quarta-feira, março 17, 2010

o conar é que precisa de uma devassa, para não dizer que agências e anunciantes idem


Felizmente, os professores de ética atuais não são os filósofos éticos gregos que, com seu comportamento, faziam a filosofia se espraiar e criavam discípulos. Caso fossem, correríamos o risco de ver não só um grupo de estudantes de Filosofia saindo às ruas contra a cerveja, mas, talvez, todo um partido de militantes dessa nova postura ascética. Então, uma boa parte da indústria de bebidas entraria em colapso, causando desemprego.

Esses estudantes seriam os discípulos do professor de ética Renato Janine Ribeiro. Para comentar a proibição da propaganda da cerveja Devassa, ele iniciou fazendo profissão de fé na sua aptidão para o gosto sofisticado quanto à bebida e ao sexo (ver "A devassa da devassa"). Poderia ter iniciado seu texto falando da proibição, mas não, ele precisou, antes, falar de como perdeu o gosto, de uma vez, pela cerveja Devassa quando a viu associada ao nome de uma atriz pornô. Cito a passagem que, confesso, achei hilária:

"Provei a cerveja Devassa num dia no aeroporto. Mas, quando vi na TV sua propaganda com uma norte-americana rica que deve a fama a um vídeo pornô que circulou na internet, achei de mau gosto e perdi a simpatia pela bebida. Ponto. Agora, quando o Conar retirou a propaganda do ar, vale a pena discutir um pouco o assunto" (Folha de S.Paulo, 07/03/2010).

Muito sexo e pouco erotismo

Qual o objetivo de, em um texto sobre a censura, antes de tudo se colocar como alguém que está acima de Paris Hilton e de cervejas que podem estar ligadas, nas propagandas, a mulheres? E será que a forma com que Janine Ribeiro falou do assunto "vale a pena discutir um pouco o assunto"?

O texto do professor de ética segue, então, de maneira ziguezagueante: usa vários parágrafos para titubear e, ao fim, não conseguir condenar o que foi, claramente, um ato de censura. Envolve discussões não cabíveis sobre "mulher objeto" (a essa altura do campeonato?) e suas relações com a "sensibilidade" do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, órgão privado). Fala, fala e não diz nada.

Pode ser que Renato Janine Ribeiro ainda esteja traumatizado por conta das reações a seus últimos artigos. Um deles, em que deixou escapar um possível gosto (nada sofisticado, diga-se de passagem) pela pena de morte, lhe deu boa dor de cabeça. Teve de enfrentar um Jô Soares que, como um professor mais velho, puxou sua orelha dizendo "o que se passou nessa sua cabecinha, Renato?". Isso sem contar os artigos anteriores, de defesa envergonhada do governo mensaleiro, quando ele ainda era membro da Capes. Pode-se lembrar, também, o artigo sobre a garota hostilizada na Uniban em que ele, de modo muito estranho, poupou a escola em um momento em que todos apontavam para o descaso para com o ensino em uma universidade como aquela. Sim, tudo isso pode ter deixado o professor de ética sem jeito.

Todavia, lá pelo final do artigo, Janine Ribeiro parece encontrar o eixo: ele faria, sim, uma objeção à propaganda: ela ligaria sexo e bebida de um modo a não fomentar a imaginação, uma vez que seria uma propaganda sem erotismo. Ah, então aí começamos a entender a razão de Janine ter começado retratando o seu próprio gosto sofisticado. Ele é adepto do erotismo e, em nossa sociedade, há muito sexo e pouco erotismo. Ou seja, há uma perda da imaginação.

Voyeurismo em cenas belíssimas

Ora, dito assim, eu endossaria a afirmação de Janine. A geração dele, mais que a minha até, foi leitora de Herbert Marcuse. Talvez não ele, que não vem da tradição frankfurtiana da qual eu venho, mas como jovem dos anos 1960 ele sem dúvida soube bem absorver a crítica da época: vivemos uma civilização que, para ser civilização, cortou os pulsos de Eros. Tenho dito isso até hoje. Quanto mais há a venda de Viagra e quanto mais precisamos de propaganda para consumo de pornografia, mais isso denota que estamos apáticos, que não nos erotizamos mais, que nos deixamos sucumbir pelos ditames da "sociedade do trabalho" (Karl Marx), da "sociedade administrada" (Theodor Adorno) ou coisa parecida. Sim, mas será que é isso que Janine quis dizer?

