Recentemente, li uma matéria sobre uma pesquisa realizada na Espanha que estava sendo usada para se tentar proibir a propaganda em estradas. O motivo: a propaganda distrai o motorista. Aqui no Brasil, uma empresa fabricante de cigarros está sendo processada, pois, no tempo em que era anunciante, veiculou um filme cujo personagem, um pintor, falava o seguinte texto: “Certo ou errado, só vou saber depois que eu fiz. Eu não vou passar a vida sem nenhum arranhão. Eu vou deixar a minha marca”. O promotor que faz a acusação defende que o texto “estimula comportamento de risco e consumo irresponsável”.
Para piorar a situação, foi chamado um semiólogo que, em seus argumentos, afirma que se você pegar um segundo e dividir em 30 partes terá um frame, sendo que em um único frame desse vídeo aparece a imagem de uma mulher fumando, deitada, entre lençóis, onde aparecia escrita a palavra “sombra”. Segundo o semiólogo, essa imagem é imperceptível para quem vê, mas, mesmo, assim provoca uma reação orgânica na pessoa. Isso é comprovado cientificamente. “É mensagem subliminar”, explica.
Eu me lembro de 1 frame, entre 900 do vídeo – que é o número de frames de um filme padrão de 30 segundos (1.800 frames em um filme de 60”) – que supostamente traz uma mensagem subliminar, no caso citado, a cena da mulher. Provavelmente é um bug de imagem, que ficou na cópia ou algo assim. Quem teria o interesse de colocar uma mulher deitada entre lençóis fumando um cigarro e acompanhada da palavra “sombra”? Pra que isso serve? Não seria mais lógico, se realmente houvesse o interesse em se fazer propaganda subliminar, simplesmente colocar as palavras “fume mais”?
Outro comercial, este de cerveja, mostrava um cara que havia parado em um pronto-socorro para uma emergência qualquer, onde aparecia uma enfermeira supergostosa. No dia seguinte, o rapaz vai novamente ao pronto-socorro, interessado em encontrar, mais uma vez, a gostosona e, surpresa: no lugar dela encontra uma enfermeira baranga, gorda. Tiraram o comercial do ar porque a associação do sei-lá-o-quê achou o comercial ofensivo às gordas. Se fosse um negão, digo, um afro-brasileirão ou um chinês, certamente teríamos a associação – a dos chinas, sei lá! – caindo de pau (ops!) no comercial. Mas não existe mal algum na idéia, milhões de homens fariam o mesmo, e teriam a mesma reação que causou tanto mal-estar.
Uma marca de maionese colocou no ar, recentemente, um comercial intitulado “Canibal vegetariano” e o Procon notificou o anunciante, alegando que a peça é “discriminatória e abusiva”, porque a mensagem estaria sugerindo que todos os canibais são negros e estão prestes a comer um homem branco. Mas eles queriam o quê? Canibais loiros?
A propaganda trabalha basicamente com estereótipos e humor, porque precisa deles. Temos de chamar a atenção e atingir milhões de pessoas em apenas 30 segundos ou no tempo em que o cara molha o dedo para folhear uma revista, portanto, precisamos de impacto e reconhecimento. Se ficarmos vendo coisas onde elas não existem, não tem como fazer propaganda.
Absolutamente tudo pode, de uma maneira ou de outra, ser ofensivo a alguém, ou, segundo a interpretação de alguém, induzir algo como “comportamento de risco e consumo irresponsável” ou “discriminatório e abusivo”.
Além desses processos judiciais citados acima, existem milhares de outros e mais de duas centenas de projetos de lei tentando proibir, por exemplo, a propaganda de alimentos calóricos, pois seria ela – a propaganda – que faria as pessoas ficarem gordas; lei para proibir a propaganda de bebida, pois ela é a culpada de as pessoas beberem; lei para proibir a propaganda de chocolates, salgadinhos et cetera, pois são elas que fazem as crianças comerem esse tipo de coisa sem controle; leis para proibir a propaganda com mulheres bonitas, pois elas deprimem (!!) as feias.
Enfim, a propaganda é a grande culpada de tudo, engorda, deprime, descontrola, alcooliza, transtorna, é a Geni do processo (lembram? “joga pedra na Geni, joga bosta na Geni”, de Chico Buarque?).
