terça-feira, março 20, 2007

os que vão morrer te saúdam II


Marcio,

Você, que sempre foi um entusiasta e defensor do mercado carioca, poderia publicar um tópico sobre a questão dos inúmeros talentos locais que, por circunstâncias, estão desempregados? Temos profissionais de 1ª linha e incontáveis profissionais experientes que estão alijados do mercado. O que acontece realmente? Por que tantas agências abrem e fecham, mudam de nome e alimentam este processo escroto? Em qualquer país e profissão -- menos a nossa -- um profissional tarimbado tem o seu valor reconhecido. Aqui, as pessoas são colocadas para escanteio quando atingem certa idade e passam por momentos desfavoráveis para as empresas que as empregam. Faça uma análise, uma matéria fundamentada e exponha a realidade, até para mostrar aos que chegam ao mercado carregados de ilusões, que o buraco é mais embaixo.
Abraço.
Luis "Guto" Costa


Prezado Guto,

Agradeço a sua confiança, mas lamento confessar que não tenho todas as respostas para estas questões, que devem ser realmente angustiantes para quem está vivendo o problema.


Olhando o mercado, até como profissional integrante dele, não sei se chegamos ao ponto de ter que sugerir às faculdades de comunicação que insiram nos diplomas de formatura de seus alunos a famosa inscrição do portal do Inferno de Dante: "Abandonai todas as esperanças, ó vós que entrais!".


Até porque, não se engane, essa garotada sabe muito bem que estamos vivendo em um mundo em constante mutação e muitíssimo mais competitivo que o de seus pais. Trinta anos atrás, as agências iam buscar os seus talentos entre jornalistas, advogados, artistas plásticos. A velocidade era outra. Havia tempo para criar. Com isso, tempo para ensinar e tempo para aprender na prática.


Hoje, as faculdades de comunicação despejam por ano no mercado milhares de formandos, cheios de sede por um estágio, aceitando vaga até em agência de matéria legal.


E pobre dessa galera que não tenha tido a coragem de baixar suas cópias piratas de PhotoShop, QuarkXPress, InDesign, Dreamweaver, Corel e Flash para treinar em casa. Porque não vai ser o conhecimento de semiótica que vai lhes garantir a entrada no portal de Dante.


A partir daí, como recusar salários que, naqueles 30 anos passados, não se pagavam nem no Rio Grande do Norte? Com todo o respeito aos potiguares.


Isso não volta mais atrás, meu caro Guto.


Os clientes querem resposta rápida. Briefing na sexta, apresentação na terça. Vai reclamar de quê? Ele deu três dias pra criar, não?


E aí, fica claro, pela matemática da agência de publicidade contemporânea, que serão muito maiores as chances de que quatro criativos de R$ 1.500 venham a produzir mais opções que um de R$ 6.000.


Ah, mas e a qualidade, como fica?, poderá argumentar alguém mais exaltado.


Antes de mais nada, aqui pra nós (e que ninguém nos ouça), também não tenho a certeza de que essa grande parcela de jovens profissionais de clientes -- que hoje são os responsáveis pelos contatos com as agências -- esteja podendo buscar mais a qualidade (conforme você a conhecia) do que o resultado meramente seguro e com um custo que a permita se livrar das pressões do pessoal da área de compras.


Sem falar que, convenhamos, por que os tais quatro criativos de R$ 1.500 não poderiam produzir um bom trabalho? Seria pretensioso pensar o contrário.


Quem quer ficar no mercado, atualmente, tem que saber remar nessas águas turbulentas.


É com uma profunda dor no coração que preciso contar pra você que, o que eu ouço por aí, é que nem todos os profissionais da antiga souberam acompanhar as mudanças tecnológicas, estéticas, culturais e sociais dos novos tempos. Ou, pelo menos, não o suficiente para tornar atraente a sua convivência na equipe com a galera mais antenada.


O que fazer, então? Ir para Mauá ordenhar clorofila?


O que me vem à cabeça é perguntar se, nessas circunstâncias, a melhor alternativa para um criativo "alijado do mercado" é mesmo insistir em trabalhar como empregado de uma agência.


Do lado de cima do Equador costuma-se dizer que, se você não consegue batê-los, junte-se a eles. If you can't beat'em, join'em. Como estamos do lado de baixo, por que não tentar o contrário? Se você não consegue se juntar às agências, por que não combatê-las? Ou seja, concorrer com elas, jogando o jogo com as mesmas regras.


A pergunta não é nova: Com tantos profissionais de 1ª linha e experientes à disposição no mercado -- não só em criação como em atendimento, em mídia e em produção --, não dá pra abrir uma puta agência?


Só posso suspeitar que sim, quando vejo os exemplos bem sucedidos de quem soube deixar vaidades e medos de lado, e juntou forças para tentar uma nova fase de vida.


O negócio é não se isolar, amigo Guto.


Há outras saídas? Com certeza. E provavelmente elas surgirão com mais discussões sobre o assunto do que essa minha simples carta para você.


Grande abraço,


Marcio Ehrlich

Carta aberta a um publicitário carioca em 25/01/2007 na página de opinião do CCRJ
Marcio Ehrlich - é editor da Janela Publicitária e diretor da Dinâmica Promoções

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