Coisas curiosas acontecem de vez em quando. Semana passada recebi um e-mail de uma revista solicitando uma entrevista por telefone para falar sobre o tema neuromarketing. Irremediavelmente atraída pelo perigo, é claro que eu disse que sim (medo!), desde que me fosse dado algum tempo para descobrir o significado dessa misteriosa palavra: seria de comer, de beber ou de vestir? Para minha surpresa, a jornalista não só não desistiu de me entrevistar, como me deu dois dias.
Quem tem o Google como ajudante para desencavar os grandes e pequenos mistérios da humanidade não tem medo de nada, por isso o frio na barriga durou pouco. Foi fácil descobrir do que se tratava. Mais difícil foi formar uma opinião minimamente defensável a respeito do assunto em tão pouco tempo.
Vejamos o que eu consegui até agora.
Desde que as empresas se deram conta de que havia clientes para conquistar e concorrentes para superar, são utilizados criativos e cansativos métodos para tentar descobrir o que se passa na cabeça de um desavisado quando elege uma marca de biscoito entre centenas de outras que se oferecem insistentemente nas gôndolas de um supermercado.
Nas universidades, os pesquisadores também viram aí uma promissora fonte de artigos e teses sem fim. E toca a inventar maneiras de adivinhar os gostos mais recônditos e insuspeitados. O que se sabe, até agora, é que o processo de compra é muito mais ligado à emoção do que à razão. Quando você decide comprar um carro, sua preferência é baseada em cantinhos poderosos da sua mente que nem você sabe que existem. Só depois do modelo eleito é que você vai procurar argumentos racionais para justificar a escolha. O Umberto Eco, no seu ótimo O pêndulo de Foucault, bem lembra a teoria da síndrome da suspeita, em que o universo conspira a seu favor para provar qualquer idéia, por mais estapafúrdia que seja. Basta procurar bem, que você vai encontrar razões indefensáveis para ter escolhido o tal carro, mas a verdade é que foi uma paixão avassaladora, onde a razão não passou nem perto.
Pois bem. Então o povo começou a pesquisar esses mistérios com os básicos prancheta e questionário. Mas como já se disse, muitos dos motivos que levam uma pessoa a comprar não podem ser verbalizados, pois os próprios compradores não sabem direito como o processo funciona nas suas cabeças. Psicólogos foram chamados para arquitetar as perguntas de maneira que se conseguisse ir mais fundo no processo e estão na luta até hoje.
Mas teve gente inconformada que tentou descobrir jeitos mais eficientes. O Eyetrack, por exemplo, é um estudo promovido pelo Poynter Institute para descobrir como os olhos dos consumidores passeiam pelas páginas de um jornal. Inicialmente, o estudo foi feito com jornais impressos; depois, evoluiu para páginas na Internet e trouxe utilíssimas informações para os desenvolvedores. Funciona assim: um óculos especial e muito estiloso é colocado na pessoa que vai se submeter ao teste. Depois ela é apresentada a uma página na Internet e os óculos registram o caminho que os olhos fizeram, quantos segundos parou em cada ponto da tela, se ela leu algum texto ou se apenas o viu, se algum anúncio despertou a sua atenção, etc. Obviamente, são informações preciosas para quem está no negócio.
Não contentes com o super-óculos, os pesquisadores colocaram literalmente os neurônios para funcionar e lembraram-se do tomógrafo computadorizado. É aquele aparelho sofisticadíssimo que consegue espiar dentro do cérebro de uma pessoa, dedurando quais as áreas estão ativas no momento da pesquisa. Concebido para descobrir tumores e outras anomalias no cérebro, a máquina virou estrela de uma nova geração de marketeiros. Eu mesma já citei um dos usos aqui, na coluna “O nome e a rosa”, sem saber que se tratava do pós-moderno neuromarketing. Aos consumidores testados são apresentados produtos, embalagens e situações, e verifica-se como o cérebro deles reage, quais áreas são ativadas, e assim por diante.
Conforme eu disse para a entrevistadora, na minha opinião, neuromarketing é como fogo. Poderoso, perigoso, mas muito útil. E polêmico, já que muita gente se assusta com a possibilidade de se tornar um brinquedo nas mãos de malignas corporações globais, já que o seu cérebro estará à mercê dos caprichos dos executivos de marketing.
Ora, gente, vamos lá. Em primeiro lugar, o neuromarketing é só uma ferramenta, como todas as outras. A maioria das pesquisas usando esse instrumento deve ser exploratória (que apenas indica tendências), pois as estatísticas (chegam mais perto da verdade escolhendo uma amostra representativa) são muito caras, já que precisam de mais cobaias. A pesquisa está só começando e muita coisa tem que ser inferida por falta de precisão dos equipamentos ou dificuldade de interpretação. Além do que, o aparelho é tão desconfortável que alguma distorção há de provocar, já que ninguém compra um carro com um trambolho desses na cabeça e um monte de gente olhando e fazendo anotações com o olhar crítico.
Aqui no Brasil temos tomógrafos apenas em hospitais, clínicas ou centros de pesquisa muito avançados, de forma que teremos que esperar bastante até que essas sofisticadas máquinas estejam disponíveis para testar uma nova marca de margarina. Além disso, os procedimentos devem ser muito bem elaborados, e, mais difícil ainda, os resultados têm que ser muito bem interpretados. É preciso gente esperta, qualificada, especializada e com conhecimentos multidisciplinares.
De qualquer maneira, sou otimista com relação à tecnologia. Penso que, se o mercado está pesquisando a melhor forma de me agradar, de me seduzir, de se comunicar melhor comigo, de me conquistar, vá em frente. O próprio design já foi bastante beneficiado em saber as posições mais apropriadas que os elementos gráficos devem ocupar, entre outras coisas.
Como não vejo a menor possibilidade de que eu, ou o resto da humanidade, comece a tomar suas decisões de compra apenas considerando a razão, só nos resta aproveitar, mas com os olhos bem abertos e os neurônios monitorando a atividade desses pesquisadores curiosos e intrometidos. Afinal, todo mundo tem o direito de ter seus segredinhos.
Ligia Fascioni no seu neuromarketing.
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