"Não funciona. Na prática, não é uma coisa que foi feita para funcionar. Explico: não tenho nada contraos anúncios serem feitos em duplas. E nem que essas duplas sejam divididas em directores de arte e redactores. Apenas não considero razoável a instituição chamada "dupla criativa", formato em que duas pessoas trabalham sempre nas mesmas coisas, convivem na mesma sala, vão almoçar juntas, tiramférias ao mesmo tempo e, se forem meninas, acabam por menstruar no mesmo período (há casos em que isso acontece com os meninos também). Acredito na soma das partes. Discordo sempre quando um mais um dá menos que dois. Os criativos publicitários não nascem aos pares.Cada indivíduo é uma unidade indivisível de si mesmo (perdoem-me a platitude). Todos nós temos as nossas qualidades próprias, os nossos defeitos próprios, as nossas loucuras, desejos e manias. O outro também. Temos o nosso tempo, a nossa história e percurso. O outro também. Pode até ser que num determinado período da nossa vida encontremos uma pessoa que partilhe dos nossos pontos de vista e que tenha uma bagagem profissional compatível com a nossa. Isso poderá resultar em bom trabalho. Ou não. Já vi pessoas extremamente parecidas do ponto de vista profissional e que não poderiam estar na mesma sala, sob risco de termos que chamar a polícia. E também já vi o contrário. Casos de pessoas que andavam sempre de candeias às avessas e que juntas faziam anúncios brilhantes. Vamos lembrar o seguinte: o aparecimento das duplas criativas remonta a década de 60 e respondia a uma necessidade de organização do raciocínio criativo. Antes os anúncios eram feitos em separado, como numa linha de produção. Um escrevia o texto e outro tratava da imagem. Não se falavam e nem era preciso. O resultado, como é óbvio, nem sempre era o desejado. Juntar as duas partes do processo foi uma ideia brilhante. Daí a obrigar a que essas pessoas passassem a trabalhar necessariamente juntas, ao longo de meses ou anos, como um casal, sinceramente, foi um exagero. Pode até ser que tenha funcionado no caso A ou no caso B. Mas o falhanço ocorreu do C ao Z. Nos últimos 15 anos apareceram um pouco por todo o mundo formatos alternativos. Desde os departamentos criativos em que ninguém é de ninguém, onde o director criativo forma duplas específicas para cada projecto, até o sistema do "mesão": os projectos são discutidos entre muitos e só depois de vários caminhos serem
avaliados há uma atribuição da execução do trabalho para uma ou mais pessoas. Acho qualquer solução, que
não seja a da dupla clássica, melhor e mais produtiva. Acho mais estimulante, pois promove o talento
individual. Acho mais interessante para os profissionais, se um resolve se tornar alcoólatra, por exemplo, ninguém vai também para o fundo do poço por causa disso. Acho mais lógico para as agências, estamos a falar de uma organização séria de trabalho e não de aturar pequenas vaidades individuais. Tenho a noção de que essa minha posição é, no mínimo, antipática. A actividade publicitária é extremamente corporativa (em tudo o que há de mau) e reaccionária. Mas, veja bem, apenas estou a discordar da obrigação
em fazer as coisas burocraticamente do jeito que sempre foram. Isso não é um ataque pessoal a quem está
feliz em fazer as coisas assim. Se isso for verdade, por favor, sigam o vosso caminho. Apenas acho que há
caminhos alternativos mais criativos. E, bolas, não é de criatividade que vivemos? Ou como diria o meu Tio
Olavo: "Existem sempre três maneiras de fazer as coisas: a maneira certa, a maneira errada e a melhor
maneira."
Como funciona uma dupla criativa?", por Edson Athayde, vice-presidente criativo da Ogilvy Portugal, no "Meios & Publicidade" .
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