rango é um calango?(e só?) |
Esses
últimos dias vi o povo em convulsão social. Vi baderneiros e gente
pacífica. Vi polícia batendo e polícia apoiando. Vi cartazes focados no
problema e cartazes desfocados do problema. Ouvi gritos pró-democracia e
pró-ditadura. Vi manifestos com bandeiras e manifestos sem bandeiras.
Li opiniões a favor e opiniões contrárias. Estava acompanhando tudo de
fora, por internet, por televisão, mas precisei estar dentro do
movimento para perceber o quando ele está ainda alienado. O quanto as
reivindicações desfocadas são perigosas.
Apesar do
que dizem os movimentos, e isso pode me deixar com fama de reacionário,
ou o que quer que seja, afirmo e reafirmo que o gigante não acordou! O
gigante estava dormindo, enquanto o mundo à sua volta girava. Ele ouviu
um barulho na casa no meio da noite, em decorrência do giro do mundo.
Deu um sopapo no meio da noite, viu o ambiente, se cansou com o giro do
mundo e voltou a dormir. Esse é o gigante brasileiro que acordou. Digo
isso porque até quando o gigante acordou, ele permaneceu dormindo para
muita coisa. Deixou que determinados discursos entrassem nos movimentos,
proibiu bandeiras, gritou por apartidarismo, deu gritos de guerra
pelofim dos partidos políticos. O gigante percebeu que estava
insatisfeito, mas criou para si mesmo uma grande ilusão. Por isso, o
gigante não acordou de fato. Teve só aquele estado assim que se acorda,
mas o corpo voltou a relaxar e adormeceu novamente. Assim está o país.
As manifestações eram pra ter dois focos: 1) Passe livre nos ônibus, 2)
Protesto contra a violência no Sul-Sudeste do país. O foco devia ser os
10 centavos que o prefeito daqui deu, e à desproporcionalidade da ação
policial em São Paulo. E só. Outras manifestações deviam ser permitidas,
assim como permitidas bandeiras de partidos. Na manifestação de ontem,
dia 20, em João Pessoa, correu tudo bem. Estava correndo tudo bem. Foram
22 mil pessoas presentes. Eu mesmo cheguei a comprar e preparar dez
cartazes. Seis cartazes focavam no passe livre e no preço das passagens.
Esses distribuí entre os manifestantes no começo. Guardei quatro pra
mim, sobre corrupção, copa do mundo, violência. Esses dei aos meus
amigos. Nesse caso, não deixei de falar outras coisas, mas foquei na
ideia do protesto: passe livre. Era uma coisa focada. Pelo menos de
minha parte. No foco numa coisa, não significa que outras coisas não
possam ser tematizadas. Daí a proporção dos cartazes. Porém, o que vi na
passeata foi algo estranho, esquisito. Muita gente ali tinha a
politização de uma formiga-operária, e a compreensão do nosso estado
político de um neanderthal. Queriam o impeachmant de Dilma, esquecendo
quem seriam os próximos a assumir o governo: Temer, Sarney, Calheiros
etc. Querem mesmo isso?
Além do
mais, os mesmos apolitizados vinham com cartazes de brincadeira. Era um
oba-oba generalizado, sem direção, sem foco. Não era um protesto, era um
bloco de carnaval fora de época que brigava até pra decidir seus
trajetos. Tudo bem que muitos gritos na garganta vieram de vez, mas
vamos organizar as pautas, né galera? Alguns cartazes me fizeram rir pra
não chorar. Comentei entre gargalhadas na hora, mas hoje, depois de uma
boa noite de sono, sofri ao ver as verdades por trás deles. Cartazes
como "Eu relaxo e gozo", "As esferas do dragão foram reunidas", "Chupa
que é de uva", "Pelo direito de foder em pé" estavam espalhados aqui e
ali. Por isso que digo: o gigante não acordou. Repito e reitero porque é
o foco quem diz se estamos acordados ou dormindo. O povo ainda está
entorpecido, e, infelizmente, até grandes mestres da arte do estar
desperto foram apanhados desprevenidos pela onda dormente. Me deixou
profundamente assustado os gritos de "Viva os militares! Que volte a
ditadura!", seguido de aplausos. A multidão estava empolvorosa. Nesse
momento, precisei mentir. Quando meus companheiros do lado me
perguntavam o que era aquilo, eu mentia, dizia que eram pessoas gritando
em apoio ao Movimento Passe Livre. Quem fez gritos pró-ditadura nem
mesmo se toca o que foi aquela merda toda, por isso me assusta ver
pessoas que a defendem em uma passeata que promove a democracia. Me
espantei com o grito de "vamos nos armar e derrubar a Globo". Quem
conclama o povo a se armar esquece que já fomos desarmados, e de onde
acham que viriam as armas? Teríamos de contrabandeá-las. E por que o
ataque tinha de ser contra a Globo?
Isso está
tão surreal que está parecendo a promulgação do Império Galáctico em
Star Wars. As pessoas, principalmente os baderneiros, estão ignorando o
inciso I do artigo 137 da Constituição Federal de 1988, que é a ordem 66
do nosso Imperador Palpatine brasileiro.
Por isso,
deixarei o blogue às moscas e, possivelmente, venha futuramente a
deletá-lo. O Brasil está entrando em um momento em que a opinião é
necessária, mas o opinador recebe ônus negativo. Não é o momento certo
para falar. Meu silêncio torna-se então meu melhor protesto. Agradeço a
todos os que leram e acompanharam este blogue por tantos anos, e
agradeço especialmente a todos que me apoiaram ou me desapoiaram, que
elogiaram e criticaram, que comentaram aqui ou em outros lugares. Foi a
interação com todos que manteve este blogue vivo. Porém, diante do atual
estado de coisas, temo que o silêncio seja a melhor opção por hora.
(anúncio de encerramento do calango abstrato - que não é editado por mim, e só de ter de acentuar isso, dá uma certa razão ao autor - "calangos" em geral assentam com a cabeça(ou com a bunda) em quase todas as situações de tensão. quando mexem o rabo é porque o que está por detrás é fria mesmo para um ser chegado ao calor das discussões)
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