segunda-feira, dezembro 23, 2024

vade retro

junto das bets, o jogo do bicho, com toda a criminalidade dos bastidores, é um folguedo de anjinhos barrocos. bet é droga pesadíssima. faz heroina parecer anestesia bucal. e quando a bet discursa o jogo responsável ou a diversão com responsabilidade (sic!) escudada por influenciadores, atletas, cantores, narradores esportivos e até gente das quais se diz ilibados, tem- se a medida de como o tigre esfacela a presa. e o governo que permite isso, com uma regulação que faz vampiros parecem mais abnegados coletores de sangue do hemocentro, é o porteiro para o inferno onde até o diabo tem pudores em se associar. mas homens de deus não.

segunda-feira, outubro 21, 2024

ou comem todos ou não come nenhum

a diferença cirúrgica, entre o capitalismo e o comunismo, é que no capitalismo, o sucesso de um, depende do fracasso de milhares e ou milhões. já no comunismo, o sucesso de um, depende do sucesso de todos. daí, enormes dificuldades da implantação do comunismo na sua essência. a especie humana, por índole, não fica satisfeita com o sucesso do outro. e tudo o que puder fazer fará para obter sucesso à custa da miséria alheia. eis o leit motiv capitalista.

segunda-feira, setembro 16, 2024

precisamos o quanto antes fazer arte

mecanismos de dominação ideológica, que levam a estagnação política, são sempre mais eficientes quanto mais sutis. "esse menino/a é muito arteiro; tá fazendo arte não é ?" são a fala de uma sociedade que desde logo  estigmatiza os desviados (quando não usam o verbo direto: arte é coisa de veado), aqueles que fogem do ideário produtivo a serviço do capital. a arte sempre vem associada a um comportamento desviante. maligno para o sistema, o artista é sempre o vagabundo, o maconheiro, a bicha, o bêbado, o louco. o perigoso a ser evitado. o exemplo a não ser seguido. nunca é visto com bons olhos o artista, principalmente se é disruptivo aos padrões esteticos ditados pela dominação. e como se não bastasse há todo um engendramento que busca incrementar um falso conceito de arte, a domesticada; os romeros britos do mercado, cujo trabalho não produz os efeitos da verdadeira arte: a revolução em todos os sentidos. a excitação do sentido crítico, dos desejos e vontades reprimidos com seus gemidos tão temidos pelo sistema produtivo. a arte liberta enquanto liberta em si. desconcerta as correntes e emperra o fluxo de raciocínio que se satisfaz com o vulgar, com o lugar comum, com o populacho. e neste sentido, a verdadeira arte popular e a erudita verdadeira são irmãs gêmeas e pasmem univitelinas apesar do sistema querer fazer com que pareçam aos olhos do público diferentes. e uma das manobras é o direcionamento ao raso sob a tônica de que a arte elitizada não é compreendida pelo povo, como se a arte explosiva e corrosiva ao sistema não viesse do próprio povo. reúna a multidão que espera o padrão sertanejo e soe os acordes de um bach; apresente-os a um bacon, que não seja o de um x-tudo; coloque-os frente a frente com um rodin; deixe-os com um tolstoi a frente ( a curiosidade não mata só o gato. mata a mediocridade também ) e o resultado será um misto de êxtase, não entendimento de vísceras mexidas; fuga a realidade apresentada ( arte é construir realidades não paralelas enquanto rasga a falseada ), confusão mental, brilho nos olhos para alguns e olhos fechados para outros, notas dissonantes e sincopes tal qual o canto de certos passarinhos que o progresso assassinou - assim como a voz de nossas gargantas - jorros de sentimentos em queda na cachoeira dos sentidos. essa multiplicidade de sensações, ora ambíguas, ora contrastantes, enfim únicas ao tempo que comungadas por gente tão diferente tão igual, é o resultado da obra de arte. aquela que sendo verdadeira, " vem para confundir não para explicar". a arte não é um menino ou menina, um moçoilo ou moçoila bem comportados, um idoso ou idosa com dificuldades de fala ou locomoção. a arte é um idoso gagá que desconcerta a reunião dominical de parentes. uma criança toda cagada derrotando a roupinha do natal. um beijo de língua pra lá de libidinoso, um peido na sala de jantar pomposa, uma experiência única entre o alado e o caído. uma sinapse entre o pulso de eros e tanatos. se não tivermos mais "crianças arteiras, adultos crianças e idosos de calças curtas, teremos uma sociedade exatamente como a que temos hoje: repleta do que parece estar vivo mas não está. aparências e nada mais.

