É possível fazer amigos trabalhando em publicidade?
Uma metáfora recorrente com relação ao maravilhoso mundo da publicidade é a que estabelece a comparação directa com o futebol. Não há nada de mais verdadeiro. São duas actividades extremamente competitivas. Nas duas não se joga sozinho. Em ambas, as carreiras são muito curtas, as vitórias são fugazes e as derrotas custam a sair da memória. Tanto numa como noutra, fala-se muito em equipa, vestir a camisola* e há muito clubismo. Isso acaba por se reflectir nas relações entre os "atletas". Pergunte para um futebolista se ele tem muitos amigos entre os jogadores do seu clube. Ele vai quase de certeza olhar para o lado e fugir da questão. Falará que o que importa é a união do grupo, que o fundamental é o trabalho que acontece no campo, que no relvado* é mais importante a articulação entre os parceiros do que quem vai com quem tomar uns copos depois do jogo. Ele está a ser sincero, mas está a disfarçar o incómodo de, sim, não pode chamar de amigo mais do que um ou dois outros jogadores de futebol. E mesmo assim, eles jogam em equipas adversárias. E, provavelmente, noutro pais. Na publicidade é mais ou menos o mesmo. Vivemos do que fazemos e o que fazemos é sempre difícil. Estamos sempre a querer controlar a bola e ela está sempre a nos fugir. Vai para um lado e para outro, nem sempre entra no golo. E, quando isso acontece, a culpa é sempre do outro. Não é que os publicitários sejam todos inimigos. Mas, como num clube, vivemos tão intensamente cada jogo que as relações acabam sempre por rapidamente se desgastar. Sem falar que quase toda gente quer jogar no ataque, poucos acreditam na função do meio campo e lá atrás, na defesa, costuma ser um deserto. Assim, o que não falta é cabeçada na grande área, auto-golo*, brigas entre os da mesma cor, cenas de pugilato no balneário* e recorrentes expulsões. Quando muito, de vez em quando, acontece de aparecer uma equipa muito unida e bem organizada, fruto quase sempre da liderança de um treinador um pouco mais durão. Essa equipa ganha muitos campeonatos, todos vivem em estado de comemoração. Mas aí chovem os convites para outras equipas. O próprio treinador sai e vai encarar outros desafios. A equipa desintegra-se. Companheiros de sempre tornam-se inimigos de infância. Isso não é mau nem é bom. Apenas é assim. Talvez seja mais fácil fazer e manter amigos a trabalhar como bombeiro. Ou como voluntário na Ajuda de Berço. Não sei, não posso responder. Só sei que em décadas a trabalhar nessa área vi poucas amizades verdadeiras a começar e a resistir. Curiosamente, vi muitos casamentos. Vá lá perceber-se o porquê. Talvez porque entre os casais há mais tolerância com as diferenças do outro. Talvez porque entre os casais há um outro objectivo comum (manter a relação) que é maior e mais importante se este ou aquele anúncio saiu melhor e mais bonito. Ou como diria o meu Tio Olavo:
"Amigo é aquela pessoa que conhece todos os nossos defeitos. E, mesmo assim, continua a gostar da gente".
o texto acima, escrito em sintaxe lusa, é do publicitário, redator, edson athayde, edson das neves athayde, carioca da periferia e que já trabalhou em pernambuco, na extinta gravatahy.
ex vp de criação da Y&R para a península ibérica(espanha e portugal),ex-presidente e cco da edson/FCB portugal e ex-administrador do grupo lusomundo, após um período sabático, está de volta a publicidade como diretor criativo da ogilvy portugal. premiado internacionalmente por mais de 600 vezes, no recife foi chamado de incompetente pelo “ serjão”. enquanto isso mercado, e o próprio, vide campanha do D.P., esbanjam competência, pois não?
texto originalmente publicado no semanário português especializado meios&publicidade.
* camisola, camiseta. relvado, gramado. balneário, vestiário. auto-golo, gol contra.
in tempo: eu já fui amigo do edson.
mais edson athayde no tioolavo.blogspot.com
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