Um dos meus maiores problemas, no dia-a-dia, é a administração da informação. Meu métier de jornalista – vamos admitir aqui que eu sou – me obriga a separar o joio do trigo, ou, pelo menos, tentar. É um esforço recorrente e, quanto mais eu sofistico minhas fontes de informação (ou as refino), mais parece que o problema está longe de sua solução. Ou seja: quanto mais eu me aproximo da informação que realmente me interessa, menos tranqüilidade eu alcanço, mais inquietação esse exercício me proporciona.
Para um jornalista, é excitante lidar com informação. Eu confesso que nunca havia sentido essa excitação antes, porque, como eu acabei percebendo, nunca me identifiquei 100% com o jornalismo nacional. Nem com o cultural. Os jornalistas culturais brasileiros, no que se refere à informação, são os mais preguiçosos de todos, porque preferem aquela consulta de gabinete a encarar, frente a frente, a realidade. A internet, por exemplo, é uma realidade que está na cara deles, mas que eles preferem ignorar, e apelar para fontes convencionais de informação...
Não quero ficar falando muito do jornalismo tupiniquim, mas já que eu entrei no assunto, vamos continuar por mais um parágrafo. Os jornalistas daqui, invariavelmente, requentam informação. E morrem de medo de citar uma fonte primária. Precisam de autorização do chefe, do chefe-do-chefe, do chefe-do-chefe-do-chefe – e assim vai. É como o Mauro Dias, um dia, me contou: “Mas quem é esse músico?”, o editor do “Caderno2”, certa vez, lhe perguntou; e o Mauro astutamente respondeu: “Olha, se eu não escrever, você não vai saber...”.
Ou seja: o jornalismo – mais este parágrafo só –, que deveria ser a vanguarda da informação, hoje precisa da aprovação de Deus e o mundo, de modo que é perfeitamente reativo e não traz nenhuma novidade (notícias em inglês se diz “news” – parece que os jornalistas esqueceram a origem desta palavra...). Mas não é só um problema do Brasil. Volta e meia, numa área que eu conheço razoavelmente bem – internet –, vejo blogueiros especializados apontando para uma matéria (atrasada) do New York Times e exclamando: “Where were these guys?” (Ou, em português aproximado: “Onde estavam esses caras [que só agora resolveram dar]?”).
Eu vivo falando dos feeds (e dos agregadores de conteúdo) no Digestivo, e me embrenhei de tal maneira na selva de notícias, via RSS ou XML, que para mim é inconcebível, hoje, aquela constatação triste diante do televisor: “Mas não tem nada pra assistir!”. Para assistir pode não ter nada mesmo, mas, para ler, tem um montão. E mesmo antes dos feeds já havia. Está certo que eu sou um caso à parte, recebo cualquier cantidad – como se diz em castelhano – de e-mails, livros, discos, periódicos, releases e convites. Desisti, como vocês sabem, de atender a todos. Logo, antes de viver soterrado pelos feeds de agora, eu já vivia soterrado pela informação. Mas a idéia, aqui, é tratar das fontes de informação gratuitas, disponíveis a todo mundo... e que, hoje, são infinitas na prática.
Eu queria começar este texto com a metáfora de um mundo em que toda e qualquer informação, que você desejasse, estivesse à sua disposição. Ainda não chegamos lá, logicamente, e talvez, no limite, nunca cheguemos, mas num mundo em que você já não consegue dar conta da informação de que dispõe – sabendo que boa parte dessa informação é de qualidade – não é um mundo que serve bem à nossa metáfora? Eu sei que, – daí da sua poltrona – você não vai concordar, mas eu vivo nesse mundo agora. “Assino” uma porção de fontes de informação de qualidade, e de graça, e, neste momento, não dou conta do fluxo de informação. Vamos partir deste meu cenário então?
Antes de prosseguir, por que estou estendendo esse meu exemplo a todas as outras pessoas? Por que eu acredito que esse dia vai chegar para todas as pessoas. Pelo menos, para todas as pessoas que estão me lendo agora. O dia em que, por mais que você se esforce, por mais que você dedique seu tempo a esse esforço, você não vai conseguir dar conta dos estímulos todos. Nem de reagir a eles, nem mesmo de absorvê-los. Um dia em que você talvez sofra uma overdose de informação; um dia em que você talvez decida se afastar de tudo – e recomeçar sua vida no campo, em busca da placidez das vaquinhas pastando... Mas, cá entre nós, você sabe que essa não é a solução. Qual a solução então? É justamente o que eu estou procurando!
Eu percebo, por exemplo, que diante do “mar de informação” da internet, as pessoas se sentem nostálgicas do tempo em que já vinha tudo mastigado e o seu único trabalho era “filtrar” meia dúzia de fontes de informação. Na verdade, essa nostalgia é uma ilusão de ótica, porque o que acontecia – por baixo dessa imagem paternalista de que alguém empacotava direitinho a informação – era que você, o nostálgico, estava é sendo tutelado o tempo todo. Cinco ou seis veículos diziam, a você, que a notícia era aquela e você, bobinho, acreditava – ou então fingia acreditar; ou não acreditava e pronto. (A sua postura não alterava nada.)
