensíveis do momento (a percepção internacional sobre a economia do país, a segurança pública e as tarifas de ônibus) conformam a agenda prioritária do primeiro trimestre de 2014 a ser toureada diretamente pelo Palácio do Planalto. Os meses de janeiro a março de 2014 serão mais agitados do que o normal, pelo menos, na Esplanada dos Ministérios.
O trimestre seguinte, de abril a junho, será o período mais crítico. Ali se concentram as datas-base da negociação trabalhista de várias categorias; a briga de foice de muitos interesses para entrarem na pauta do esforço concentrado do Congresso; o período final do acerto das candidaturas presidenciais e estaduais; finalmente, claro, a Copa do Mundo de Futebol.
Que venha 2014. Que venha mais ousadia de todos os governos e partidos. Que venham mobilizações em favor dos mais pobres e com os mais pobres nas ruas, com suas organizações sociais, populares e seus partidos - até para que os partidos possam abrir menos a boca e mais os ouvidos. Que os brasileiros mostrem que a voz das ruas não é aquela fabricada pelas manchetes das corporações midiáticas. Que a opinião pública mostre, ao vivo e em cores, que a sua verdadeira opinião é normalmente o avesso da opinião publicada. Que venham surpresas, pois são delas que surgem as mudanças.
(texto do cientista político antonio lassance )
O ano terminou melhor do que começou, para o governo e para o País. A inflação vai fechar dentro da meta. Assim deve permanecer no ano que vem, por mais que alguns analistas queiram, usando razões que a própria razão desconhece, nos fazer crer que o limite da meta é algo fora da meta (quem sabe os dicionários, no ano que vem, tragam um novo sentido para a palavra “limite”). Não houve apagão e as térmicas foram desligadas mais cedo do que se imaginava.
O crescimento do PIB, em 2014, deve ser maior do que o deste ano. Educação e saúde terão mais recursos e têm saído melhor na percepção aferida em pesquisas. O Brasil, no ano que vem, continuará com um dos maiores superávits primários do mundo, ainda mais com a entrada de novos recursos vindos da exploração do pré-sal e das concessões de infraestrutura.
Mas os pepinos continuam sendo muitos. Alguns serão particularmente difíceis de se descascar no ano que vem. Um é a ameaça de as agências de avaliação de risco rebaixarem a nota do Brasil. Outro é o descrédito das políticas de segurança pública, em todos os estados, mas respingando no Governo Federal.
O terceiro e, possivelmente, o mais explosivo, seria o mesmo de 2013: uma nova onda de aumento das tarifas de ônibus, o que tradicionalmente acontece no primeiro semestre de cada ano. A derrota do aumento do IPTU em São Paulo, na Justiça, tirou do mapa a única situação que se imaginava sob controle. O eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte é o que mais preocupa o Planalto. Se algo der errado, no ano que vem, terá como epicentro provável essas três capitais, podendo alastrar-se para as demais.
Os protestos de 2013 foram uma tempestade perfeita. Várias questões mal resolvidas e acumuladas no estresse diário dos cidadãos se transformaram em revolta nas ruas, juntando alhos e bugalhos. Imprevisíveis, tempestades perfeitas, como foram as jornadas de junho, são também difíceis de se repetirem. Difíceis, mas não impossíveis.
Basta um pequeno risco para se ter uma grande preocupação. Os três problemas mais sensíveis do momento (a percepção internacional sobre a economia do país, a segurança pública e as tarifas de ônibus) conformam a agenda prioritária do primeiro trimestre de 2014 a ser toureada diretamente pelo Palácio do Planalto. Os meses de janeiro a março de 2014 serão mais agitados do que o normal, pelo menos, na Esplanada dos Ministérios.
O trimestre seguinte, de abril a junho, será o período mais crítico. Ali se concentram as datas-base da negociação trabalhista de várias categorias; a briga de foice de muitos interesses para entrarem na pauta do esforço concentrado do Congresso; o período final do acerto das candidaturas presidenciais e estaduais; finalmente, claro, a Copa do Mundo de Futebol.
Que venha 2014. Que venha mais ousadia de todos os governos e partidos. Que venham mobilizações em favor dos mais pobres e com os mais pobres nas ruas, com suas organizações sociais, populares e seus partidos - até para que os partidos possam abrir menos a boca e mais os ouvidos. Que os brasileiros mostrem que a voz das ruas não é aquela fabricada pelas manchetes das corporações midiáticas. Que a opinião pública mostre, ao vivo e em cores, que a sua verdadeira opinião é normalmente o avesso da opinião publicada. Que venham surpresas, pois são delas que surgem as mudanças.
(texto do cientista político antonio lassance )
sábado, dezembro 14, 2013
nem perca tempo com esta entrevista. vá pesquisar direto na fonte: caligrafia árabe; a fonte do que vem antes das fontes
O HOMEM POR TRÁS DA COMIC SANS
Entrevistamos o criador da fonte mais amada e odiada de todos os tempos
Divulgação
Vincent Connare
Uma batalha silenciosa é travada desde o advento do computador pessoal. Entre flancos de editores de texto e programas gráficos, as fontes (a versão digital das famílias tipográficas) se digladiam para conquistar o usuário. Dos vários exércitos em campo, o mais divertido é liderado pela Comic Sans.
“Se você ama [a Comic Sans], você não sabe muito sobre tipografia; e se você odeia, você realmente não sabe muito sobre tipografia”, diz Vincent Connare, criador da fonte que, prestes a completar vinte anos de existência, é tão célebre quanto sua rival em estilo: a Arial, versão digital inspirada na Helvetica.
Connare não gosta da criação tipográfica suíça. Acha vazia e imperceptível. No Brasil, ele pretende ver família tipográficas cheias de movimento e detalhes. Ele vem ao país para participar doDiaTipo, evento dedicado ao design das letras. Por isso ele conversou com a Trip sobre sua maior criação, a Comic Sans.
Trip: Em uma de suas entrevistas você diz que a inspiração para a Comic Sans veio de um livro de crianças. Você acha que por isso muitas pessoas não gostam da fonte? Porque é para crianças. Ou há outra razão?
Vincent Connare: A Comic Sans foi criada para a seção de softwares infantis quando eu trabalhava na Microsoft. Foi quando eu estava criando programas para crianças, mães, pais e pessoas iniciantes no computador. O pessoal dessa seção me mostrou um aplicativo para Windows 95 em forma de desenho animado, o MS Bob. Eles me perguntaram o que eu achava da tipografia utilizada no software. Eu vi um cachorro em forma de cartum e seu balão de fala usava a fonte Times New Roman. Eu disse que isso era estúpido. Falei: olha esses quadrinhos do Watchmen e do Batman com as letras parecendo que foram feitas a mão. Era assim que o MS Bob devia ser. Devia parecer com algo que está na seção de quadrinhos do jornal e não na primeira página.
Vincent Connare: A Comic Sans foi criada para a seção de softwares infantis quando eu trabalhava na Microsoft. Foi quando eu estava criando programas para crianças, mães, pais e pessoas iniciantes no computador. O pessoal dessa seção me mostrou um aplicativo para Windows 95 em forma de desenho animado, o MS Bob. Eles me perguntaram o que eu achava da tipografia utilizada no software. Eu vi um cachorro em forma de cartum e seu balão de fala usava a fonte Times New Roman. Eu disse que isso era estúpido. Falei: olha esses quadrinhos do Watchmen e do Batman com as letras parecendo que foram feitas a mão. Era assim que o MS Bob devia ser. Devia parecer com algo que está na seção de quadrinhos do jornal e não na primeira página.
Quando você percebeu que a Comic Sans estava presente no mundo todo? Eu soube disso quando me falaram que ela faria parte do pacote de fontes do Windows 95 que seria enviado com todo novo computador. Nesse momento eu soube que ela estaria em todo o lugar. Eu tive certeza disso quando fui para a Austrália e vi a fonte em todas as toalhas da praia de Bondi, numa loja de surf e no menu de um restaurante a caminho de Sydney.
Quando eu devo usar a Comic Sans? Bem, eu usei Comic Sans quando escrevi uma carta de reclamação para minha operadora de internet quando eles esqueceram de mandar um modem, me deixando sem conexão durante duas semanas. Eu uso em momentos de raiva e parece que vai direto ao ponto: nesse caso, eu fui ressarcido.
Você conhece alguma história engraçada com a Comic Sans? A primeira vez que vi a Comic Sans na web eu estava procurando meu nome no AltaVista [mecanismo de busca anterior ao Google]. Já achei ela em um site pornô e em um site em homenagem ao Black Sabbath. Foi engraçado quando o Vaticano divulgou um álbum celebrando o papa Bento XVI em seis línguas com a Comic Sans. Foi engraçado também quando o maior evento científico da nossa era, a descoberta do Bóson de Higgs no CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), foi apresentada em Comic Sans. Outro episódio engraçado aconteceu na saída do LeBron James do Cleveland, quando ele escreveu uma carta em Comic Sans.
O movimento 'Ban Comic Sans'
O que você acha do “Ban Comic Sans”, movimento dedicado a banir a Comic Sans? Você disse uma vez que o casal que criou o movimento não teria se conhecido se não fosse sua fonte. Fico feliz que ela tenha juntado os dois. Só espero que eles comprem um teclado Comic Sans para os filhos.
Acredito que a Helvetica seja tão utilizada quanto a Comic Sans. Por que as pessoas não criticam esse poder tipográfico hegemônico também? Helvetica é a coisa mais chata desde o queijo suíço. Ela recebe um monte de atenção mesmo sendo vazia a ponto de ser imperceptível mesmo se estiver na sua frente. Conheço um suíço que odeia Helvetica, o Bruno Maag.
Você também criou as fontes Trebuchet e Magpie, certo? Você gosta mais delas que da Comic Sans? Todas foram criadas por motivos diferentes, mas eu nunca poderia odiar a Comic Sans. É a família tipográfica mais engraçada de todos os tempos e o design existe por causa disso: fazer algo pensando num mercado a ponto disso ser completamento adotado por ele. A Comic Sans foi feita para pessoas normais e elas adoram usá-la. E estou orgulhoso de ver que a Trip usa Trebuchet no seu site.
O que você faz atualmente? Hoje em dia eu trabalho na DaltonMaag London, uma empresa de tipografia. Temos escritórios em vários países, mas, além da nossa sede em Londres, nosso orgulho é a filial brasileira em Porto Alegre que criou a família tipográfica oficial dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016. Quem dera o comitê olímpico nos chamasse para os Jogos Olímpicos de Londres.
E o que você espera ver no Brasil em matéria de tipografia? Pretendo ver uma tipografia criativa no Brasil. Bastante caligrafia, movimento e famílias tipográficas com serifa [pequenos detalhes ao fim de cada letra]. Somente tipografias divertidas e estilosas.
(do felipe maia para a trip
quarta-feira, dezembro 11, 2013
eu tenho. e muita. principalmente destas pessoas sem-vergonha
O maior receio de Olivetto é que aconteça algo semelhante ao que observou no começo da carreira, quando colegas de profissão evitavam dizer o que faziam. “Tenho medo de que as pessoas voltem a ter vergonha de dizer que são publicitárias, novamente.”
