Primeiro mate-se. Com um pouco de sorte, vai para o Céu. É lá que os milagres costumam acontecer como se fossem coisas banais do dia-a-dia. Fora isso, é preciso que primeiro estejamos de acordo com o que quer dizer com a palavra "grande". Se está a se referir a um spot* de TV com uma grande ideia, sem necessariamente estar a falar de uma grande produção, a coisa fica mais fácil. Já vi ou tive a oportunidade de criar e produzir spots bem acima da média com orçamentos bem abaixo de qualquer linha d'água. Mas para isso é preciso reunir num mesmo projecto um briefing muito focado, criativos com o raciocínio muito afiado, uma produtora de filmes atrás de eficácia e não de montra e, principalmente, um cliente com uma cabeça aberta a criatividade e os pés bem no chão (se quiser juntar a tudo isso um anão tirolês besuntado em manteiga d'álho a coisa fica ainda mais divertida, mas não é fundamental). Publicidade é por definição uma actividade cara. Publicidade em TV mais ainda. Quem não tem dinheiro não deveria ter vícios. Logo, querer estar presente na TV com um budget que mal dá para produzir um spot de rádio é por princípio um equívoco. Pior ainda se quem cria ou quem aprova não tem conhecimentos mínimos de produção de TV e acha que com um jeitinho aqui e outro ali a coisa safa-se. Não se safa. Para ter a certeza disso basta ligar a televisão. Todos os dias há uma mostra bastante alargada do "Festival Nacional da Publicidade Mal Amanhada". É fácil ver spots criados a pensar no Spielberg e realizados por um simulacro local do Ed Wood. Pior que muitas vezes nem é uma questão de talento. Apenas alguém não ligou muito ao orçamento e a coisa foi feita com o que havia (é aquela história da omelete sem ovos ou com os ovos mais baratos pois estavam fora do prazo de validade). Mas vamos falar das excepções. Há spots só com letterings que são muito bons. Ou centrados na imagem de um único objecto em fundo branco simplesmente fantásticos. Recordo-me de dois spots criados por mim e minhas equipas há algum tempo. Para fazer um deles fui até a uma livraria e comprei um livro sobre filmes americanos de terror dos anos 30. Fotocopiei algumas páginas. Distorci as imagens para não ter problema de direitos. O spot em si mostrava três imagens de monstros saídos dos livros (entravam e saíam em fade). Em off, ouvíamos gritos de horror sempre num crescendo (as vozes foram feitas pelo pessoal da agência e da produtora). Então aparecia a foto de uma cadeira. Os gritos ficavam desesperados. Fade out. Sobre um fundo negro apareciam os leterrings: "Contra o horror das hemorróidas use a pomada X." Corta para a foto de um banco de bicicleta. Novos gritos. O resultado era hilariante. Noutro caso, o spot vendia um leite com mais cálcio. Sobre um fundo branco víamos um copo com leite e uma palhinha (daquelas que tem uma parte flexível, dobrada como um joelho). Uma mão entrava em campo e mexia na palhinha como que a fazer flexões numa perna. Ao fim, entrava lettering a dizer: "Leite X com mais cálcio. Ajuda a proteger os seus ossos." Poderia dar mais exemplos. Mas, claro, situações como essas são pontuais. Nem tudo dá para ser vendido dessa maneira. E, às vezes, é preciso mesmo muito dinheiro para se contar o que se quer da maneira como deve ser. Ou como diria o meu Tio Olavo: "Dinheiro não compra a felicidade. Mas dá um jeito danado quando temos que a mandar trazer de avião."
por edson athayde, diretor criativo da ogilvy portugal.
em portugal spot* também é filme.
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