Hoje só se você for, realmente, bobo, vai ler um ou dois jornais, assinar uma ou duas revistas, ouvir rádio durante o dia e assistir ao jornal da noite... e achar que essas são as únicas fontes de informação (as únicas notícias!); e vai repousar tranqüilo, sonhando que o mundo anda uma beleza (ou uma loucura), e que você só pode lamentar esse fato com seus familiares, enquanto se serve de mais uma colherada de arroz ou feijão...
Meu amigo, a não ser que você esteja morando em Marte (e até lá o Google já chegou), sinto lhe informar que essa ilusão bucólica acabou. Claro que muitos dos meios de comunicação continuam te tratando como se você fosse uma criança – afinal, durante anos, como tal você se comportou –, mas eu e o resto da internet, modéstia à parte, estamos tentando lhe mostrar, há mais de dez anos, que você precisa crescer e se virar diante do tal “mar de informação”. É essa a discussão que importa agora; e, não, se fulano, beltrano ou sicrano vai deter o “monopólio da informação”. A informação está solta, cabe a você aproveitá-la ou não.
Uma das perguntas que mais me fazem em entrevistas, sobre a internet, é: “Como navegar nesse mar de informação?”. Em outras palavras: Como distinguir o que é certo do que é errado? O que é importante do que é desimportante? Uma fonte confiável de outra não confiável... Etc. Ou então, na calada da noite, de repente, um jornalista virar e soltar: “Eu não leio esses tais blogs [com cara de nojo]... Prefiro alguém que separe pra mim o que é bom do que é ruim... como Digestivo Cultural [sorriso forçado agora]”. Claro que eu me sinto lisonjeado, mas não acho que essa seja a atitude mais correta a se tomar. Eu e a internet estamos falando que você deve desconfiar. Que você deve duvidar de tudo e de todos. Inclusive de nós!
Einstein teorizava sobre a relatividade (claro que em outro contexto), Nietzsche, sobre o perspectivismo, e Darwin explodia as categorias biológicas estáticas (e o criacionismo junto), decretando que tudo muda no mundo e que nada está parado. Mas, no que se refere à informação, as pessoas continuam buscando “a verdade”. Lidam mal com o fato de que a verdade (esse ente imponderável) pode não estar em nenhum lugar, pode nem existir! (Essa é que é a graça, aliás.) A internet, então, talvez seja – e isso me ocorre agora – um “mar de opinião” e não um “mar de informação”. (Digo na prática.)
A atitude, portanto, não deve ser de passividade, de se estar diante de uma certeza algo dogmática, mas de dúvida sistemática, como queria Descartes. Nessas horas, eu me lembro também de Kant, para quem a inteligência de uma pessoa se mede pelo número de contradições que ela consegue suportar. Não é à toda que estiveram tão na moda, no século passado, pensadores que implodiram com o edifício da linguagem – ...e do pensamento, e do conhecimento, e de qualquer construção intelectual –, como Wittgenstein. E óbvio que, se você estilhaça a realidade, depois não pode reclamar que muitas pessoas, muitas pessoas mesmo, corram, apavoradas, na direção oposta – do obscurantismo, do fundamentalismo, da religião...
E incertezas, claro, cansam. Do mesmo jeito que o jornalista contemporâneo evita a internet – porque não consegue processá-la –, é obviamente mais confortável se refugiar na antiguidade, na idade média, até na idade moderna (pus em minúsculas de propósito). Porque o pós-modernismo, de hoje, é maçante; o pós-modernismo é o Google, que te apresenta uma porção de resultados, para uma busca, e que você mesmo tem de validar! Pessoalmente, eu adoraria retroceder à minha cama da infância, ao meu quarto da adolescência ou até os meus caminhos da juventude, e achar que o mundo era aquele, que a vida era aquela, e que poderia me acomodar porque nada do que eu fizesse mudaria, efetivamente, as coisas... Estamos sempre querendo voltar ao útero – a sair pelo mundo, a enfrentar a realidade, a simplesmente admitir o custo de nossa inércia e o peso de nossas ações.
É por isso que eu acho, em resumo, que a grande educação hoje é para a informação. Para a administração da informação. Em qualquer fase da vida. O que era sólido ontem, agora se desmancha, amanhã virou ar (Marx). A postura conservadora, em relação ao novo – no atacado –, está fatalmente condenada. Porque é, no mínimo, covarde e não traz segurança – só ilusão de segurança (ou falsa segurança, que, às vezes, é pior do que a efetiva falta de segurança). O certo, ou a impressão de certeza, é um risco bem maior que a incerteza constatada. Porque saber que não se sabe, atualmente, é melhor do que achar que se sabe. (Voltamos a Sócrates.)
Finalmente, desconfie de apocalípticos em geral. Eles estão sempre querendo voltar a um “passado” supostamente “organizado” (e “glorioso”) – porque processado hoje pela lente da História –, mas que apenas traz a impressão de organização. A internet não é a imagem da besta, como quer todo esse povo. Como não foi a televisão (embora estivesse, esteticamente, mais próxima), o rádio, os impressos, as comunicações... Temos de admitir que, a partir do momento em que todos somos potenciais fontes de informação, está instaurada a babel planetária. Mas também, talvez, uma nova possibilidade de entendimento, de compreensão e até de civilização.
em defesa do mar de informação do julio daio borges no seu sempre(in) digestivo cultural para tantos, de onde retirei a citação de paulo francis, ontem postada.
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