(carol peres, no jornalirismo, acerca do entrevista aberta com o w, promovido pelo próprio jornal)
terça-feira, dezembro 10, 2013
eu não seria tão otimista, se é que há otimismo em esperar alguma coisa de um papa(seja de que área for)
O Papa Francisco e o capitalismo
No documento que o Papa Francisco acaba de publicar sobre a pobreza e a Igreja, parece haver um vislumbre de que este Papa queira ir um passo além*
Quando eu era criança, meus pais me ensinaram que uma coisa são as religiões (aconselhando eu e meus irmãos a sermos respeitosos com seus crentes, como parte do respeito devido a todo ser humano) e outra coisa são as Igrejas (da cor que sejam), que reproduzem e administram as religiões para benefício de seus aparatos ou hierarquias, o que explica sua constante identificação com as estruturas de poder às quais servem. Nem é necessário dizer que meus pais não nos exigiam respeito por ditas instituições. Ao contrário, tínhamos que julgá-las por seu servilismo a essas estruturas.
Ao longo da minha vida morei e visitei muitíssimos países. E em todos eles sempre vi que as Igrejas (e muito especialmente a Católica) servem sempre às estruturas de poder, sendo a Espanha o caso mais patente. É, portanto, compreensível o anticlericalismo das classes populares na Espanha e considero um sintoma de enorme frivolidade trivializar esse anticlericalismo como um sentimento gratuito, resultado de ideologias estrangeiras que manipulam os povos. As classes populares não necessitavam nenhum estímulo externo para verem e reagirem ao que viam.
Esse conservadorismo da Igreja Católica (uma das religiões mais conservadoras hoje existentes) é, em parte, compreensível, devido ao benefício econômico que lhe concede. A base material de sua ideologia - como diriam os materialistas históricos - são as vantagens materiais que derivam de seu servilismo ao poder.
Mas esse mesmo servilismo é o que explica sua postura anticientífica, pois se sente ameaçada pelo conhecimento científico. Não é por casualidade que só em 1992 (sim, 1992) a Igreja Católica se desculpou por haver perseguido, no século XVII, a Galileu, que teve a ousadia de indicar que, contra o que dizia a Igreja, era a Terra que dava voltas em torno do Sol e não o contrário. Em 2008, o Vaticano inclusive pensou em fazer um monumento para ele, mas decidiu atrasá-lo, porque era ainda demasiado cedo. Na Igreja Católica, as coisas de palácio vão um pouquinho devagar.
O que está acontecendo no Vaticano?
É interessante, claro, que no jornal do Vaticano, um historiador alemão, Georg Sans, escrevesse, em 2009, um artigo louvando Karl Marx por sua introdução do conceito de alienação originado pelo capitalismo. Georg Sans dizia que “temos que nos perguntar se Marx não levava razão em sua descrição do capitalismo como gerador de alienação…” (citado em “Is the Pope Getting the Catholics Ready for an Economic Revolution? (Maybe He Read Marx)”, de Lynn Parramore). E as declarações do novo Papa, criticando o capitalismo, estão criando um grande alvoroço.
Agora, é necessário que se entenda que a Igreja Católica e, mais concretamente o Vaticano, sempre tiveram atitudes críticas aos excessos do capitalismo. Das encíclicas de Leão XIII (1878-1903) até João Paulo II, as críticas do excesso do capitalismo foram constantes e, em geral, mais acentuadas quando outras ideologias contrárias à Igreja (ainda que não contrárias à religião) como o marxismo adquiriam grande atração nos movimentos operários e intelectuais do mundo ocidental.
Agora, o que é novo no Vaticano é que no documento que o Papa Francisco acaba de publicar sobre a pobreza e a Igreja, parece haver um vislumbre de que este Papa queira ir um passo além, pois sua crítica não se limita aos excessos do capitalismo, mas ao capitalismo em si. Existem partes do documento que parecem aproximar-se dessa postura. Escreve Francisco: “o mandamento Não matarás estabelece um mandato para respeitar a vida humana. Daí que este “não matar” deve aplicar-se a um sistema econômico baseado na desigualdade e na exclusão…”. Acrescenta Francisco que “tal economia mata. Daí que até que não termine o domínio absoluto dos mercados e sua especulação financeira (que Francisco indica corretamente que é intrínseca ao capitalismo…), e até que não se ataquem as raízes dessas desigualdades, não se encontrará nenhuma solução aos problemas do mundo, ou a nenhum problema”.
Outro parágrafo de Francisco: “algumas pessoas (Francisco poderia ter escrito a maioria dos establishments econômicos, financeiros, políticos e midiáticos europeus e estadunidenses) continuam defendendo as teorias do “trickle-down”, que assumem que a concentração da riqueza que se produz no crescimento econômico (capitalista) e em seus mercados, inevitavelmente vai trazer maior justiça e inclusão, ao aumentar tal riqueza e melhorar a vida de todos e a coesão social. Dita opinião, que nunca foi confirmada pelos dados, expressa uma ingênua e crua fé na bondade dos que concentram o poder econômico e na eficiência sacrossanta do sistema econômico existente”. Não vi esse parágrafo citado em nenhum dos meios de comunicação de maior difusão espanhóis, que sistematicamente excluem as vozes críticas ao neoliberalismo dominante.
Nem o que falar da resposta que foi previsivelmente hostil. Nos EUA, um país com uma cultura midiática dominante profundamente conservadora, já apareceram várias manchetes, escritas em tom alarmante, que “Marx está inspirando o Papa”.
E Sarah Palin, a dirigente do Tea Party (a seita mais próxima à hierarquia católica espanhola, versão Rouco) expressou seu choque frente às declarações de Francisco. E mais de um editorial tem indicado que da mesma maneira que o Papa João Paulo II contribuiu para colapsar a União Soviética, o Papa Francisco pode ajudar a terminar com o capitalismo.
Parece-me exagerada essa imagem. Mas seria um erro que as forças progressistas ignorassem as mudanças no Vaticano. Entendo e compartilho (como aparece em meus escritos em www.vnavarro.org) as reservas e o ceticismo sobre o novo Papa, ceticismo estimulado por casos tão ofensivos e dolorosos para os democratas como o silêncio de Francisco frente à homenagem dos caídos na Cruzada espanhola. Mas considero valioso que aconteçam mudanças na Igreja que diluam sua enorme oposição às mudanças e ao progresso. E daí sua enorme importância. Seria um grande erro não ser consciente disso, em um país no qual a Igreja sempre exerceu um papel negativo em sua defesa da ordem econômica estabelecida e contra a expansão dos direitos humanos.
segunda-feira, dezembro 09, 2013
pílulas do esquecimento
O The New York Times revelou em 1990 que a CIA desempenhou um importante papel na prisão de Mandela em 1962. A agência, usando um agente infiltrado no Congresso Nacional Africano (CNA), deu à polícia sul-africana informações precisas sobre as atividades de Mandela. Segundo o diário norte-americano, um agente da CIA relatou: “Entregamos Mandela à segurança da África do Sul. Demos-lhes todos os detalhes, a roupa que ele estaria a usar, o horário, o exato local onde ele estaria”.
Thatcher e a terra do faz de conta
Em 1987, quando o então primeiro-ministro Cavaco Silva alinhou Portugal à Grã-Bretanha e aos Estados Unidos num voto contra o fim do apartheid e a libertação de Nelson Mandela, a então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher dizia: "O CNA - Congresso Nacional Africano, partido de Mandela - é uma típica organização terrorista... Qualquer um que pense que ele vá governar a África do Sul está a viver na terra do faz de conta".
Reagan dizia que apartheid era essencial para o mundo livre
Nos Estados Unidos, a opinião sobre Mandela não era diferente: o presidente Ronald Reagan inscreveu o CNA na lista de organizações terroristas. Em 1981, Reagan disse que o regime sul-africano – o regime do apartheid – era "essencial para o mundo livre". Reagan explicou à rede de TV CBS que o seu apoio ao governo sul-africano se devia a que “é um país que nos apoiou em todas as guerras em que entrámos, um país que, estrategicamente, é essencial ao mundo livre na sua produção de minerais.”
Mandela precisava de autorização especial para entrar nos EUA
Só em 2008, Mandela e o CNA deixaram a lista americana de organizações e terroristas em observação. Até então, Mandela precisava de uma permissão especial para viajar para os EUA.
Outro país que se manteve ligado ao regime segregacionista sul-africano foi Israel. Durante muitos anos, o governo israelita manteve laços económicos e relações estratégicas com o regime do apartheid. Nesta sexta-feira, o governo israelita lamentou a morte de Mandela afirmando que o "mundo perdeu um grande líder que mudou o curso da história" e que ele foi um "apaixonado defensor da democracia".
(excerto da esquerda.net)
Thatcher e a terra do faz de conta
Em 1987, quando o então primeiro-ministro Cavaco Silva alinhou Portugal à Grã-Bretanha e aos Estados Unidos num voto contra o fim do apartheid e a libertação de Nelson Mandela, a então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher dizia: "O CNA - Congresso Nacional Africano, partido de Mandela - é uma típica organização terrorista... Qualquer um que pense que ele vá governar a África do Sul está a viver na terra do faz de conta".
Reagan dizia que apartheid era essencial para o mundo livre
Nos Estados Unidos, a opinião sobre Mandela não era diferente: o presidente Ronald Reagan inscreveu o CNA na lista de organizações terroristas. Em 1981, Reagan disse que o regime sul-africano – o regime do apartheid – era "essencial para o mundo livre". Reagan explicou à rede de TV CBS que o seu apoio ao governo sul-africano se devia a que “é um país que nos apoiou em todas as guerras em que entrámos, um país que, estrategicamente, é essencial ao mundo livre na sua produção de minerais.”
Mandela precisava de autorização especial para entrar nos EUA
Só em 2008, Mandela e o CNA deixaram a lista americana de organizações e terroristas em observação. Até então, Mandela precisava de uma permissão especial para viajar para os EUA.
Outro país que se manteve ligado ao regime segregacionista sul-africano foi Israel. Durante muitos anos, o governo israelita manteve laços económicos e relações estratégicas com o regime do apartheid. Nesta sexta-feira, o governo israelita lamentou a morte de Mandela afirmando que o "mundo perdeu um grande líder que mudou o curso da história" e que ele foi um "apaixonado defensor da democracia".
(excerto da esquerda.net)
sábado, dezembro 07, 2013
nem na publicidade a escola resolve o dito cujo, quanto mais noutras esferas
A escola resolve o nosso apartheid? por: Saul Leblon
A escola pode muito. Mas é questionável que vá salvar a pátria, dizia Antonio Cândido ao PT, em 2002. Vale reler em 2014.
Quem vai salvar a pátria?
Um traço constitutivo da agenda conservadora consiste em festejar as derrotas da sociedade brasileira abstraindo a dimensão estrutural do problema.
Ou seja, omitindo sua responsabilidade.
Espremido o foco, o resto fica fácil.
Cria-se uma circularidade; ela confina o debate do futuro no campo da moral.
E a moral, como se sabe, é o apanágio da classe dominante.
Entre nós esse reducionismo determina que o faminto é culpado pela fome.
O Estado, carcomido pelo cupim privatista, é o responsável pela indigência pública.