segunda-feira, dezembro 24, 2018

washington, se não a greta, o nosso garbo da publicidade, não acabou no irajá, mas acabou a 14,90.

que mundo é este onde um livro que vale o dobro do seu preço
é vendido a 1/5 em regime de sobras ?
na apresentação do último livro do paulo francis,(carne viva) mutatis mutandis, tal como seus personagens, no fundo alter-egos, traz a sensação de que o autor percebe que aquela "belle époque" dos debates inteligentes, dos diálogos idem, do bom gosto, da cultura e dos livros, havia chegado ao fim(pelo menos para ele).

pois bem: parafraseando, pode-se dizer o mesmo da publicidade. e daqueles que foram seus bons atores. não quero ser um oliviero toscani, mas creio que agora confirma-se que - pelo menos a boa - a publicidade é mesmo um cadáver que nos sorri.

e a tal ponto que o livro do washington sequer tem preço de sebo. não que o livro traga algo de transcendental, como sempre o querem fazer parecer todos os livros idiotas( e não são poucos, poucos sim, são os que não são idiotas) lançados por publicitários, mesmo quando travestidos de falsa simplicidade.

o livro de washington é um texto com a simplicidade de quem já foi refletor e refletido à exaustão de brilho próprio e sente agora cada vez mais a proximidade do apagar das luzes. traz lições cativantes, sem floreios desnecessários, apesar do que pode ser visto como afetação(não me parece, pra quem esteve onde o washington esteve) se o olhar do leitor não foi afetado pelo ódio ao sucesso ou pela idolatria ao publicitado.

mas não estamos aqui para falar de washington. estamos aqui para falar de mim(um velho truque publicitário falar do mais famoso para depois depor com nossa medíocridade). mas não na primeira pessoa e sim no fim dos posts do cem graus celsius.

mas antes, de deletar-me no espaço, para além do exemplo do livro do washington, outro, que me fez pensar que não tem mais sentido( se é que teve alguma vez) manter um blog para discorrer críticamente sobre esta profissão, em universo onde a crítica jamais é permitida. mas sim o puxa-saquismo e palavras de outros interesses que apenas interressam a quem nunca foi ou deixou de ser interessante há tempos.

all-parts quer me alertar sobre cuidado com os amortecedores com esta imagem

via-email recebo "mala direta" (mala direta está entre aspas, porque os textos do digital de hoje são de doer a dentadura) de auto-peças para importados - sim eu sou ainda do tempo em que a turma da criação tinha salário pra isto. e não ticket-refeição - com materia sobre amortecedores.

de um lado temos a pulhice do story-telling - não sou só eu que acho, gente como o marcelo serpa também - e de outro a rídicula exploração do sentido fálico(acho que tenho que explicar para esta geração agora, que o amortecedor significa um caralho sem tamanho, recurso que não chega sequer a ser do grande caralhinho) o que em época de "empoderamento" feminino (tal como o washington também acho isto outra pulhice(não é que penso em boa companhia;) é no mínimo bater com força no colo do útero do pensamento das meninas que se prezam.

enfim, resumindo: pra quê blog crítico sobre publicidade se este é o universo, sem falar das campanhas pífias, cada vez mais imbecilizantes, que traduzem o pensamento que norteia a publicidade de hoje, por mais que se queira, por conta da tecnologia, inovadora e (sic!) criativa? onde as ideias, os ideais, a ousadia, a coragem, a irreverência, o senso de oportunidade( e não de oportunismo) enfim, onde a criatividade, da qual washington é agora um sem-teto?

hoje o grande talento na publicidade - para quem o tem - resume-se a não usá-lo para não desafinar o coro dos contentes.

como eu não tenho o grande talento para uma coisa ou outra, e menos ainda tolerância para com a medíocridade alheia, recolho-me a minha que já me é peculiar, e estacionária, o que não deixa de ser um consolo.

como diria o poeta(com a devida licença). eles "passaralho". eu não mais pio. 

sexta-feira, junho 29, 2018

quem dá mais ?



proliferação de categorias a premiar em cannes não reflete diretamente o crescimento da indústriva movido pelo digital. é o velho e bom capitalismo balaçando a sacola dos caça-niquéis. cannes: quem conhece que te compre. e te premie.