Não há como coibir a venda de álcool nas estradas mal conservadas e inseguras? Proibamos, então, a propaganda de todo e qualquer produto na estrada. Proibamos a propaganda de cigarro, de bebida... O alcoolismo vai ser erradicado do país? As estradas vão ficar melhores e mais seguras automaticamente?
Os pais não sabem educar seus filhos para comerem chocolate, refrigerante e McDonald´s somente no final de semana? Proibamos a propaganda desses produtos. Você não consegue dizer não para seu filho? Proibamos a propaganda de brinquedos, ora.
Você está gorda por que não faz ginástica, tem preguiça de fazer exercícios físicos e se entope de comida todos os dias, enquanto assiste TV, e aí fica deprimida diante dos comerciais com mulheres bonitas? Entre com um processo no Conar, pois com apenas uma reclamação já dá para tirar do ar o trabalho de centenas de profissionais qualificados, de uma indústria que é considerada uma das melhores e mais brilhantes do mundo.
Tenho sugestões. Primeiro para as pessoas que entram com as reclamações: ensinem seus filhos a não comerem porcaria. Coloquei meu filho de oito anos na frente da TV para assistir o documentário “SuperSize Me”, que denuncia a qualidade da comida do McDonald´s. Ele, que era fanático pelo lanche e me pedia para comê-lo sempre que podia, agora come apenas uma vez por mês, no máximo. Na minha casa, como em centenas de casas por aí, crianças só bebem refrigerante e comem chocolate no fim de semana. Faça o mesmo com as suas crianças beberronas de refri e devoradoras de chocolate.
Gordas, levantem das poltronas e parem de comer, pratiquem esportes, suem seus recalques. Feias, me desculpem. Bêbados, procurem o AA. Fumantes, essa merda vai matar vocês um dia, mas vocês já sabem, não é mesmo? Tudo bem, façam como quiserem. Não conheço UMA pessoa que parou de fumar porque a propaganda de cigarro sumiu da TV. Mas conheço várias pessoas que começaram a fumar nos últimos meses, mesmo sem propaganda instigando-as a fumar. Entretanto, nós perdemos o segmento anunciante e milhões em verbas que contribuíam para empregar e manter milhares de profissionais que pagam impostos, e são cidadãos que também têm seus direitos, cuja maior culpa é ter escolhido uma profissão que não tem um pingo de sentido de classe.
Publicitários: levantem de suas cadeiras e comecem a pensar a profissão como um setor que precisa ser defendido e respeitado. Escrevam para os jornais, entrem em sites de discussão e debates na TV. Escrevam (e conversem) com seus clientes, os deputados que estão por aí, inventando leis absurdamente abusivas contra o direito de expressão e contra o livre-arbítrio dos consumidores. Façam pressão, procurem as entidades, promovam palestras de esclarecimento à população dizendo que propaganda não obriga as pessoas a consumir nada – isso se chama livre-arbítrio, e é ele que faz as pessoas comprarem o que têm vontade.
As pessoas têm o sagrado direito de fumar, beber, comer gordura e se entupir de refrigerante, se quiserem, pô! As pessoas têm inclusive o direito de serem feias e não se importarem com isso. Ou será que um dia o livre-arbítrio também será proibido por lei?
Essa situação é mais grave do que pensamos, pois a nossa profissão corre o risco de ir aos poucos sumindo, sumindo, encolhendo, encolhendo, apedrejada por pessoas que cinicamente a vêem como o único grande motivo para coisas ruins que acontecem nas suas vidas. Um bode expiatório para suas pequenas mazelas. Posso parecer alarmista, mas quando houver restrição a comerciais de varejo que, com suas ofertas, induzem ao consumo exacerbado e a comerciais de moda que induzem ao consumo do supérfluo, talvez seja tarde demais para começarmos a nos mexer.
Se tudo isso não der certo, vamos, nós, publicitários, propor, então, uma lei para proibir a propaganda política no Brasil. Perderemos mais um segmento, mas é pouco, se comparado ao ganho: vamos nós, desta profissão de Genis, desta profissão espúria, vamos nós, com isso, erradicar a corrupção política no Brasil. E talvez sejamos, então, unanimemente aclamados: “Benditas Genis!!”
a culpa é da propaganda, do alexandre assumpção, diretor de criação da agência e21, com sede em Porto Alegre para o porta da propaganda.
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