Receita de bacalhau à Brás. Lave bem o bacalhau, desfie-o grosseiramente eliminando a pele e as espinhas. Coloque-o de molho em água fria por 24 horas, trocando a água por três vezes. Descasque as batatas e rale-as num ralador grosso. Se chegou até a essa parte do texto, significa que você está fora das estatísticas que versam sobre o número de pessoas que lêem os textos do que quer que seja, além das primeiras e últimas duas linhas. Segundo especialistas da Universidade do Ouvi Dizer, 113% dos leitores de jornais e revistas (a percentagem não faz sentido, mas não se apoquente, tanta coisa não faz sentido nesse planeta) são analfabetos ou cultivam um hábito de leitura idêntico ao das tartarugas hermafroditas da Patagónia chilena. Já o Instituto de Pesquisas do Acho Isso ou Aquilo, afirma números ainda mais impressionantes. Baseado em estudos sérios feitos a partir das opiniões de cerca de meia pessoa, está cientificamente provado que o último indivíduo que leu o texto de um anúncio foi um senhor reformado, morador de um vilarejo ao sul do norte do Alabama, que, devido um glaucoma em estado avançado, leu um reclame de lixívia acreditando tratar-se do resultado de uma partida de basebol. Como sou desconfiado e tenho a mania de pensar pela minha própria cabeça, insisto em colocar umas palavrinhas na maioria dos anúncios que faço ou aprovo. Deve ser coisa de velho. Sou do tempo da publicidade movida a lenha. Dos tempos da publicidade arte, da publicidade de raiz, de tradição- como as marchas populares da época da Beatriz Costa ou do leitão à padeiro feito pela mulher do próprio (do padeiro, não do leitão)-, em vez desta publicidade que fazem hoje em dia e que só serve para enganar os turistas. Outrora (e naquela era usávamos muito a palavra "outrora"), os anúncios tinham pés e cabeça. Tinham de ter argumentos de venda. Eram a prova provada da melhor definição que eu já ouvi sobre a nossa actividade: "a publicidade é conversa de vendedor por escrito". Claro que o mundo mudou. E que o consumidor de hoje não é igual ao de dez, vinte ou trinta anos atrás. Não é lógico criar um anúncio de jornal com um longo texto (algo para aí com mais de duas palavras escritas) para ser lido por um puto de quinze anos. Até porque os putos de quinze anos têm apenas uma vaga ideia do que seja um jornal quanto mais do que seja um anúncio de jornal. Mas quando estamos a falar com pessoas quem compram os diários ou semanários para algo mais do que forrar a casota do gato, qual é problema de escrever algumas linhas sobre os benefícios dos produtos? Se o texto estiver bem escrito, acredite alguém vai ler. E se não ler, qual é o problema? Qual é o medo? As pessoas não vão rasgar o jornal num acto de protesto por terem encontrado palavras nos anúncios. Não existe isso de texto longo ou texto curto. O que existem são textos maus ou textos bons. Não julgue os outros pelo seu grau de iliteracia. Ou melhor, julgue, se você foi uma duas ou três pessoas que penosamente leu esse texto até aqui. Ou como diria o meu Tio Olavo: "Refogue tudo em fogo baixo até que as cebolas estejam levemente douradas. Acrescente o bacalhau e refogue por cerca de quatro minutos. Coloque os ovos e misture como se fossem ovos mexidos. Sirva com pão e arroz branco".
"alguém lê os textos dos anúncios de imprensa?", por edson athayde, vp.criativo da ogilvy portugal, para o meios&publicidade.
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