O lado ‘gobineau’ das elites –em que a genética define a história-- tem na educação um compêndio ilustrativo de sua versatilidade e dos seus limites.
Manchetes desta semana esponjaram-se no desempenho sofrível dos estudantes brasileiros no Pisa, edição 2012.
O Programa de Avaliação Internacional de Estudantes da OCDE sabatina alunos de 15 e 16 anos em matemática, leitura e ciências.
A mensagem subliminar do jornalismo conservador era: esse, o país dirigido pelo populismo!
Das 65 nações incluídas no teste, o Brasil foi a que apresentou a melhor progressão no aprendizado de matemática nos últimos nove anos.
O fato de persistir no 58º lugar depois disso (em ciências figura no 59º; em leitura, no 55º, num total de 65) é sugestivo do ponto de partida pantanoso sobre o qual a elite ‘esclarecida’ fixou a escola pública brasileira.
O mais irônico é que a narrativa conservadora define a educação como o único canal legítimo de mobilidade das massas no país.
Por trás desse simulacro de meritocracia esconde-se o círculo de ferro de uma das piores estruturas de distribuição de renda do planeta, que se avoca o direito à eternidade.
Endinheirados que se orgulham de patrocinar ONGs pela redenção educativa, garantem: será assim, através da escola, não da reforma agrária, a tributária ou a urbana, tampouco através do salário mínimo ‘inflacionário’, que a miséria material e espiritual perderá seu reinado neste lugar.
A escola pode muito.
Acertou em cheio o governo ao impor uma regulação soberana sobre a riqueza do pré-sal, que permitirá transferir múltiplos de bilhões de reais à politica educacional nos próximos anos.
Mas é questionável que a escola possa tudo o que lhe atribui a emancipação a frio apregoada pela agenda conservadora.
Ser uma ilha de excelência, capaz de abrigar e exorcizar o oceano de iniquidades ao seu redor, parece mais um enredo de aventura nas estrelas do que o horizonte histórico de uma nação.
Os analistas do Pisa parecem corroborar essa avaliação.
Eles afirmam que a metade do ganho brasileiro em matemática, por exemplo, foi uma decorrência de mudanças no entorno social dos alunos.
Uma parte do noticiário conservador interpretou esse dado de forma desairosa, como se fora um atestado de fracasso do MEC. Outra, omitiu-o.
Compreende-se.
Investigá-lo talvez levasse à conclusão de que as políticas demonizadas pela mídia – como o Bolsa Família, a valorização do salário mínimo, crédito barato, subsídio à habitação popular etc-- ajudaram o estudante brasileiro a ter maior poder de aprendizado.
Um exemplo: estudantes do ensino médio beneficiados pelo Bolsa Família nas regiões Norte e Nordeste têm rendimento melhor do que a média nacional (82,3% e 82,7%, contra taxa brasileira de 75,2%).
Outro: pesquisa feita na Universidade de Sussex, na Inglaterra, em 2012, revela que quanto maior é o tempo de participação das famílias no Bolsa Família, maior é o aproveitamento escolar das crianças. Segundo a pesquisa, a taxa de aprovação dos alunos do 5º ano aumenta 0,6 ponto percentual para cada R$ 1 de aumento no valor médio do benefício per capita pago às famílias.
A influência da entorno social na escolarização não é privilégio de sociedade pobre.
Tome-se o caso dos EUA.
O país retrocedeu cerca de 20 pontos na classificação global do Pisa- 2012.
Em 2009 ocupava a 17ª posição; caiu agora para a 36ª, abaixo da média geral em ciências e matemática.
O que mudou nos EUA entre 2009 e 2012?
A sociedade norte-americana mergulhou na sua maior crise desde a Depressão de 1929.
Uma em cada cinco crianças norte-americanas vive atualmente em ambiente de pobreza. A renda média das famílias com filhos recuou cerca de US$ 6.300 (tomando-se 2001 como base de comparação). Com a implosão da bolha imobiliária, um milhão de estudantes de escolas públicas viram suas famílias serem despejadas . As taxas de desemprego aberto e oculto hoje superam a faixa dos 13%. O grau de recuperação do mercado de trabalho na presente crise é o mais lento de todas as recessões anteriores.
A sobrevalorização do papel da escola na agenda conservadora brasileira padece de outros flancos de coerência.
Há uma distancia robusta entre o que se fala e o que se pratica quando se mede o hiato em moeda sonante.
O piso salarial do magistério brasileiro hoje, R$ 1560,00, é um dos mais baixos do mundo. A perspectiva de corrigi-lo para modestos R$ 1.860 reais em 2014 dispara as sirenes de alerta do jornalismo que promete mostrar o abismo fiscal na próxima edição.
Segundo o Pisa, o Brasil investe três vezes menos que a média da OCDE para educar uma criança dos 6 aos 15 anos (R$ 64 mil e R$ 200 mil, respectivamente).
Em termos de PIB, fica com uma fatia equivalente a 5%.
O pedaço destinado aos rentistas da dívida pública é maior: 5,7% do PIB.
O mesmo jogral que atribui à educação poderes sobrenaturais, martela a necessidade de submeter a economia a uma ação purgativa contundente feita de juros mais altos e cortes no poder de compra da população (em especial, a depreciação real do salário mínimo).
O conjunto visa, no fundo, preservar a regressividade fiscal brasileira, que privilegia ricos e penaliza pobres e remediados, contra eventuais reformas progressistas.
Nos salões elegantes, os candidatos a candidato do dinheiro grosso em 2014 acenam com a miragem desse país impossível: um Brasil com produtividade chinesa, civilidade suíça, superávit ‘cheio’ e carga fiscal equiparável a de Burkina Faso, onde o índice de alfabetização não ameaça a barreira dos 25%.
Não é apenas o entorno social do aluno pobre que está ameaçado por esse coquetel ; na verdade, ele rasga a própria fantasia da prioridade educacional, reduzindo-a a sua verdadeira essência histórica: uma agenda protelatória.
Ou seja, um deslocamento espacial e temporal do conflito distributivo, confinado em uma escola e em um aluno, aos quais caberá a exclusiva responsabilidade de erguer a sociedade pelos próprios cabelos.
Ou não será assim também com a saúde pública, desafiada a ‘fazer mais com menos’, --com menos ainda depois que a coalizão demotucana subtraiu R$ 40 bilhões por ano do SUS em 2007?
Um comparativo da OMS mostra o quanto há de perversidade na fotografia que imortalizou esse ato cometido na madrugada de 13 de dezembro de 2007. A imagem mostra a nata do retrocesso político comemorando a extinção da CPMF em alegria obscena. A indecência se panfletada nas filas do SUS ainda guarda nitroglicerina para sublevar o país.
Segundo a OMS, o gasto público mundial per capita com a saúde chegou a US$ 571 por ano em 2010. Inclua-se nessa média os US$ 6 mil per capita da Noruega e os US$ 4 per capita do Congo; o valor brasileiro é de US$ 466/ano; em 2000, no governo FHC, somava US$ 107 per capita.
Os mesmos que gargalhavam na madrugada de 13 de dezembro de 2007 fuzilariam o ‘Mais Médicos’ seis anos depois. E não por acaso são as mesmas bocas de onde ecoa a cínica profissão de fé em uma escola capaz de corrigir aquilo que suas madrugadas políticas cuidam de perpetuar.
Os resultados do Pisa deveriam servir de combustível para um aggiornamento do debate brasileiro que de forma preguiçosa adotou o cacoete de terceirizar à educação tarefas que só uma repactuação do desenvolvimento pode honrar.
Na ante-sala do debate eleitoral de 2014 seria oportuno, por vezes, inverter os termos da equação. E arguir o que o projeto mercadista pretende fazer em benefício da pobreza e da desigualdade hoje para que elas possam mudar a escola pública amanhã.
Vale retornar às origens e reler um trecho inspirador de uma entrevista concedida pelo professor, crítico literário e cientista social Antonio Candido de Mello e Souza, à campanha de Lula, em 2002, sobre o assunto.
Como ele, as palavras aqui emitem uma luminosidade clássica:
"Temos uma crise de civilização (...) Talvez seja um mal que deriva de um bem.
O esforço para tornar os níveis de ensino acessíveis a todos força diminuir o nível. Então, você fica num dilema perverso: elitizo ou democratizo e abdico de qualidade? A saída está numa sociedade igualitária, onde todos tenham acesso à cultura e à educação de qualidade. Foi o que eu vi em Cuba. Instrução pública e gratuita em todos os níveis. E de muito boa qualidade. A chave é a transformação da sociedade, na qual as pessoas se apresentam para a educação em pé de igualdade.
Quem acha que um bom sistema educacional salva a pátria está redondamente enganado. A participação nesse sistema será sempre restrita. Por isso você tem que, primeiro, fazer mudanças estruturais; depois, terá um boa educação. Os liberais pensam: eu tendo uma população instruída, terei uma sociedade melhor.
Errado. Tendo a sociedade melhor, terei uma população instruída. Só assim você supera essa contradição aparente entre elitização e democratização. Continuo achando que a forma republicana do ensino público e gratuito é o grande modelo
(...) Numa sociedade em que as diferenças de classes ficam muito reduzidas, haverá um desaparecimento da cultura erudita e da popular. E surgirá uma nova cultura. Isso é possível. A função do Estado é fazer um grande esforço econômico e social para que no plano cultural o hiato diminua. De tal maneira que, no fim de certo tempo, o popular se torna erudito e o erudito se torna popular.
(...) Sempre tivemos uma República de elite. Um presidente da República era eleito com 200 mil votos - e votos descobertos. Em 1930, eu assisti na minha cidade, em Cássia, Minas Gerais, à última eleição a descoberto. O eleitor chegava e o coronel, ao lado, fiscalizando. Depois de Getúlio, com a emergência das massas operárias, das massas urbanas, não foi mais possível manter esse estreitamento. O Getúlio era um caudilho esperto. Para manter as elites sob controle, abriu as porteiras e deixou o povo entrar, mas patrocinado por ele. Todavia, abriu a porteira. E ela está aberta até hoje” (Antonio Candido; site da Campanha Lula Presidente; 2002)
(misterwalk "telegrafa": o texto acima é um editorial da carta capital. qual é o quê? queria que eu publicasse editoriais da veja?)
quinta-feira, novembro 28, 2013
não ganha oscar nem leão mas é um filme sobre o animalesco que recrudesce em(todos)nós
Apenas o Vento: fenômeno de bilheteria de um filme modesto e desconhecido.
Por que um filme modesto, de diretor desconhecido para a maioria das plateias, cinéfilos e espectadores leigos, vindo de um país sem um marketing convincente da sua indústria cinematográfica, e apresentando um tema distante de nós – a perseguição aos ciganos no leste da Europa – se mantém em cartaz há nada menos que quatro meses, no Rio de Janeiro, embora em cinemas pequenos e horários restritos?