segunda-feira, junho 25, 2018

procrustes, procrusto, damastes ou polipémon. mas pode chamar de nizan e todos aqueles nomes pra lá de conhecidos pelos mesmo métodos

a síndrome de procusto(não sabe o que é? não escapa dela por conta disto) encontra habitat pra lá de favorável nas agências de publicidade. lá é um tal de estica e corta(amputa) que é uma "beleza".

sexta-feira, junho 22, 2018

mercado enganador

o sujeito acha que é bom - principalmente em publicidade - quando engana a todos, inclusive a si mesmo. mas não é, é engano.

domingo, maio 13, 2018

quando o filho ingrato finalmente se torna grato - e sua mãe deixa de ser gratinada

quando vejo o nível a que chegaram os comerciais do dia das mães, penso que por mais putas que elas tenham sido, não mereciam, neste dia das mães - filho da puta, of course - o trabalho que lhes deram filhos que se dizem publicitários por tais criações. é a tal coisa: mãe merece respeito: até de publicitário.
por conta disto mesmo, quem sabe talvez, fizemos um trato - minha mãe, e eu, que já fui, ou vá lá que seja, sou publicitário - que desde já explicito: extirpamos do calendário, o segundo domingo de maio. sem alíneas ou quaisquer parágrafos de isenção. defenestramos o tal dia das mães, já que comemorar nunca comemoramos mesmo. em compensação, doravante, durante os demais dias do ano, seremos filho e mãe de verdade, sem pose, nem afetação de comerciais. não tem plim-plim mas terá bombom.








domingo, janeiro 21, 2018

é mais que urgente deseducar as crianças*

IDEIAS

Claudio Naranjo: “A educação atual produz zumbis”

O psiquiatra chileno diz que investir numa didática afetiva é a saída para estimular o autoconhecimento dos alunos e formar seres autônomos e saudáveis

Claudio Naranjo, psiquiatra chileno, fala sobre a educação atual  (Foto: Divulgação)
ÉPOCA – O senhor é psiquiatra e desenvolveu teorias importantes em estudos de personalidade. Hoje trabalha exclusivamente com educação. Por que resolveu se dedicar a esse tema?
Claudio Naranjo – 
Meu interesse se voltou para a educação porque me interesso pelo estado do mundo. Se queremos mudar o mundo, temos de investir em educação. Não mudaremos a economia, porque ela representa o poder que quer manter tudo como está. Não mudaremos o mundo militar. Também não mudaremos o mundo por meio da diplomacia, como querem as Nações Unidas – sem êxito. Para ter um mundo melhor, temos de mudar a consciência humana. Por isso me interesso pela educação. É mais fácil mudar a consciência dos mais jovens.
ÉPOCA – Quais os problemas do modelo educacional atual na opinião do senhor?
Naranjo – 
Temos um sistema que instrui e usa de forma fraudulenta a palavra educação para designar o que é apenas a transmissão de informações. É um programa que rouba a infância e a juventude das pessoas, ocupando-as com um conteúdo pesado, transmitido de maneira catedrática e inadequada. O aluno passa horas ouvindo, inerte, como funciona o intestino de um animal, como é a flora num local distante e os nomes dos afluentes de um grande rio. É uma aberração ocupar todo o tempo da criança com informações tão distantes dela, enquanto há tanto conteúdo dentro dela que pode ser usado para que ela se desenvolva. Como esse monte de informações pode ser mais importante que o autoconhecimento de cada um? O nome educação é usado para designar algo que se aproxima de uma lavagem cerebral. É um sistema que quer um rebanho para robotizar. A criança é preparada, por anos, para funcionar num sistema alienante, e não para desenvolver suas potencialidades intelectuais, amorosas, naturais e espontâneas.
ÉPOCA – Como é  possível mudar esse modelo?
Naranjo –
 Podemos conceber uma educação para a consciência, para o desenvolvimento da mente. Na fundação, criamos um método para a formação de educadores baseado em mais de 40 anos de pesquisas. O objetivo é preparar os professores para que eles se aproximem dos alunos de forma mais afetiva e amorosa, para que sejam capazes de conduzir as crianças ao desenvolvimento do autoconhecimento, respeitando suas características pessoais. Comprovamos por meio de pesquisas que esse é o caminho para formar pessoas mais benévolas, solidárias e compassivas. Hoje a educação é despótica e repressiva. É como se educar fosse dizer faça isso e faça aquilo. O treinamento que criamos está entre os programas reconhecidos pelo Fórum Mundial da Educação, do qual faço parte. Já estive com ministros da Educação de dezenas de países para divulgar a importância dessa abordagem.
ÉPOCA – E qual foi a recepção? 
Naranjo –
 A palavra amor não tem muita aceitação no mundo da educação. Na poesia, talvez. Na religião, talvez. Mas não na educação. O tema inteligência emocional é um pouco mais disseminado. É usado para que os jovens tomem consciência de suas emoções. É bom que exista para começar, mas não tem um impacto transformador. A inteligência emocional é aceita porque tem o nome inteligência no meio. Tudo o que é intelectual interessa. Não se dá importância ao emocional. Esse aspecto é tratado com preconceito. É um absurdo, porque, quando implementamos  uma didática afetuosa, o aluno aprende mais facilmente qualquer conteúdo. Os ministros da Educação me recebem muito bem. Eles concordam com meu ponto de vista, mas na prática não fazem nada. Pode ser que isso ocorra por causa da própria inércia do sistema. O ministro é como um visitante que passa pelos ministérios e consegue apenas resolver o que é urgente. Ele mesmo não estabelece prioridades. Estou mais esperançoso com o novo ministro da Educação de vocês (Renato Janine Ribeiro). Ele me convidou para jantar, para falarmos sobre minhas ideias. É a primeira vez que a iniciativa parte do lado do governo. Ele é um filósofo, pode fazer alguma diferença.
"Quando há amor na forma de ensinar, o aluno aprende mais facilmente qualquer conteúdo"
 
