sexta-feira, abril 01, 2005

eitá povinho publicitário

há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades no coração, com uma inteligência serena e lúcida,com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem, que sofrem, que se lamentam em vão.
estes homens, são o povo.
estes homens estão sob o peso de calor e de sol, transidos pelas chuvas, roídos de frio, descalços, mal nutridos; lavram a terra, revolvem-na, gastam a sua vida,a sua força, para criar o pão, o alimento de todos.
estes são o povo, e são os que nos alimentam.
estes homens vivem nas fábricas,palidos, doentes, sem família, sem doces noites,sem um olhar amigo que os console,sem ter o repouso do corpo e a expansão da alma, e fabricam o linho,o pano, a seda, os estofos.
estes homens são o povo, e são os que nos vestem.
estes homens vivem debaixo das minas, sem o sol e as doçuras consoladoras da natureza, respiram mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos,sujos,curvados, e extraem o metal, o minério, o cobre, o ferro, e toda a matéria das indústrias.
estes homens são o povo, e são os que nos enriquecem.
estes homens, nos tempos de lutas e de crises, tomam as velhas armas da pátria, e vão, dormindo mal,com marchas terríveis, à neve, à chuva,ao frio, nos calores pesados,combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que nós conservemos o nosso descanso opulento.
estes homens são o povo, e são os que nos defendem.
estes homens formam as equipagens dos navios, são lenhadores,guardadores de gado, servos mal retribuídos e despezados.
estes homens são os que nos servem.
e o mundo oficial, opulento, soberano, o que faz a estes homens que o vestem, que o alimentam, que o enriquecem,que o defendem, que o servem ?
primeiro, despreza-os; não pensa neles, não vela por eles, trata-os como se tratam os bois;deixa-lhes apenas uma pequena porção dos seus trabalhos dolorosos;não lhes melhora a sorte, cerca-os de obstáculos e de dificuldades;forma-lhes um em redor uma servidão que os prende e uma miséria que os esmaga,não lhes dá proteção; e, terrível coisa, não os instrui: deixa-lhes morrer a alma.
é por isso que os que tem coração e alma, e amam a justiça, devem lutar e combater pelo povo.
e ainda que não sejam escutados, têm na amizade dele uma consolação suprema.

eça de queiroz, de cabo a rabo no cartaz do 3º encontro nacional de criação publicitária, belo horizonte,novembro de 1980.

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