O húngaro Benedek Fliegauf é o autor da proeza. Dirigiu Apenas o vento e integra o grupo de cineastas do jovem cinema magiar que está rodando o mundo. Foi assistente do mitológico diretor Miklos Jancsó, de Os vermelhos e os brancos e Os sem esperança. Pouco tem a ver, do ponto de vista formal, com o cinema de outro compatriota de peso, Istvan Szabó, diretor de filmes clássicos, exibidos no Brasil: as obras primas Coronel Redl, Mefisto e Tomando partido - O caso Furtwängler, que trata do interrogatório do genial maestro alemão Wilhelm Furtwängler por um oficial do exército de ocupação americano - Harvey Keitel faz o papel -, no imediato pós-guerra, em Berlim.
Seu cinema é quase experimental.
Bence, como Benedek é conhecido, tem 39 anos, vive e trabalha na Alemanha. Cancelou projetos em andamento para voltar a Budapeste onde fez este filme entre 2008 a 2009 depois de ler, na imprensa alemã, os casos de massacres de ciganos que ocorriam em zonas rurais da Hungria. Autor de um filme ambiente (como ele define), sem diálogos, chamado Via Láctea, que alcançou notoriedade na Europa, e de outro reconhecido no circuito dos melhores festivais, Dealer, agora, com Apenas o vento, ele levou o Premio Especial do Júri no Festival de Berlim e chegou a ser incluído na lista de pré-candidatos dos melhores estrangeiros do Oscar.
A história versa sobre a série de covardes ataques a famílias ciganas, pessoas desarmadas, adultos, velhos e crianças pequenas, abatidas a tiros de fuzil no meio da noite, nas casas de suas comunidades enquanto dormiam. Mais de cinquenta pessoas foram vítimas.
Baseado em documentação pública, Benedek criou essa história de uma família de ciganos vivendo em uma área afastada, na floresta. A mãe trabalha, a filha estuda, o menino - de cujo ponto de vista a trama é narrada - está envolvido em atividades escusas e o velho avô se mantém em casa. São vizinhos de uma das famílias massacradas. O pai, ausente, se encontra no Canadá, à espera de reunir dinheiro suficiente para retirar a família desta vida sórdida e paupérrima.
A narrativa de Fliegauf é naturalista, a câmera é ofegante e trêmula, e não deixa em qualquer momento de seguir e vigiar o pequeno grupo de personagens, atores amadores, alguns ciganos, durante os 86 minutos da produção que pode ser cansativa ao espectador. Ao contrário, no entanto, o ritmo ansioso pode, em alguns casos - e eles são muitos, visto o sucesso comercial do filme - garantir a atenção e segurar o interesse no suspense deste thriller sombrio - uma das marcas do cinema de jovens diretores e escritores escandinavos, do norte europeu, dos Bálcãs e da Europa oriental, estes, herdeiros da tradição artística da região na qual se misturam à depressão um travo de melancolia, de tédio, racismo e brutalidade.
Aos jornalistas que o entrevistaram no Festival de Berlim e indagaram se Fliegauf se reconhece nesta tradição específica, de Bela Tarr, dos russos, Kieslowski, Tarkowski, de Stieg Larsson (o autor da série Millenium), fazendo filmes obscuros e com certa melancolia, ele resumiu a sua linha de trabalho como resultado de pertencer a uma geração que, ao nascer, encontrou “este mundo de hoje, consumista e conformista.”
Para Fliegauf, o racismo e o empobrecimento da população húngara transformam os ciganos em bodes expiatórios da crise econômica do continente e oferecem um retrato explosivo da situação no seu país que não é bem visto pela União Europeia embora faça parte dela, mas não da zona do euro. Governado pela direita, por conservadores, ex-comunistas hoje liberais, o governo nacionalista sonha com uma nova “grande Hungria”, liderada por um inflexível Viktor Orbán.
Durante dois anos, o diretor entrevistou grupos de ciganos em diferentes regiões de seu país. A intenção era filmar exclusivamente com atores ciganos. Não foi possível e garante que há mais racismo entre eles próprios. “Os ciganos só queriam fazer o filme se fosse uma produção para a TV; queriam a celebridade fácil”.
Mas mesmo com este quadro étnico complexo em sua terra, o jovem cineasta húngaro oferece um retrato impressionista do que é uma comunidade marginalizada pelo racismo e pelo preconceito em um filme praticamente sem diálogos, com parca trilha musical e sons ambientes inquietantes.
A câmera de Benedek, com imagens insistentes beirando o abstrato, nos devolve uma Europa onde as diferenças, dentro de um cenário econômico difícil, estão sendo cada vez menos toleradas. E nos sugere refletir sobre o mundo de hoje onde os indivíduos são substituídos com desenvoltura e abatidos sem piedade ao sabor do vento.
( texto da léa maria aarão reis p/ carta capital que se você ainda não lê, devia, pelo menos para discordar mais profundamente)
quarta-feira, novembro 27, 2013
a justiça não é cega: é zarôlha
“Num país onde Paulo Maluf e Brilhante Ustra
estão soltos, enquanto Dirceu e Genoíno dormem na cadeia, até um cego
percebe que as coisas estão fora de lugar”.
(pinçado por luciano martins, in observatório da imprensa, com o comentário de que saiu na folha a melhor defesa do pt,curiosamente o jornal que tem abrigado o que de pior há no conservadorismo e reacionarismo atual)
(pinçado por luciano martins, in observatório da imprensa, com o comentário de que saiu na folha a melhor defesa do pt,curiosamente o jornal que tem abrigado o que de pior há no conservadorismo e reacionarismo atual)
terça-feira, novembro 26, 2013
o lado negro da força - ou seria o lado branco? - e vem mais disso por ai
Teste psicológico detectou em Barbosa uma personalidade insegura, agressiva, com profundas marcas de ressentimento
Charge de Aroeira |
Antes de se tornar juiz, o atual presidente do STF, Joaquim Barbosa, tentou a carreira diplomática (imagine...), mas foi reprovado no exame psicológico que o definiu como "uma personalidade insegura, agressiva, com profundas marcas de ressentimento".
Meus parabéns à equipe que aplica os testes no Itamaraty, porque, no caso de Barbosa, acertou em cheio, você não acha?
(diretamente do blog do mello, que também é ou já foi publicitário(nobody is perfect?:)
segunda-feira, novembro 25, 2013
o outro lado dos fatos - ou pelo menos das versões - no tempo em que publicitários também interessavam-se por isto
O papel da máfia no assassinato de John F. Kennedy
A ninguém, nem à família, interessava revelar as ligações de Kennedy com a Máfia, os complôs para assassinar Fidel Castro e comprometer a CIA.
[Nota do autor: Maiores
detalhes sobre esses episódios podem ser encontrados, com as
respectivas fontes, nos meus livros "Formação do Império Americano" e
"De Marti a Fidel - A revolução cubana e a América Latina", ambos da
Civilização Brasileira]
“Es una mala noticia” - exclamou Fidel Castro, ao saber do assassinato do presidente John Kennedy, no dia 23 de novembro de 1963. No momento, ele estava almoçando, em Varadero, com o jornalista francês Jean Daniel, editor internacional de L’Express, que passara antes por Washington e a quem Kenndey solicitara que o sondasse sobre a possibilidade de normalizar as relações entre Cuba e Estados Unidos, caso ele adotasse uma linha de não-alinhamento, como a da Iugoslávia [1]. Ele, outrossim, havia instruído o embaixador William Attwood, adjunto de Adlai Stevenson na ONU, no sentido de explorar a possibilidade de acomodar a situação com Fidel Castro, mediante a cessação de suas atividades subversivas na América Latina e a completa neutralização de Cuba, com a retirada dos militares da União Soviética, que lá ainda ficaram [2].
O presidente John Kennedy, aparentemente, havia desistido de invadir a ilha, dado o alto custo político e de vidas humanas, bem como por causa do acordo com a União Soviética, para a retirada dos mísseis (outubro/novembro de de 1962) que lá estava a instalar. E daí que passou a jogar outras cartas para resolver o problema com Cuba, antes da eleição presidencial a ocorrer em 1964.
Não obstante, ao mesmo tempo em que Kennedy experimentava abrir um caminho para a negociação, em 22 de novembro de 1963, o agente Desmond FitzGerald (1910 -1967), substituto de William Harvey como chefe da Cuban Task Force W, da CIA, apresentou em Paris, como representante pessoal de Robert Kennedy, ao major Rolando Cubela Secades, antigo dirigente do Directorio Revolucionario, representante de Cuba na UNESCO e recrutado pela CIA desde 1961, a fim de tramar o golpe de Estado, em Havana, e entregou-lhe uma caneta com um dardo envenenado, para que disparasse contra Fidel Castro, operação esta conhecida pelo criptônimo de AM/LASH. Se Fidel Castro fosse eliminado até novembro de 1964 e se instalasse em Cuba um governo aceitável para os Estados Unidos, Kennedy poderia apresentar-se ao eleitorado americano como o presidente que impediu o avanço do comunismo no hemisfério.
Conforme alguns dos seus colaboradores, talvez a CIA não houvesse informado ao presidente Kennedy sobre o projeto AM/LASH, embora ele não tivesse preconceito contra assassinatos políticos. Quando a CIA, 1961, articulava o golpe contra Leónidas Trujillo, na República Dominicana, Kennedy declarou que os Estados Unidos, “as a matter of general policy, could not condone assassination” e também autorizou o golpe de Estado contra o presidente do Vietnã do Sul, Ngo Dinh Diem, assassinado em 2 de novembro de 1963, em negociações secretas com o Vietnã do Norte. Entretanto, em 23 de novembro, no dia seguinte à entrega da caneta com dardo envenenado a Rolando Cubelas por Desmond Fitzgerald, foi Kennedy que tombou assassinado, em Dallas, por Lee Harvey Oswald. O projeto AM/LASH fracassou como dezenas de outras tentativas de matar Fidel Castro.
O assassinato do presidente John F. Kennedy constituiu um ato de terrorismo individual, cujas causas a razão de Estado (Raison d´État) obstaculizou a investigação realizada pela President's Commission on the Assassination of President Kennedy, conhecida como Warren Commission, nome do chefe da Justiça dos Estados Unidos, Earl Warren. Sua conclusão foi que Lee H. Oswald atuara, isoladamente, assim, como Jack Leon Ruby, quando o matou na estação de polícia [3].
Houve um "covert-up", acobertamento, usual nos Estados Unidos. Embora a viúva, Jacqueline Kennedy, estivesse convencida de que seu marido fora morto não pelos comunistas, como J. Edgar Hoover e outros queriam crer, mas como resultado de uma conspiração doméstica, a ninguém, nem à família, interessava revelar as ligações de Kennedy com a Máfia, os complôs para assassinar Fidel Castro, comprometer a CIA. O presidente Lyndon B. Johnson temia que um inquérito mais profundo indicasse algum envolvimento da União Soviética e de Cuba na morte de Kennedy e tornasse inevitável uma guerra nuclear [4], ou, quiçá, por algum motivo pessoal.
No entanto, após exaustiva investigação, o Select Committee on Assassinations of the U.S. House of Representatives (HSCA), estabelecido, em 1976, constatou que foram dois os atiradores que dispararam contra o presidente Kennedy, que o terceiro tiro partiu de Lee Oswald e que, com bases nas evidências disponíveis, se podia assentar "that President John F. Kennedy was probably assassinated as a result of a conspiracy" [5].
