segunda-feira, novembro 05, 2012

o mercado publicitário mostra o que é ou a sua noção "ética" de mercado


O assunto concorrência pela conta publicitária, notadamente do Governo Federal, foi assunto em alguns momentos do V Congresso Brasileiro da Indústria da Comunicação, realizado no último mês de maio em São Paulo, e novamente neste mês de outubro durante o Maximídia.

O que levou os executivos de algumas agências a pensarem num pacto naqueles eventos é o fato de há no mercado muita concorrência predatória, ameaçando os resultados das agências. Daí a recomendação para um pacto para as grandes agências não participem de concorrências consideradas “predatórias”. E a reação verificada no Maximidia por parte das entidades como Fenapro e CENP, mostra que o assunto é delicado.

Fenapro
A Federação das Agências de Propaganda, por intermédio de seu vice presidente, Humberto Mendes, afirmou que “o pacto reuniria poucas agências, e estamos em um mercado com 17 mil empresas”. O dirigente lembrou que já existe um manual de relações agência-cliente, que responde a muitas questões e dúvidas sobre concorrências.

CENP
Caio Barsotti, presidente doi Cenp, também tem reservas para a tentativa de criação desse pacto. Segundo ele, as agências precisam ter liberdade para decidir de quais concorrências elas participam. Já existem balizamentos no mercado e as agências precisam escolher de acordo com seus próprios critérios. O pacto não seria algo irreal, mas não é recomendável tratar de acordos só a partir de algumas poucas partes envolvidas. O Cenp é o fórum mais democrático para que agências e anunciantes possam discutir maneiras de harmonizar a situação, respeitando algumas bases como a liberdade de mercado e o respeito à propriedade do trabalho de criação e mídia.

Santa Catarina também é contra
A presidente do Sinapro/SC, Rosa Estrella, que participou do V Congresso, também manifestou-se contrária ao pacto. “É preciso que nos lembremos da existência do manual criado pela Abap. Nosso Sindicato está trabalhando em uma versão adaptada às realidades regionais. O documento vai se chamar ‘Diretrizes para seleção de agências de propaganda’”, revela Estrella.

Dependência e submissão
O blog Tudo Comunica, editado pelo publicitário Emílio Cerri, reproduz um artigo de autoria de Francisco Madia, um dos ícones da Comunicação e Marketing no Brasil – já trabalhou em agências e anunciantes – que faz um alerta grave às agências de propaganda com o título “Dependência e submissão”. Leia atentamente o texto a seguir e manifeste-se, compartilhe e contribua para as boas práticas na e com a publicidade brasileira

Dependência e submissão
Francisco Alberto Madia de Souza*
O assunto do momento é o muro da lamentação das agências de propaganda que se sujeitam, se submetem e tornam-se dependentes de concorrências perversas, burras e lamentáveis. Como nos ensinou a primeira dama americana, Eleanor Roosevelt, “Ninguém pode fazer com que te sintas inferior sem o seu consentimento”. Em 1971 fui contratado para montar a primeira área de marketing de uma instituição financeira no Brasil: a do hoje Itaú. Na entrevista com Olavo Setubal ele me contou sobre seus planos de crescimento, e seu sonho de um dia ser o maior banco privado do país. Comecei, com um pequeno exército “Brancaleone”, e tendo com parceiros Alfredo Rosa Borges e Valter Bueno, mais a supervisão de Alex Thiele, a construir o Marketing & Branding Plan capaz de criar as bases mínimas e necessárias em consonância com os sonhos do “Dr. Olavo”, como era chamado.
Diante do desafio, decidimos escolher uma nova agência de propaganda para cuidar da comunicação do Itaú. Selecionamos 4 – McCann, Standard, Lince (que atendia o banco), e DPZ. Visitamos as agências, conhecemos o portfólio de todas, convivemos com seus executivos e equipes, e não pedimos absolutamente nada de trabalho porque tínhamos consciência do absurdo e burrice de semelhante solicitação. Escolhemos a DPZ. Que continua cuidando do ITAÚ, 41 anos depois. Mais para frente repeti semelhante processo para outra instituição financeira. E jamais me arrependi. Sempre tive ao meu lado e de minha equipe, profissionais fantásticos e seres humanos extraordinários, que nos ajudaram na construção de marcas da melhor qualidade.
Em 1980 abri o Madiamundomarketing. Em 1987 fomos procurados pela Sul América Seguros, na pessoa de seu diretor Felice Foglietti, para organizar o processo de seleção de uma nova agência para a seguradora. Fomos contratados, orientamos na seleção das agências, e, também – caso contrário não participaríamos – não pedimos qualquer trabalho às agências concorrentes. Venceu a W/Brasil. Nos 32 anos do Madiamundomarketing já fomos chamados mais de 60 vezes para processos semelhantes. Para aceitar o trabalho colocamos duas condições. Primeira, confirmar o briefing, ver se, verdadeiramente, o problema é a agência. E a segunda, jamais pedir qualquer trabalho às concorrentes. Mas, se a empresa decidir pedir, só continuaremos o processo se remunerar, com justiça, respeito e generosidade, todas as convidadas participantes e que não forem escolhidas.
Assim, e de cada 10 empresas que nos contrataram, e depois de checarmos o briefing, concluímos: em 7, o problema não estava na agência, e sim, no marketing do cliente. Salvamos da degola dezenas de agências inocentes. E em todas as concorrências que participamos – todas sem exceção –, e que o cliente insistia na burrice de pedir trabalhos, só prestamos nossos serviços porque todas as agências participantes, com exceção da vencedora que levou a conta, foram merecida e dignamente remuneradas. No correr dos anos outros profissionais passaram a prestar esses serviços. Mais recentemente empresas formadas por profissionais que foram executivos e donos de agência também ingressaram nesse território, com princípios e comportamentos que, definitivamente, passam a quilômetros de distância de nossas crenças e da ética como conduzimos nossos serviços de consultoria.
Em paralelo, alguns pavões donos de agências, e incapazes de suportar um melhor desempenho de concorrentes no território estritamente profissional, para reter ou conquistar um novo cliente, “flexibilizavam” o preço. Alguns, inclusive, propondo-se a trabalhar de graça durante algum tempo. E, desde então, agências ingressaram num circo de horrores, submetendo-se a todas as humilhações e barganhas, e emprestando legitimidade a um processo deplorável, que não leva a nenhum outro resultado, que não seja o apequenamento e submissão cada vez maiores das agências de propaganda. E ainda, e depois, aceitam negociar o preço com as mesas de compras das empresas, entre vendedores de papel higiênico, feijão, melancia, cola, prego, parafuso, tomate e amendoim. Como nos ensinou Eduardo Alves da Costa, num poema durante anos atribuído a Maiakóvski, “na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor de nosso jardim. E não dizemos nada…” Até quando, agências?… “conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta e já não podemos dizer nada”… Até quando, agências?

(originalmente publicado no acontecendo aqui, florianópolis)

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