ÉPOCA – Para quem decidiu ser professor, não seria natural sentir amor, compaixão e vontade de cuidar do aluno?
Naranjo –
 Uma vez dei uma aula a um grupo de estudantes de pedagogia na Universidade de Brasília. Fiquei muito decepcionado com a falta de interesse. Vendo minha expressão, o coordenador me disse: “Compreenda que eles não escolheram ser educadores. Alguns prefeririam ser motorista de táxi, mas decidiram educar porque ganham um pouco mais e têm um pouco mais de segurança. Estão aqui porque não tiveram condições de se preparar para ser advogados ou engenheiros ou outra profissão que almejassem”. Isso acontece muito em locais em que a educação não é realmente valorizada. Quem chega à escola de educação são os que têm menos talento e menos competência. Não se pode esperar que tenham a vocação pedagógica, de transmitir valores, cuidar e acolher.
>> Brasil fica em 60° lugar em ranking mundial de educação em lista com 76 países

ÉPOCA – O senhor diz que o sistema de educação atual desperdiça talentos, rotulando-os com transtornos e distúrbios. Pode explicar melhor esse ponto?
Naranjo – 
Humberto Maturana, cientista chileno, me contou que a membrana celular não deixa entrar aquilo que ela não precisa. A célula tem um modelo em seus genes e sabe o que necessita para construir-se. Um eletrólito que não lhe servirá não será absorvido. Podemos usar essa metáfora para a educação. As perturbações da educação são uma resposta sã a uma educação insana. As crianças são tachadas como doentes com distúrbios de atenção e de aprendizado, mas em muitos casos trata-se de uma negação sã da mente da criança de não querer aprender o irrelevante. Nossos estudantes não querem que lhe metam coisas na cabeça. O papel do educador é levá-lo a descobrir, refletir, debater e constatar. Para isso, é essencial estimular o autoconhecimento, respeitando as características de cada um. Tudo é mais efetivo quando a criança entende o que faz mais sentido para ela.
ÉPOCA – Por que a educação caminhou para esse modelo?
Naranjo –
 Isso surgiu no começo da era industrial, como parte da necessidade de formar uma força de trabalho obediente. Foi uma traição ao ideal do pai do capitalismo, Adam Smith, que escreveu A riqueza das nações. Ele era professor de filosofia moral e se interessava muito pelo ser humano. Previu que o sistema criaria uma classe de pessoas dedicadas todos os dias a fazer só um movimento de trabalho, a classe de trabalhadores. Previu que essa repetição produziria a deterioração de suas mentes e advertiu que seria vital dar a eles uma educação que lhes permitisse se desenvolver, como uma forma de evitar a maquinização completa dessas pessoas. Sua mensagem foi ignorada. Desde então, a educação funciona como um grande sistema de seleção empresarial. É usada para que o estudante passe em exames, consiga boas notas, títulos e bons empregos. É uma distorção do papel essencial que a educação deveria ter.
ÉPOCA – Há algo que os pais possam fazer?
Naranjo – 
Muitos pais só querem que seus filhos sigam bem na escola e ganhem dinheiro. Acho que os pais podem começar a refletir sobre o fato de que a educação não pode se ocupar só do intelecto, mas deve formar pessoas mais solidárias, sensíveis ao outro, com o lado materno da natureza menos eclipsado pelo aspecto paterno violento e exigente. A Unesco define educar como ensinar a criança a ser. As Constituições dos países, em geral, asseguram a liberdade de expressão aos adultos, mas não falam das crianças. São elas que mais necessitam dessa liberdade para se desenvolver como pessoas sãs, capazes de saber o que sentem e de se expressar. Se os pais se derem conta disso, teremos uma grande ajuda. Eles têm muito poder de mudança. 
( por flávia yuri oshima, revista época em 31/05/2015)
(*como sabemos, a educação - em todos os sentidos - piorou ainda mais)