O professor G. Robert Blakey, chefe do Conselho e diretor da equipe da House Select Committee on Assassinations, e Richard N. Billings, diretor editorial da House of Commmitte e antigo diretor da revista Life, assinalaram que Lee Oswald tinha estabelecido significativas conexões com ativistas anti-Castro e o crime organizado, e afirmaram que “we concluded from our investigation that organized crime had a hand in the assassination of Presidente Kennedy” [6].
De fato, todas as evidências apontaram para a existência de um complô, com a participação da CIA e da Máfia e de cubanos asilados [7]. Segundo o gangster Sam Giancana, Lee Harvey Oswald trabalhava para a CIA, participara de uma série de sessões de intensivo treinamento em inteligência, quando servira como marine, servira como espião na União Soviética, onde se casara, em Minsk, com Marina Prusakova, e tinha ligações com a Máfia desde a juventude [8]. Quando voltara aos Estados Unidos, em 1962, proclamava-se abertamente a favor de Fidel Castro e não só distribuíra material de propaganda do Fair Play for Cuba Committee [9] como tentara obter, no México, visto para Cuba, que lhe foi várias vezes negado [10].
Ele estava preparado para representar o papel do terrorista no complô contra Kennedy [11] . Tinha características similares às de Marinus van der Lubbe, o autor do incêndio do Reichstag, na Alemanha (1933) [12] e que fora fichado como comunista, de acordo com o plano dos dois próceres do nazismo, Joseph Goebbels e Hermann Goering, a fim de possibilitar que Adolf Hitler obtivesse poderes extraordinários e implantasse a ditadura, legalmente, sem revogar uma linha sequer da Constituição de Weimar.
A CIA, logo após o assassinato, havia elaborado um Memorandum com as informações de que Lee H. Oswald estivera no México, entre 23 de setembro 2 de outubro, e visitara o vice-cônsul Kostikov [13], conhecido agente do KGB, especialista em sabotagem, e previu que ele seria assassinado, a fim de que nada pudesse revelar às autoridades americanas, se estivesse realmente envolvido em uma conspiração estrangeira. E cumpriu-se a previsão.
Dois dias depois, 24 de novembro, Lee H. Oswald foi executado por Jack Ruby, proprietário de cassino em Dallas e, vinculado ao crime organizado de Chicago [14]. Ele prestara serviços à Máfia, contrabandeando dinheiro de Cuba, nos anos 1950, quando o sargento Fulgencio Batista era o ditador. Sua eliminação, dentro da própria estação de polícia, sob o olhar impassível dos detetives, que o agarravam para impedir qualquer reação, teve como objetivo impedir que ele revelasse a extensão do complô. Tornava-se necessário apagá-lo [15].
Sam Giancana revelou ao irmão Chuck, que escreveu suas memórias, haver escolhido Jack Ruby para executar essa tarefa, porquanto ele havia trabalhado com a CIA, na invasão da Baía dos Porcos, e sempre tivera entendimento com os policiais de Dallas [16]. Cada homem envolvido no complô para matar Kennedy recebeu US$ 50.000,00, revelou Sam Giancana, confessando que ele, pessoalmente, ganhara milhões em petróleo, “from the wealth right-wing Texas oilmen” [17].
O complô, no entanto, não se restringiu aos membros da Máfia, Jimmy Hoffa, Sam Giancana, Johnny Rosselli, articulados com Frank Fiorini Sturgis, que também trabalhara com a CIA na invasão da Baía dos Porcos e recrutara Marita Lorenz para envenenar Fidel Castro [18]. Giancana afirmou que o complô envolveu “right up to the top of the CIA” e "meia dúzia de texanos de direita fanáticos, o vice-presidente Lyndon Johnson" e Richard Nixon, que havia encorajado os preparativos para a invasão da Baía dos Porcos, sob o governo do presidente Dwight Eisenhower [19].
O general Alexander Haig, secretário de Estado no governo de Ronald Reagan, declarou que o presidente Lyndon Johnson, de quem fora assessor, acreditou até morrer que o “obsessivo desejo” de matar Fidel Castro [20], alimentado por Bob Kennedy, estava por trás do assassinato e ressaltou que a existência do grupo secreto, que o tramava, não fora revelado à Comissão Warren nem à opinião pública, e o operação de cobertura visou a proteger a reputação do Presidente [21].
O jornalista Seymour M. Hersh escreveu que o custo de uma completa investigação seria muito alto, porquanto revelaria a verdade a respeito do presidente Kennedy e de sua família [22] , os vínculos com Sam Giancana e Johnny Rossely, que se consideravam traídos por causa do processo contra eles movido por Bob Kennedy, como procurador-geral. Robert Kennedy talvez por isso se evadiu de prestar depoimento perante a Warren Comission [23]. O custo seria, realmente, muito alto.
A investigação revelaria que Sam Giancana, que lhe fora apresentado por sua amante (de ambos) Judith Campbell Exner, ajudara-o durante a campanha presidencial nas eleições primárias em West Virgínia e Chicago, juntamente com outros gangsters, tais como Joseph Frischetti e Meyer Lansky, e entendimento com a Máfia foi intermediado por Frank Sinatra e conduzido por seu pai, Joseph Kannedy.
Os que tramaram o assassinato do presidente Kennedy, provavelmente, tiveram o propósito de compelir os Estados Unidos a invadir Cuba, sonho acalentado pela Máfia, pelos Cuba Project plotters da CIA e do Pentágono [24], assim como pelos mobsters Sam Giancana, Johnny Rosseli, Joseph Frischetti, Meyer Lansky, Santo Trafficante e outros capi da Máfia, ansiosos para reabir os cassinos em Havana.
Estavam todos inconformados com o esforço de Kennedy para conseguir uma acomodação com Fidel Castro. Frustraram-se, porém. Lyndon B. Johnson (1963-1968), ao assumir a presidência, não deu maior atenção ao conflito com Cuba, como o fizeram os irmãos Kennedy, que se deixaram dominar pelo compulsivo anseio de revanche, após a humilhante derrota da Brigada 2506 em Playa Girón. Em 7 de abril de 1964, ordenou à CIA que cessasse as operações de sabotagem e não mais participasse dos raids contra Cuba, assim como cancelou um plano elaborado durante a administração de Kennedy para uma segunda invasão, que deveria ocorrer entre março e junho de 1964 [25].
Entre 1975 e 1976, quando Senate Select Committee to Study Governmental Operations with Respect to Intelligence Activities (Church Committee), tratou de esquadrinhar as ações da CIA, FBI etc., seu presidente, o notável senador Frank Church, do Partido Democrata, ampliou seu raio de investigação até o assassinato de Kennedy e intimou vários gangsters a prestar depoimento. Nenhum, porém, pôde comparecer perante o Church Committee. Foram misteriosamente assassinados, a fim de que não rompessem ou traíssem o código de silêncio, a omertà.
San Giancana, que mantinha relações pessoais com Kennedy e colaborava com a CIA para matar Fidel Castro, morreu com um tiro na nuca e seis em torno da boca, em 19 de junho de 1975 [26]. “Undoubtedly, Giancana was murdered to prevent him from talking about CIA-Castro plot or any other Mafia secret” - afirmou o advogado do gangster (mob lawyer) Frank Ragano em suas memórias [27]. Cerca de dez dias depois, em 30 de julho de 1975, o líder sindical James (Jimmy) R. Hoffa, vice-presidente da Teamsters Union, que fizera doações para a campanha de Nixon, desapareceu, misteriosamente, quando viajava para encontrar-se, em Detroit, com o gangster Anthony Giacalone [28]. Ele também estava convocado pelo Church Committee, dado ter ligação com os gangsters Santo Trafficante, proprietário de extensa rede de jogo em Cuba, fechada por Fidel Castro, e Carlos Marcello, cujo nome aparecera vinculado ao assassinato de Kennedy. Sam Giancana, conforme seu irmão Chuck, revelou que articulara, antes dele próprio ser assassinado, a execução de Hoffa, por solicitação da CIA, tarefa empreendida por cinco soldados: dois de Chicago, um de Boston, um de Detroit e um de Cincinnati [29].
Muitos anos depois, em 14 de janeiro de 1992, o New York Post afirmou que Hoffa, Santo Trafficante e Carlos Marcello participaram do complô para matar Kennedy. O advogado Frank Ragano, em suas memórias, confirmou que, em começo de 1963, Hoffa lhe incumbira de levar a Trafficante e Marcello mensagem relativa a um plano para assassinar Kennedy: “The times has come for your friend and Carlos to get rid of him, kill that son-of-a-bitch John Kennedy” – disse-lhe Hoffa [30].
Quando o encontro se realizou no Royal Orleans Hotel, Ragano falou: “Vocês não acreditarão no que Hoffa quis que eu lhes dissesse. Jimmy quer que vocês matem o Presidente”. Ambos - Trafficante e Marcello – deram-lhe a impressão de que pretendiam efetivamente executar a ordem.
Em sua autobiografia, publicada em 1994, Ragano contou ainda que, em julho de 1963, Hoffa lhe mandara outra vez a New Orleans, com outra mensagem sobre o assassinato de Kennedy. Conforme contou, Carlos Marcello, Santo Trafficante e Jimmy Hoffa tiveram de fato importante participação na morte de Kennedy [31].
Santo Trafficante odiava Kennedy e dizia haver ele traído os cubanos anti-Castro, não dando apoio aéreo à invasão da Bahia dos Porcos, em 1961 [32]. Hoffa, por outros motivos, destestava também os Kennedy [33]. E todos esperavam que Lyndon Johnson, ao assumir a presidência, demitisse Bob Kennedy da procuradoria-geral [34] e cessasse a investigação por ele promovida contra o crime organizado.
Os Kennedy haviam violado o compromisso assumido pelo pai, Joseph Kennedy, quando buscou seu apoio financeiro e político para a campanha do filho, John, em 1960 [35]. Com efeito, alguns poderosos chefões da Máfia e Frank Sinatra, a eles vinculado, apoiaram financeiramente a campanha de Kennedy, o que foi constatado por um agente do FBI, em New Orleans, em março de 1960 [36]. Sam Giancana e os mobsters do nordeste dos Estados Unidos, sobretudo de Chicago, julgavam que haviam colocado John Kennedy na Casa Branca e tinham direito a um "quid pro quo" [37]. Todos, os cubanos anti-Castro e os mobsters, julgavam-se também traídos [38]. Seu assassinato configurou, portanto, uma vendetta.
NOTAS
“Es una mala noticia” - exclamou Fidel Castro, ao saber do assassinato do presidente John Kennedy, no dia 23 de novembro de 1963. No momento, ele estava almoçando, em Varadero, com o jornalista francês Jean Daniel, editor internacional de L’Express, que passara antes por Washington e a quem Kenndey solicitara que o sondasse sobre a possibilidade de normalizar as relações entre Cuba e Estados Unidos, caso ele adotasse uma linha de não-alinhamento, como a da Iugoslávia [1]. Ele, outrossim, havia instruído o embaixador William Attwood, adjunto de Adlai Stevenson na ONU, no sentido de explorar a possibilidade de acomodar a situação com Fidel Castro, mediante a cessação de suas atividades subversivas na América Latina e a completa neutralização de Cuba, com a retirada dos militares da União Soviética, que lá ainda ficaram [2].