Penso que há em Janine, na verdade, menos sofisticação do que ele quer fazer parecer e, talvez, um rabicó de puritanismo. Convido o leitor para concordar ou discordar de mim. Vejamos, vamos ao que nos interessa: a propaganda.

Quem viu a propaganda da Devassa pode simplesmente dizer: foi a propaganda menos apelativa ao sexo que já vi em relação a bebidas. Foi, sem sombra de dúvidas, na comparação com outras, em que partes sexuais da mulher são enfatizadas (principalmente as nádegas), uma propaganda que mostra o voyeurismo do fotógrafo em cenas belíssimas. Nada de "devassidão". Muito menos de pornografia. A propaganda é um elogio ao trabalho fotográfico do erotismo de algo nível.

Guerra econômica por mercado

Renato Janine Ribeiro ou não viu a propaganda, o que é gravíssimo para um professor que escreve comentando sobre ela, ou simplesmente viu e, por conta de algum drama psicológico, não conseguiu fazer a distinção entre o erótico e o pornográfico, entre o que faz a imaginação andar e o que faz a imaginação parar.

O que faz a imaginação andar na literatura expressa em livros é uma coisa. As possibilidades da TV são outras. Quando criticamos a TV por ela não provocar a imaginação que o livro pode fomentar, cometemos uma injustiça, além da burrice implícita na comparação. A TV é imagem e som, e de modo rápido. Fazer TV imaginativa implica reconhecer os limites e as possibilidades desse meio por ele mesmo, e não em comparação a outros.

O publicitário da Devassa acertou a mão. A propaganda é boa e nada tem de ofensiva – não há nem mesmo cena de nudez ou qualquer gesticulação pornográfica. Assim, talvez tenhamos de ir menos pelo saber superficial de lições de ética e mais pelo conhecimento filosófico amplo. Um filósofo deveria antes desconfiar de algo que é um segredo de Polichinelo: o Conar não cedeu a qualquer imperativo ético novo ou velho; ele certamente se viu no interior da guerra econômica por mercado – e isso, sim, foi a devassidão que caiu sobre a Devassa. O resto é frescura – infelizmente, frescura que não vem do sabor da Devassa ou de qualquer outra cerveja.

Bem, abram uma cerveja, brindem a Epicuro e esqueçam falsas lições de ética!

(cerveja e hipocrisia, devassa na boca do professor de filosofia, do pauldo ghiraldelli jr.)

terça-feira, março 02, 2010

para os atrasados,de sempre, na história





Li em umartigo assinado pelo biólogo Fernando Reinach, publicado no Estadão em 24.12.2009:



Nossa ilusão de que vegetais não se comunicam e não têm mecanismos sofisticados para resistir à morte se deve ao fato de eles se comunicarem não por sons ou gestos, mas por meio de moléculas químicas, cheiros e hormônios que muitas vezes sinalizam seu desconforto ou tentam repelir ataques. Recentemente foi elucidada a sofisticada comunicação entre uma couve-de-bruxelas, uma borboleta que adora devorar suas folhas e uma vespa que se alimenta das larvas da borboleta.”



“A couve-de-bruxelas (Brassica oleracea) está feliz tomando sol em seu jardim quando pousa sobre ela uma linda borboleta branca (Pieris brassicae). A borboleta deposita sobre as folhas seus ovos fecundados – uma ameaça para a couve, pois os ovos se transformarão em larvas famintas. No terceiro dia, como por milagre, os ovos são localizados por uma vespa altamente especializada.”



“Essa vespa (Trichogramma brassicae) injeta seus ovos dentro dos ovos da borboleta. As larvas da vespa se alimentam do conteúdo dos ovos da borboleta, matando-os. O resultado é que a couve de safou. A morte passou perto.”



2. Há algumas décadas o mercado publicitário foi apanhado de surpresa: a MPM (então do Mafuz, do Petrôneo e do Macedo) primeira no ranking das agências, havia sido adquirido pela inglesa Lintas, a sétima ou oitava, se bem me lembro.


“A nova agência será gigantesca”, concluiu-se.



Não foi. As contas foram saindo, a agência minguando, minguando, e em pouco tempo ficou menor do que a Lintas, antes da aquisição.



3.No começo da década de 60, aconteceu o contrário.


Um dia, uma bomba sacudiu o mercado: a Willys Overland do Brasil tinha entregue sua conta, uma das mais polpudas do país e até então dividida entre duas ou três agências, ao jornalista Mauro Salles.


A reação foi imediata: as entidades do setor, lideradas pela ABAP, botaram a boca no mundo. Inutilmente.