segunda-feira, dezembro 18, 2017

a felicidade tem o tamanho das suas ideias. e nunca da sua conta bancária

“Não vejo ninguém feliz em agências”
Alexandre Gama confessa que não acredita mais no modelo das grandes holdings e fala que preferiu ver a Neogama acabar do que presenciar a operação perder sua identidade criativa

Alexandre Gama: “Não gosto de jogos corporativos” (Crédito: Arthur Nobre)

Embora tenha oficializado sua saída da Neogama no início de dezembro, Alexandre Gama há havia iniciado o processo de separação da agência que fundou e liderou por 17 anos desde 2012, quando a companhia foi vendida ao Publicis Groupe.


Meio & Mensagem: Quando você retornou ao Brasil para assumir a Neogama, no final de 2015 (após a agência ter saído da rede BBH) já havia a intenção de deixar a operação algum tempo depois? Quando que, de fato, essa decisão de deixar a Neogama foi tomada?

Alexandre Gama: intenção de deixar a Neogama ocorreu automaticamente no momento da venda da agência para o Publicis Groupe em 2012. Já estava definida há 6 anos atrás e era só uma questão de quando. Nada intempestivo portanto. É uma decisão empresarial. Tanto que os outros dois sócios que a agência tinha também já saíram e bem antes de mim. A razão é obviamente a própria venda, já que permanecer executivo do negócio onde se foi o dono é algo que não se sustenta no tempo. Vários amigos e outros empresários me perguntavam constantemente o que eu ainda estava fazendo ali. Mas a saída efetiva de um acionista majoritário da empresa que fundou e dirige, nunca acontece no tempo de um executivo ou funcionário por exemplo. Há uma série de mecanismos contratuais ligados principalmente ao “earn out” que fazem parte da equacão da venda. Sair não é um ato – é um processo. E da intenção e decisão, até à implementação, muita água rola embaixo da ponte. O fato é que o planejado e escrito foi seguido à risca e os passos foram sendo dados na direção da liberdade empresarial. Há também pessoas que nem sabiam e outras que já tinham até se esquecido que eu havia vendido a agência há quase seis anos. Talvez, também por isso tenha parecido surpreendente eu sair agora. Mas devia ser longe de uma surpresa. A surpresa seria eu ficar ainda mais tempo. Importante: as pessoas não se deram conta talvez de que quando fiz a exposicão “Ideia e Forma – Alexandre Gama” em 2014 no MAB- Museu de Arte Brasileira, eu já estava fechando o capítulo Neogama. O livro da exposição tem prefácio, meio e epílogo. E tudo dessa fase de existência da agencia é sumarizado ali.

M&M: Quais foram os fatores que pesaram na sua decisão de deixar a agência que fundou? O atual cenário do mercado de comunicação teve algum peso nessa decisão?

Gama: Tenho veia empresarial, gosto de empreender. Gosto de independência e liberdade de atuação. Gosto de trabalhar do meu jeito e foi por isso que criei meu negócio. Era natural portanto, sair quando já não fosse mais meu. Não gosto de jogos corporativos nem da dinâmica da vida executiva. E não acredito na qualidade de governança da maioria das agências que se tornaram corporações com múltiplos níveis hierárquicos e estrutura inchada, lenta e burocrática. Quando criei a Neogama via as coisas muito diferente disso e queria construir uma cultura própria de trabalho em comunicação. Fiz. Está feito. Pronto. Foi sucesso e a venda dessa criação – mais de um ano depois da venda do meu outro sócio, a BBH – foi uma das transações de maior valor do mercado brasileiro até então. Missão cumprida. A saída me deixa livre para empreender de novo. E estou me sentindo muito feliz e motivado com essa possibilidade.