O presidente John Kennedy, aparentemente, havia desistido de invadir a ilha, dado o alto custo político e de vidas humanas, bem como por causa do acordo com a União Soviética, para a retirada dos mísseis (outubro/novembro de de 1962) que lá estava a instalar. E daí que passou a jogar outras cartas para resolver o problema com Cuba, antes da eleição presidencial a ocorrer em 1964.
Não obstante, ao mesmo tempo em que Kennedy experimentava abrir um caminho para a negociação, em 22 de novembro de 1963, o agente Desmond FitzGerald (1910 -1967), substituto de William Harvey como chefe da Cuban Task Force W, da CIA, apresentou em Paris, como representante pessoal de Robert Kennedy, ao major Rolando Cubela Secades, antigo dirigente do Directorio Revolucionario, representante de Cuba na UNESCO e recrutado pela CIA desde 1961, a fim de tramar o golpe de Estado, em Havana, e entregou-lhe uma caneta com um dardo envenenado, para que disparasse contra Fidel Castro, operação esta conhecida pelo criptônimo de AM/LASH. Se Fidel Castro fosse eliminado até novembro de 1964 e se instalasse em Cuba um governo aceitável para os Estados Unidos, Kennedy poderia apresentar-se ao eleitorado americano como o presidente que impediu o avanço do comunismo no hemisfério.
Conforme alguns dos seus colaboradores, talvez a CIA não houvesse informado ao presidente Kennedy sobre o projeto AM/LASH, embora ele não tivesse preconceito contra assassinatos políticos. Quando a CIA, 1961, articulava o golpe contra Leónidas Trujillo, na República Dominicana, Kennedy declarou que os Estados Unidos, “as a matter of general policy, could not condone assassination” e também autorizou o golpe de Estado contra o presidente do Vietnã do Sul, Ngo Dinh Diem, assassinado em 2 de novembro de 1963, em negociações secretas com o Vietnã do Norte. Entretanto, em 23 de novembro, no dia seguinte à entrega da caneta com dardo envenenado a Rolando Cubelas por Desmond Fitzgerald, foi Kennedy que tombou assassinado, em Dallas, por Lee Harvey Oswald. O projeto AM/LASH fracassou como dezenas de outras tentativas de matar Fidel Castro.
O assassinato do presidente John F. Kennedy constituiu um ato de terrorismo individual, cujas causas a razão de Estado (Raison d´État) obstaculizou a investigação realizada pela President's Commission on the Assassination of President Kennedy, conhecida como Warren Commission, nome do chefe da Justiça dos Estados Unidos, Earl Warren. Sua conclusão foi que Lee H. Oswald atuara, isoladamente, assim, como Jack Leon Ruby, quando o matou na estação de polícia [3].
Houve um "covert-up", acobertamento, usual nos Estados Unidos. Embora a viúva, Jacqueline Kennedy, estivesse convencida de que seu marido fora morto não pelos comunistas, como J. Edgar Hoover e outros queriam crer, mas como resultado de uma conspiração doméstica, a ninguém, nem à família, interessava revelar as ligações de Kennedy com a Máfia, os complôs para assassinar Fidel Castro, comprometer a CIA. O presidente Lyndon B. Johnson temia que um inquérito mais profundo indicasse algum envolvimento da União Soviética e de Cuba na morte de Kennedy e tornasse inevitável uma guerra nuclear [4], ou, quiçá, por algum motivo pessoal.
No entanto, após exaustiva investigação, o Select Committee on Assassinations of the U.S. House of Representatives (HSCA), estabelecido, em 1976, constatou que foram dois os atiradores que dispararam contra o presidente Kennedy, que o terceiro tiro partiu de Lee Oswald e que, com bases nas evidências disponíveis, se podia assentar "that President John F. Kennedy was probably assassinated as a result of a conspiracy" [5].
O professor G. Robert Blakey, chefe do Conselho e diretor da equipe da House Select Committee on Assassinations, e Richard N. Billings, diretor editorial da House of Commmitte e antigo diretor da revista Life, assinalaram que Lee Oswald tinha estabelecido significativas conexões com ativistas anti-Castro e o crime organizado, e afirmaram que “we concluded from our investigation that organized crime had a hand in the assassination of Presidente Kennedy” [6].
De fato, todas as evidências apontaram para a existência de um complô, com a participação da CIA e da Máfia e de cubanos asilados [7]. Segundo o gangster Sam Giancana, Lee Harvey Oswald trabalhava para a CIA, participara de uma série de sessões de intensivo treinamento em inteligência, quando servira como marine, servira como espião na União Soviética, onde se casara, em Minsk, com Marina Prusakova, e tinha ligações com a Máfia desde a juventude [8]. Quando voltara aos Estados Unidos, em 1962, proclamava-se abertamente a favor de Fidel Castro e não só distribuíra material de propaganda do Fair Play for Cuba Committee [9] como tentara obter, no México, visto para Cuba, que lhe foi várias vezes negado [10].
Ele estava preparado para representar o papel do terrorista no complô contra Kennedy [11] . Tinha características similares às de Marinus van der Lubbe, o autor do incêndio do Reichstag, na Alemanha (1933) [12] e que fora fichado como comunista, de acordo com o plano dos dois próceres do nazismo, Joseph Goebbels e Hermann Goering, a fim de possibilitar que Adolf Hitler obtivesse poderes extraordinários e implantasse a ditadura, legalmente, sem revogar uma linha sequer da Constituição de Weimar.
A CIA, logo após o assassinato, havia elaborado um Memorandum com as informações de que Lee H. Oswald estivera no México, entre 23 de setembro 2 de outubro, e visitara o vice-cônsul Kostikov [13], conhecido agente do KGB, especialista em sabotagem, e previu que ele seria assassinado, a fim de que nada pudesse revelar às autoridades americanas, se estivesse realmente envolvido em uma conspiração estrangeira. E cumpriu-se a previsão.
Dois dias depois, 24 de novembro, Lee H. Oswald foi executado por Jack Ruby, proprietário de cassino em Dallas e, vinculado ao crime organizado de Chicago [14]. Ele prestara serviços à Máfia, contrabandeando dinheiro de Cuba, nos anos 1950, quando o sargento Fulgencio Batista era o ditador. Sua eliminação, dentro da própria estação de polícia, sob o olhar impassível dos detetives, que o agarravam para impedir qualquer reação, teve como objetivo impedir que ele revelasse a extensão do complô. Tornava-se necessário apagá-lo [15].
Sam Giancana revelou ao irmão Chuck, que escreveu suas memórias, haver escolhido Jack Ruby para executar essa tarefa, porquanto ele havia trabalhado com a CIA, na invasão da Baía dos Porcos, e sempre tivera entendimento com os policiais de Dallas [16]. Cada homem envolvido no complô para matar Kennedy recebeu US$ 50.000,00, revelou Sam Giancana, confessando que ele, pessoalmente, ganhara milhões em petróleo, “from the wealth right-wing Texas oilmen” [17].
O complô, no entanto, não se restringiu aos membros da Máfia, Jimmy Hoffa, Sam Giancana, Johnny Rosselli, articulados com Frank Fiorini Sturgis, que também trabalhara com a CIA na invasão da Baía dos Porcos e recrutara Marita Lorenz para envenenar Fidel Castro [18]. Giancana afirmou que o complô envolveu “right up to the top of the CIA” e "meia dúzia de texanos de direita fanáticos, o vice-presidente Lyndon Johnson" e Richard Nixon, que havia encorajado os preparativos para a invasão da Baía dos Porcos, sob o governo do presidente Dwight Eisenhower [19].
O general Alexander Haig, secretário de Estado no governo de Ronald Reagan, declarou que o presidente Lyndon Johnson, de quem fora assessor, acreditou até morrer que o “obsessivo desejo” de matar Fidel Castro [20], alimentado por Bob Kennedy, estava por trás do assassinato e ressaltou que a existência do grupo secreto, que o tramava, não fora revelado à Comissão Warren nem à opinião pública, e o operação de cobertura visou a proteger a reputação do Presidente [21].
O jornalista Seymour M. Hersh escreveu que o custo de uma completa investigação seria muito alto, porquanto revelaria a verdade a respeito do presidente Kennedy e de sua família [22] , os vínculos com Sam Giancana e Johnny Rossely, que se consideravam traídos por causa do processo contra eles movido por Bob Kennedy, como procurador-geral. Robert Kennedy talvez por isso se evadiu de prestar depoimento perante a Warren Comission [23]. O custo seria, realmente, muito alto.
A investigação revelaria que Sam Giancana, que lhe fora apresentado por sua amante (de ambos) Judith Campbell Exner, ajudara-o durante a campanha presidencial nas eleições primárias em West Virgínia e Chicago, juntamente com outros gangsters, tais como Joseph Frischetti e Meyer Lansky, e entendimento com a Máfia foi intermediado por Frank Sinatra e conduzido por seu pai, Joseph Kannedy.
Os que tramaram o assassinato do presidente Kennedy, provavelmente, tiveram o propósito de compelir os Estados Unidos a invadir Cuba, sonho acalentado pela Máfia, pelos Cuba Project plotters da CIA e do Pentágono [24], assim como pelos mobsters Sam Giancana, Johnny Rosseli, Joseph Frischetti, Meyer Lansky, Santo Trafficante e outros capi da Máfia, ansiosos para reabir os cassinos em Havana.
Estavam todos inconformados com o esforço de Kennedy para conseguir uma acomodação com Fidel Castro. Frustraram-se, porém. Lyndon B. Johnson (1963-1968), ao assumir a presidência, não deu maior atenção ao conflito com Cuba, como o fizeram os irmãos Kennedy, que se deixaram dominar pelo compulsivo anseio de revanche, após a humilhante derrota da Brigada 2506 em Playa Girón. Em 7 de abril de 1964, ordenou à CIA que cessasse as operações de sabotagem e não mais participasse dos raids contra Cuba, assim como cancelou um plano elaborado durante a administração de Kennedy para uma segunda invasão, que deveria ocorrer entre março e junho de 1964 [25].
Entre 1975 e 1976, quando Senate Select Committee to Study Governmental Operations with Respect to Intelligence Activities (Church Committee), tratou de esquadrinhar as ações da CIA, FBI etc., seu presidente, o notável senador Frank Church, do Partido Democrata, ampliou seu raio de investigação até o assassinato de Kennedy e intimou vários gangsters a prestar depoimento. Nenhum, porém, pôde comparecer perante o Church Committee. Foram misteriosamente assassinados, a fim de que não rompessem ou traíssem o código de silêncio, a omertà.
San Giancana, que mantinha relações pessoais com Kennedy e colaborava com a CIA para matar Fidel Castro, morreu com um tiro na nuca e seis em torno da boca, em 19 de junho de 1975 [26]. “Undoubtedly, Giancana was murdered to prevent him from talking about CIA-Castro plot or any other Mafia secret” - afirmou o advogado do gangster (mob lawyer) Frank Ragano em suas memórias [27]. Cerca de dez dias depois, em 30 de julho de 1975, o líder sindical James (Jimmy) R. Hoffa, vice-presidente da Teamsters Union, que fizera doações para a campanha de Nixon, desapareceu, misteriosamente, quando viajava para encontrar-se, em Detroit, com o gangster Anthony Giacalone [28]. Ele também estava convocado pelo Church Committee, dado ter ligação com os gangsters Santo Trafficante, proprietário de extensa rede de jogo em Cuba, fechada por Fidel Castro, e Carlos Marcello, cujo nome aparecera vinculado ao assassinato de Kennedy. Sam Giancana, conforme seu irmão Chuck, revelou que articulara, antes dele próprio ser assassinado, a execução de Hoffa, por solicitação da CIA, tarefa empreendida por cinco soldados: dois de Chicago, um de Boston, um de Detroit e um de Cincinnati [29].