Mauro comprou uma pequena agência carioca, entregou a direção do escritório ao ex-dono, veiculou através dela os primeiros anúncios e montou a Mauro Salles, depois Salles Publicidade. Aí, sentindo que faltava representatividade à agência, trabalhou em duas direções: aproximou-se das entidades patronais da publicidade inclusive da ABAP, que acabou presidindo, e comprou a Interamericana, uma das mais conceituadas do país.



Instalou o antigo dono, empresário de grande prestígio no mercado, em luxuosa sala do escritório do Rio de Janeiro. Cercou-o de todas as honras. E isolou-o da operação. Ao mesmo tempo, executou um cuidadoso processo de demissão que atingiu quase todo o pessoal da Interamericana.



Completando a operação, e para demonstrar ao mercado que sua intenção de manter a agência adquirida, deu à dele o nome de Salles Interamericana.


4. Na década de oitenta, outra surpresa.


Young & Rubicam, uma gigante, e Fischer & Justus, agência média, anunciaram sua fusão. Surpresa maior: a Fischer comandaria a nova agência, que se chamaria Fischer, Justus, Young & Rubicam.



Fui contratado para dirigir a operação da agência, quando o processo já estava concluído. Minha primeira missão: fazer uma análise da atuação da agência, que naquela altura encontrava dificuldade para deslanchar.



Três meses depois apresentei meu relatório: a Fischer, Justus, Young & Rubicam não era uma agência: eram duas, com filosofias de trabalho diferentes, que se chocavam permanentemente, uma atrapalhando o trabalho da outra.



Fui vaiado.



Você não entendeu nada,”disse-me meu chefe. “Chegou ontem aqui e acha que sabe das coisas.”



Mas eu estava seguro das minhas conclusões. Tão seguro que passei a sugerir à diretoria que promovesse uma convenção de dois dias com a participação de toda agência, para uma discussão sobre o futuro dela.



Insisti tanto que a diretoria concordou. Com uma condição:



“Você participa se quiser, mas se participar será como mero assistente. Não pode dar um pio.”



Contratou um psicólogo e um sociólogo para conduzir os trabalhos e apresentar suas conclusões em relatório.



Conclusão deles: o grupo está rachado. De um lado, a turma da Young, de outro, a da Fischer.



Coincidentemente ou não, meu chefe me demitiu em seguida.



Pouco tempo depois, as agências se separaram.



Um dia, em encontro casual, o Cláudio Carillo, que trabalhava na agência no mesmo período que eu, me disse:



“A Fischer e a Young deviam lhe dar um prêmio, porque teve a coragem de mostrar que elas deviam se separar porque a Fischer, Justos, Young & Rubicam estava irremediavelmente rachada. Juntas, iam se matar.”


5. Também na década de oitenta a McCann convocou a imprensa especializada para apresentar um grupo de profissionais que havia acabado de contratar. Ele eles, um diretor de criação – um dos maiores nomes da época.



Na época eu dirigia a redação da Revista Propaganda. E ao invés de mandar um repórter, fiz questão de ir.



O presidente da agência fez apresentação de cada um e anunciou orgulhoso, quando foi falar do novo diretor de criação:



“Com ele, a McCann entra em uma era: a da criatividade.”



Terminada a apresentação, perguntei:



“Além de contratar um brilhante diretor de criação, o que a Agência está fazendo para permitir que ele dê a anunciada virada criativa¿”



Expliquei, então, que havia trabalhado lá, e sabia das dificuldades - que enumerei – para realizar um trabalho criativamente diferenciado.



Ele não gostou. Deu uma resposta seca e encerrou a coletiva.



6. Semana passada este Acontecendoaqui anunciou uma provável adquisição da W pela McCann. Não sei se, enquanto escrevo, o negócio evoluiu. Mas aqui, sentado nos meus calcanhares, laptop em nos joelhos, fico pensando: será que vai dar certo?



De um lado, temos uma agência conservadora, que já fez antes um negócio frustrado, parecido, com a Ênio. De outro, temos um criativo brilhante e inquieto, embora pareça ultimamente mais interessado em escrever livros e comentar viagens, gastronomia, música.



Acho que não vai dar, porque no interior das agências as coisas funcionam como a descrita pelo Fernando Reinach: um gesto, uma palavra, um jeito de ser, pode ajudar ou destruir outro.



Mas isso é só um palite. Que, aliás, não foi pedido.




McCann e W: quando uma coisa puxa a outra, do eloy simões, confirmando que a história quando se repete, ainda mais nestes casos, não é comédia mas apenas mais uma farsa tragédia.