M&M: Nesses últimos dois anos em que você passou no comando da Neogama, como preparou o terreno para a sua saída?

Gama: Do lado empresarial, cumpri os requisitos estabelecidos no processo de venda que são bem claros e específicos. Além disso, também trouxe clientes novos para a carteira da agência como Boticário e Ypê por minha conta – mesmo a agência não sendo mais minha e não havendo nenhum incentivo do Publicis Groupe para isso. Meu objetivo foi deixar a agência bem e fazendo jus à sua reputação. E este ano foi assim: crescimento de quase 20%,três Leões em Cannes, dois Effie Awards de eficácia em comunicação para trabalhos para a Renault, e margem em ascensão na casa dos dois dígitos maior que algumas agências do Grupo, por exemplo. Além de uma série de prospects e concorrências em andamento. Saio deixando o terreno arado. Se querem adubar ou fazer uma queimada, é direito e escolha do dono.

M&M: Você teve influência na decisão do Publicis Groupe de fundir a agência com a Leo Burnett Tailor Made? O que achou da solução?

Gama: Não e nem gostaria de ter. Conversou-se por quase dois anos sobre o que poderia ser feito no futuro, quando da minha saída, e avisei claramente no começo de 2017- e diretamente em reunião em Cannes em junho com o grupo – que começaria 2018 fora da agência, empreendendo novamente. Jogo abertíssimo do meu lado. Além do que, tenho outros negócios como a participação acionária na BAC na Inglaterra, o VIOLAB e outras iniciativas que não envolvem o mundo da comunicação e aos quais quero dar mais foco a partir deste novo ano. Mas é fácil entender o caminho que eles escolheram quando decidi sair. Como o grupo tem viés financeiro forte, consolidação será sempre o caminho preferencial. Acho que quem compra um ativo pode fazer o que quiser com ele. Tem esse direito. No caso, a solução é previsível: fundir ativos entre si. Distribuir contas aqui e ali nas agências do grupo em que couberem. Nada novo portanto. E nada que o mercado já não tenha visto acontecer antes com várias agências. Holdings de comunicação não são criativas nesses casos. Elas estão em última instância sempre de olho no valor da ação global. Que vem caindo, a propósito. O problema é que no ramo de serviços, quem determina esse valor são os clientes. E são eles que escolhem por quem querem ser atendidos. Sempre.

M&M: Que legado você acredita que deixou para a Neogama e para o mercado publicitário nacional?

Gama: Honestamente, nunca tive a vaidade ou interesse de deixar um legado. O que construí e construo tem compromisso com o momento presente e com minha visão de negócio e serviço. Uma empresa tem que ser um produto de seu tempo. E se renovar constantemente na mesma crença se quiser continuar sendo relevante. Em 17 anos de Neogama, esse foi o norte. O que ela deixou foi um exemplo de sucesso, difícil de ser seguido porque o exemplo é: somos assim, sem concessões. Mas serei ainda mais sincero nessa questão: Depois que vendi a Neogama em 2012, sempre passava um filme de zumbi na minha cabeça: eu deixando o corpo da agência que fundei quando terminasse o período de permanência contratual e ela – por obra de um vudú financeiro – continuando a andar pelo mercado – uma entidade sem a vida original, como tantas que ainda existem com o nome, mas sem a alma criadora. Acho que o encerramento da Neogama é um atestado da total independência que ela sempre teve. E de certa forma um alívio para mim. Porque acho que tudo que é verdadeiramente vivo tem um começo, um meio e tem que ter um fim. A Neogama foi uma pessoa jurídica animada integralmente pela visão, crença e independência de uma pessoa física. Corpo e alma. E é isso que fez dela o sucesso que foi como agência à sua própria maneira. A cultura que construí dentro desse corpo (que foi projetado totalmente do zero para materializar a crença) foi produto desses valores e gerou um jeito distinto e próprio de criar comunicação. Quando decidi deixar a agência agora no final do ano, para iniciar um ciclo novo, sabia que se ela seguisse pela mão de outra orientação, não continuaria existindo da mesma maneira que antes. Seria apenas mais um “ativo” de portfólio como tantas e estaria destinada a ser algo que nunca foi. Talvez até a antítese do que era. Encerrar uma agência tão independente como a Neogama é o certo na minha visão. E nesse caso, se quiserem ver um legado nesse gesto ele é: não acredite em zumbis.