Muitos anos depois, em 14 de janeiro de 1992, o New York Post afirmou que Hoffa, Santo Trafficante e Carlos Marcello participaram do complô para matar Kennedy. O advogado Frank Ragano, em suas memórias, confirmou que, em começo de 1963, Hoffa lhe incumbira de levar a Trafficante e Marcello mensagem relativa a um plano para assassinar Kennedy: “The times has come for your friend and Carlos to get rid of him, kill that son-of-a-bitch John Kennedy” – disse-lhe Hoffa [30].
Quando o encontro se realizou no Royal Orleans Hotel, Ragano falou: “Vocês não acreditarão no que Hoffa quis que eu lhes dissesse. Jimmy quer que vocês matem o Presidente”. Ambos - Trafficante e Marcello – deram-lhe a impressão de que pretendiam efetivamente executar a ordem.
Em sua autobiografia, publicada em 1994, Ragano contou ainda que, em julho de 1963, Hoffa lhe mandara outra vez a New Orleans, com outra mensagem sobre o assassinato de Kennedy. Conforme contou, Carlos Marcello, Santo Trafficante e Jimmy Hoffa tiveram de fato importante participação na morte de Kennedy [31].
Santo Trafficante odiava Kennedy e dizia haver ele traído os cubanos anti-Castro, não dando apoio aéreo à invasão da Bahia dos Porcos, em 1961 [32]. Hoffa, por outros motivos, destestava também os Kennedy [33]. E todos esperavam que Lyndon Johnson, ao assumir a presidência, demitisse Bob Kennedy da procuradoria-geral [34] e cessasse a investigação por ele promovida contra o crime organizado.
Os Kennedy haviam violado o compromisso assumido pelo pai, Joseph Kennedy, quando buscou seu apoio financeiro e político para a campanha do filho, John, em 1960 [35]. Com efeito, alguns poderosos chefões da Máfia e Frank Sinatra, a eles vinculado, apoiaram financeiramente a campanha de Kennedy, o que foi constatado por um agente do FBI, em New Orleans, em março de 1960 [36]. Sam Giancana e os mobsters do nordeste dos Estados Unidos, sobretudo de Chicago, julgavam que haviam colocado John Kennedy na Casa Branca e tinham direito a um "quid pro quo" [37]. Todos, os cubanos anti-Castro e os mobsters, julgavam-se também traídos [38]. Seu assassinato configurou, portanto, uma vendetta.
NOTAS
[1] Schlesinger Jr., 1965, pp. 998-1000. U.S. Senate - Alleged Assassination Plots Involving Foreign Leaders, pp. 173 e 176.
[2] Memorandum by William Attwood, Washington, September 18, 1963; Memorandum for the Record. Subject: Minutes of the Special Meeting of the Special Group, 5 November 1963. Washington, November 5, 1963; Memorandum from William Attwood to Gordon Chase of the National Security Council Staff, New York, November 8, 1963. Ibid. pp. 868 a 870, 878 e 879 .
[3] Report of the President's Commission on the Assassination of President Kennedy - United States Government Printing Office - Washington, D.C. U.S. Government Printing Office, Washington : 1964
[4] Trento, 2001, pp. 265-270.
[5] Report of the Select Committee on Assassinations of the U.S. House of Representatives - Union Calendar No. 962 - 95th Congress, 2d Session - House Report No. 95-1828, Part 2 - Findings and Recommendations March 29, 1979.--Committed to the Committee of the Whole House on the State of the Union and ordered to be printed - U.S. Government Printing Office, Washington: 1979.
http://www.archives.gov/research/jfk/select-committee-report/
[6] Blakey & Billings, 1981, pp. 177-180.
[7] Ibid., pp. 173, 174 e 176. Schlesinger Jr., 1965, p. 1029.
[8] Giancana & Giancana, 1992, pp. 330-333.
[9] Movimento em favor de Cuba existente no Estados Unidos, sustentado em grande parte pelos militantes do Socialist Works Party (trotskista) e também pelo Partido Comunista, com apoio financeiro, ao que tudo indicava, do Governo de Havana.
[10] Hinckle & Turner, 1992, p. 241. .Dobrynin, 1995, pp. 112.
[11] Sam Giancana explicou que Oswald nunca foi simpatizante de Castro, porém “CIA all the way”, um fuzileiros naval treinado para falar russo e infiltrar-se na União Soviética. Hinckle & Turner, 1992, pp. 271 e 272.
[12] Em 1933, agentes da Gestapo induziram Marinus van der Lubbe, doente mental e fichado como comunista a empreender o incêndio do Reichstag (Parlamento alemão), conforme a idéia de dois próceres do nazismo, Joseph Goebbels e Hermann Goering. Esse que permitiu a Adolf Hitler obter poderes extraordinários e implantar a ditadura, legalmente, sem revogar uma linha sequer da Constituição de Weimar.
[13] U.S. Senate - The Investigation of the Assassination of President John F. Kennedy: Performance of the Intelligence Agencies, Book V, Final Report of the Select Committee to Study Governmental Operations with Respect to Intelligence Activities, April 23, 1976, pp. 91 e 92.
[14] Hersh., 1997, pp. 450 e 451. Hinckle & Turner, 1992, p. 246.
[15] Vide Bakley & Billings, 1981, p. 279.
[16] Giancana & Giancana, 1992, pp. 330-333.
[17] Id., ibid., p. p. 332.
[18] Frank Fiorini Sturgis foi um dos cinco que arrombaram o Comitê Nacional do Partido Democrata, no complexo hoteleiro de Watergate, em 1962.
[19] Giancana & Giancana, 1991, p. 333.
[20] Johnson, após o assassinato de Kennedy, comentou: “Kennedy tried to get Castro, but Castro got Kennedy first”. Haig, 1992, 114.
[21] Id., ibid., p. 115.
[22] Hersh, 1997 , p. 456.
[23] A Warren Commission on the Assassination of President Kennedy foi criada por uma order executive do presidente Johnson. Seus trabalhos foram presididos Earl Warren, chefe da Justiça da Suprema Corte. Sua conclusão de que o assassinato de Kennedy resultou de um ato individual de Lee H. Oswald não convenceu e as controvérsias sempre existiram.
[24] Hinckle & Turner, 1992, p. 239.
[25] Essa decisão Johnson tomou, não porque respeitasse a soberania de Cuba, e sim porque Robert Kennedy, a quem odiava, era o mentor do projeto.
[26] Giancana & Giancana, 1992, pp. 353-354.
[27] Ragano & Raab, 1994, p. 325.
[28] Em 1983, Hoffa foi declarado legalmente morto.
[29]Giancana & Giancana, 1992, p. 354.
[30] Ragano & Raab, 1994, pp. 144-145
[31] Id., ibid., pp. 348-349.
[32] Id., ibid., p. 154.
[33] Dallek, 2003, p. 299.
[34] Ragano & Raab, 1994, p. 359.
[35] Id., ibid., p. 358.
[36] Dallek, 2003, p. 298.
[37] Ragano & Raab, 1994, pp. 357-359.
[38] Id., ibid., p. 357.
Orlando F. Filho - 23/11/2013
Kennedy acabou com os negócios da mob na ilha, gigantescos e
milionários, envolvendo drogas, prostituição, inclusive grandes
canaviais, pois queriam seu antigo poder de volta. A Igreja Católica
ficou ao lado dos mafiosos contra a reforma agrária. Bom, não é de
espantar, né?
misterwalk, acrescenta o complemento abaixo, também extraído da carta capital, sim claro, of course, a publicação dos caras que comem fígados de criancinhas no café da manhã.
O ato final de Kennedy: aproximar-se de Cuba
Peter Kornbluh - especial para o La Jornada
Nos dias que antecederam o seu assassinato, o presidente estadunidense explorava ativamente uma aproximação com Cuba e trabalhava em segredo com Castro.
O aniversário de número 50 da
morte violenta do presidente estadunidense John F. Kennedy nos projeta
um segredo longamente guardado: após o assassinato em Dallas, Fidel
Castro enviou uma mensagem por canais discretos a Washington pedindo
para reunir-se com a comissão oficial que investigava o magnicídio, para
dissipar os crescentes boatos de que Cuba era a responsável. A
comissão, encabeçada pelo presidente da Suprema Corte de Justiça
estadunidense, Earl Warren, enviou um de seus advogados, o afro
estadunidense William Coleman, em missão clandestina para reunir-se com o
líder cubano em um barco no Caribe.
Coleman contou, em entrevista ao repórter investigativo Philip Shenan, a primeira relacionada com esta reunião ultrassecreta, que falaram durante três horas. Apesar de pressionar o líder cubano no tema dos vínculos de Lee Harvey Oswald com Cuba e a sua misteriosa visita à embaixada cubana no México antes do assassinato, Coleman informou a Warren: não encontrei nada que me fizesse supor que existem provas de que ele [Castro] o fez. De fato, pese ao acontecido em Playa Girón, a crise dos mísseis, os complôs para assassinar gente em Cuba e o embargo comercial, Castro insistiu em que admirava o presidente Kennedy.
Segredos e teorias conspiratórias
Nos Estados Unidos, o aniversário da morte do jovem presidente gerou uma cobertura massiva nos meios de comunicação: documentários especiais para a televisão, uma onda de livros e artigos novos, um novo filme feito em Hollywood.
Coleman contou, em entrevista ao repórter investigativo Philip Shenan, a primeira relacionada com esta reunião ultrassecreta, que falaram durante três horas. Apesar de pressionar o líder cubano no tema dos vínculos de Lee Harvey Oswald com Cuba e a sua misteriosa visita à embaixada cubana no México antes do assassinato, Coleman informou a Warren: não encontrei nada que me fizesse supor que existem provas de que ele [Castro] o fez. De fato, pese ao acontecido em Playa Girón, a crise dos mísseis, os complôs para assassinar gente em Cuba e o embargo comercial, Castro insistiu em que admirava o presidente Kennedy.
Segredos e teorias conspiratórias
Nos Estados Unidos, o aniversário da morte do jovem presidente gerou uma cobertura massiva nos meios de comunicação: documentários especiais para a televisão, uma onda de livros e artigos novos, um novo filme feito em Hollywood.
Inevitavelmente, surgem
novas teorias que discutem mais uma vez as possíveis conspirações
relacionadas com quem matou Kennedy e por quê. A Comissão Warren
concluiu que Oswald, solitário enlouquecido que se declarava marxista,
agiu sozinho quando disparou no presidente. Mas o sigilo do governo
estadunidense, em particular que a CIA retivesse informação de seus
esforços ultrassecretos para assassinar Castro, e da vigilância que
exerceu sobre Oswald quando visitou a Cidade do México (protegendo suas
operações de coleta de informação de inteligência no México), levantou
suspeitas de que alguém encobria algo. A Casa Branca tampouco
compartilhou detalhes extraordinários, como que a atitude de Kennedy em
relação a Cuba teve um giro significativo, sendo Cuba um país central em
qualquer discussão histórica do impactante assassinato do presidente em
Dallas.