M&M: Falando sobre futuro: quais são seus planos a partir de agora?

Gama: Tem tanta gente boa querendo o novo, tantas mentes brilhantes que vêem as coisas como eu estou vendo, tanta gente que acredita na independência de pensamento e ação. E tanta gente querendo fazer coisas conjuntamente, sem a necessidade de seguir os modelos que estão aí sofrendo. Estou na fase de ouvir e ver – e quem quiser ser visto e ouvido com suas ideias, tem em mim agora uma porta aberta. Neste momento estou em Londres conversando com gente interessante. Em março estarei no South by SouthWest como delegado e tenho uma série de encontros no Brasil e fora. Se posso resumir, é assim: o Gama está saindo para buscar o “Neo”.

M&M: Você cogita a possibilidade de voltar a gerir uma agência de comunicação?

Gama: Não acho que essa definição se aplica mais ao tipo de serviço a ser prestado no mercado. Vamos ser claros: não vejo ninguém feliz dentro das agências, principalmente nesse modelo de holding e grupos. As pessoas estão saindo em peso dessas estruturas e se algúem for ver quantas já deixaram os grupos nesses últimos anos, ficará chocado. Poderia-se dizer que os grupos estão renovando, mas a verdade é que as lideranças de saída é que estão renovando sua visão de trabalho e não querendo mais operar de dentro de um modelo tão engessado e financeiramente restritivo. O talento não está feliz e os grupos de comunicação podem perder cada vez mais gente de talento. É uma pena, Mas, por outro lado, um ciclo novo se abre com empreendedorismo independente. E essa é a beleza da coisa. Acho que há muito espaço novo para David nesse jogo antigo de Golias.

M&M: Na entrevista que você concedeu ao Meio & Mensagem em 2016, você disse que tinha outros projetos paralelos à publicidade. Como estão esses projetos?

Gama: Música, conteúdo, design, entretenimento, cinema, inovação, tecnologia, está tudo no meu horizonte neste momento. Na parte de música, lanço um trabalho inédito dos principais nomes da música instrumental de violão no país. De Yamandú Costa a Ulisses Rocha, os principais nomes do instrumento já gravaram e vou lançar esse trabalho pelo Violab (plataforma digital dedicada ao violão) logo no começo do ano. A BAC- empresa britânica de carros da qual sou sócio também vai bem e estarei mais perto dela em 2018. Essas e outras iniciativas nas áreas que mencionei acima, serão o escopo do meu ano. Estou super animado.

 M&M: Alguns dos líderes de agência de sua geração também já deixaram seus postos e passaram o comando para outras pessoas. Como você vê esse movimento de renovação dos líderes das agências brasileiras?

Gama: Não sei bem. Não deixei um “posto” na verdade. Estou deixando uma empresa que criei e vendi não para me aposentar ou ir esquiar, surfar ou qualquer outra coisa – com total respeito às escolhas das pessoas. Mas sim para criar e cuidar de outras empresas e iniciativas que quero ter. Meu foco é empresarial e não profissional. Além disso, adoro problema e desafio intelectual. Não sou do sabático, sou do “segundático”. De qualquer forma, a renovação, a meu ver, não está em ter líderes novos em empresas e modelos velhos. Mesmo que pareça que isso renova as empresas, essa é uma leitura ilusória e míope da verdadeira mudança e da revolução que está em curso e que é mais profunda que uma maquiagem apenas. A verdadeira renovação está mesmo em criar empresas novas, com novos modelos e novas propostas de atuação, com alma e valores fortes e independentes, coisas que não se consegue com fusões dentro de grupos. É nelas que os novos talentos querem trabalhar a meu ver.  Acho que funciona mais ou menos como no filme Field of Dreams (Campo dos Sonhos), onde Ray o personagem do Kevin Costner – um agricultor do Iowa- ouve uma voz misteriosa durante a noite vinda do seu milharal que diz: “Se você construir, eles virão”. 
(bárbara sacchitiello, para o m&m)