Quase imediatamente depois do assassinato cometido no dia 22 de novembro de 1963, os inimigos da revolução cubana começaram a plantar acusações de que o pró castrista Oswald havia conspirado com Cuba para matar o presidente. Em Nova Orleans, onde Oswald criou o comitê “Joguemos Limpo com Cuba” (de apenas um membro), um grupo de exilados com respaldo da CIA, chamado Direção Revolucionária Estudantil (Revolutionary Student Directorate), publicou um boletim no dia 23 de novembro, com um retrato de Castro junto a uma foto de Oswald.
Quase imediatamente depois do assassinato cometido no dia 22 de novembro de 1963, os inimigos da revolução cubana começaram a plantar acusações de que o pró castrista Oswald havia conspirado com Cuba para matar o presidente. Em Nova Orleans, onde Oswald criou o comitê “Joguemos Limpo com Cuba” (de apenas um membro), um grupo de exilados com respaldo da CIA, chamado Direção Revolucionária Estudantil (Revolutionary Student Directorate), publicou um boletim no dia 23 de novembro, com um retrato de Castro junto a uma foto de Oswald.
Seis dias depois do assassinato, o diretor da CIA, John McCone, informou ao novo presidente, Lyndon Johnson, que um agente de inteligência nicaraguense no México, Gilberto Alvarado, havia advertido a nossa estação [no México] com grande detalhe sobre o suposto fato de que no dia 18 de setembro viu Oswald receber 6,5 mil dólares na embaixada cubana na cidade do México. Alvarado afirmava que o dinheiro era o pago para matar o presidente.
A CIA suspeitou de imediato da credibilidade desta informação porque o FBI tinha provas concretas de que Oswald estava em Nova Orleans no dia 18 de setembro; os documentos de imigração mostravam que não havia viajado ao México até 26 de setembro. Alvarado foi retido em uma casa de segurança da CIA e depois entregue às autoridades mexicanas para que continuassem interrogando-o. Este não passou no detector de mentiras dessa agência e se retratou de suas afirmações. De acordo com o relatório ultrassecreto da CIA “O assassinato do presidente Kennedy”, Alvarado admitiu diante das autoridades mexicanas que seu relato era uma fabricação desenhada para provocar que os Estados Unidos tirassem Castro de Cuba a chutes.
Castro também observava acontecer uma conspiração, muito diferente. No dia 23 de novembro transmitiu uma declaração pela rádio cubana na qual qualificava o assassinato de Kennedy de conspiração maquiavélica contra nosso país, que tentava justificar, de imediato, uma agressiva política contra Cuba... construída com o sangue ainda morno e o corpo insepulto de seu presidente, tragicamente assassinado. “Oswald”, declarou Castro, “pode ter sido um instrumento dos setores mais reacionários que estiveram tramando esta sinistra conspiração, e que podem ter planejado o assassinato de Kennedy por estar em desacordo com sua política internacional.”
No momento em que acontecia essa dramática declaração, Castro sabia algo da política internacional de Kennedy que o resto do mundo não soube: nos dias que antecederam o seu assassinato, o presidente estadunidense explorava ativamente uma aproximação com Cuba e trabalhava em segredo com Castro para instaurar negociações secretas com o fim de melhorar as relações. Em novembro de 1963, Cuba não tinha razões para assassinar Kennedy porque estava envolvida na criação de uma diplomacia por canais secretos que poderia ter conduzido à normalização das relações. No mesmo momento em que se cometeu o assassinato, Castro mantinha uma reunião com um emissário que Kennedy havia enviado a La Habana em missão de paz.
Conversas secretas Cuba-EUA
As conversações entre Cuba e Estados Unidos começaram, ironicamente, após um flagrante ato de agressão de Washington: a invasão paramilitar de Playa Girón.
Depois da vitória cubana sobre uma incursão armada que contou com apoio da CIA, o presidente e seu irmão Robert Kennedy enviaram ao advogado James Donovan para negociar a liberação de mais de mil membros da incursão que foram capturados. Durante o curso de várias sessões de negociação, no outono de 1962 Donovan conduziu um acordo para abastecer a ilha com 62 milhões de dólares em alimentos e remédios em troca da liberação dos prisioneiros. Este homem não apenas obteve a liberdade dos prisioneiros, mas a confiança de Fidel Castro.
Na primavera de 1963, Donovan regressou a Havana várias vezes para negociar com Castro a liberação de duas dúzias de estadunidenses – três deles agentes da CIA – presos em cárceres cubanos sob acusação de espionagem e sabotagem. Durante o curso destas reuniões, pela vez primeira vez Castro expôs o ponto da restauração de relações. Dada a acrimonia e a hostilidade do ocorrido no passado recente, como poderiam os Estados Unidos e Cuba procederem com o assunto? perguntou a Donovan.
Lee Harvey Oswald que, segundo a pesquisa oficial, disparou no presidente
Sabe como os porco espinhos fazem amor? Respondeu Donovan.Com sumo cuidado. E é assim que vocês e os Estados Unidos deveriam proceder com esse assunto.
Quando o relatório de Donovan sobre o interesse de Castro em sentar-se para conversar a fim de normalizar relações chegou à mesa de Kennedy, a Casa Branca começou a considerar a possibilidade de um enfoque doce em direção a Castro. Os ajudantes de maior graduação argumentaram que os Estados Unidos deveriam exigir de Castro que deixasse para trás suas relações com os soviéticos como precondição de qualquer conversa. Mas o presidente se impôs; ordenou seus assistentes mais próximos que começassem a pensar em temos mais flexíveis ao negociar com Castro, e deixou claro, segundo alguns documentos revelados pela Casa Branca, que se mostrou muito interessado em prosseguir nesta opção.
Em abril de 1963, em sua última viagem a Cuba, Donovan apresentou a Castro uma correspondente da ABC News, Lisa Howard, que havia viajado a Havana para realizar um especial televisivo sobre a revolução cubana. Howard substituiu Donovan como interlocutora central neste prolongado esforço secreto para entabular as primeiras conversações sérias, frente a frente, para melhorar as relações. Em seu retorno de Cuba, a CIA se reuniu com ela em Miami e a interrogou sobre se havia um claro interesse de Castro no melhoramento das relações. Em um memorando ultrassecreto que chegou à mesa do presidente, o diretor adjunto da CIA, Richard Helms, informou: definitivamente Howard quer impressionar o governo estadunidense com dois dados: Castro está pronto para discutir uma aproximação e ela está pronta para discutir o assunto com ele, se o governo dos Estados Unidos pedir.
Como era de se esperar, a CIA se opôs fortemente a qualquer diálogo com Cuba. A agência tinha a autoridade institucional para prosseguir com seus esforços de frear a revolução por meios encobertos. Em um memorando apressado que foi enviado à Casa Branca no primeiro de maio de 1963, o diretor da CIA, John McCone, solicitou que não se desse, pelo momento, nenhum passo na aproximação e pressionou para que Washington fosse o mais limitado em suas discussões em torno de um processo de acordo com Castro.
Mas no outono de 1963, Washington e La Habana ativamente empreenderam passos em direção a negociações reais. Em setembro, Howard utilizou uma festa em sua casa de Manhattan, na rua 74 leste, como cobertura para a primeira reunião entre um funcionário cubano (o embaixador nas Nações Unidas Carlos Lechuga) e um funcionário estadunidense (o embaixador adjunto na ONU William Attwood).
Attwood disse a Lechuga que pelo menos havia interesse da Casa Branca nas conversações secretas, se existia algo do que falar. Também apontou que a CIA maneja a política com Cuba. Após a reunião, Castro e Kennedy utilizaram Howard como intermediária para começar a passar mensagens em torno dos possíveis acordos para efetuar uma sessão de negociações entre ambas as nações.
No dia 5 de novembro, o sistema de gravações secretas do Salão Oval de Kennedy registrou uma conversação com seu assessor em segurança nacional McGoerge Bundy, sobre se enviar William Attwood (que nesse momento servia como adjunto do embaixador estadunidense Adlai Stevenson nas Nações Unidas) para reunir-se em segredo com Castro.
Bundy disse ao presidente: Attwood tem agora um convite para ir falar com Castro sobre as condições e termos sob os quais estaria interessado em discutir suas relações com os Estados Unidos. Se escuta o presidente aceder à ideia, mas pergunta se é possível tirar Attwood da nômina antes que vá, para saneá-lo, fazendo-o ver como um cidadão qualquer, em caso de que vazasse o rumor da reunião secreta.
No dia 14 de novembro, Howard combinou que Attwood fosse a sua casa e falasse por telefone com o assistente principal de Castro, Rene Vallejo, tentando obter a agenda dos cubanos para uma reunião secreta, em La Habana, com o comandante cubano. Vallejo aceitou transmitir uma proposta ao embaixador Lechuga, que informaria os estadunidenses. Quando Attwood passou esta informação a Bundy na Casa Branca, este lhe disse: quando receber a agenda, o presidente vai querer ver-me na Casa Branca para decidir o que dizer e se há que ir [à ilha] ou como proceder.
Isso foi em 19 de novembro, lembra Attwood. Três dias antes do assassinato.
O ato final de Kennedy
Mas Kennedy também enviou a Castro outra mensagem de potencial reconciliação. Seu emissário, o jornalista francês Jean Daniel, se reuniu com Kennedy em Washington para discutir o assunto Cuba. O presidente lhe deu uma mensagem para Fidel Castro: são possíveis melhores relações, e ambos países devem trabalhar para pôr fim às hostilidades. No dia 22 de novembro Daniel passou essa mensagem a Castro, e os dois a discutiam com otimismo no almoço quando Castro recebeu um telefonema informando que haviam disparado contra Kennedy.
“Isso é terrível”, disse Castro a Daniel, dando-se conta de que sua missão havia sido abortada pela bala de um assassino. Ali ficou a missão de paz.
Então Castro previu com precisão: vão dizer que nós o matamos.
Entre as controvérsias que continuam em torno de possíveis teorias conspirativas, o que se perde na discussão histórica do assassinato é que o último ato de Kennedy como presidente foi aproximar-se de Castro e oferecer a possibilidade de uma relação bilateral diferente entre La Habana e Washington. Cinquenta anos depois, o potencial que Kennedy avistou, em relação a uma coexistência entre a revolução cubana e os Estados Unidos, tem ainda que cumprir-se. Como parte da comemoração de seu legado, devemos recordar, reconsiderar e revisar sua visão de um cessar as hostilidades no Caribe.
(*) Peter Kombluh dirige o Projeto de Documentação sobre Cuba no Arquivo de Segurança Nacional em Washington e é coautor, junto a William LeoGrande, do livro de próxima aparição Talking with Cuba: The hidden history of diplomacy between the United States and Cuba
(**) Tradução ao espanhol: Ramón Vera Herrera
(***) Tradução ao português: Liborio Júnior
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