o complexo nordestino leva a descaracterização da nossa comunicação. temos vergonha da nossa cultura. imitamos, não necessariamente nesta ordem, ingleses, americanos, nórdicos, e agora mais esta, argentinos. sem falar que imitamos os imitadores dos imitadores, os paulistas, praga que também acomete o resto do pais.
tentar compensar o complexo de inferioridade tentando ser super, como diria celso furtado, é o mal da nossa nordestinidade, falida digo eu. os grandes momentos da nossa propaganda ou publicidade como queiram, estavam basaeados na riqueza da nossa oralidade e da direção de arte na nossa cultura popular que hoje nada mais é do que trampolim para a sua volatização pela veia política.
a cada portfólio que vejo, a cada olhada nos na pastas da vida, zero de cultura e criatividade e cem por cento de papel carbono(perdoem-me a figura antiquada?)pergunto-me mas é isso que é a cepa da geração que se diz antenada?
não quero com isso fazer uma defesa xenófoba da propaganda macaxeira, ou seja de raiz nordestina. mas apenas registrar a falência múltipla dos orgãos de publicitários que tornaram-se incapazes de beber na fonte e assim falidos só pensam em líquido perrier.
mas há também o pior: a imitação degenerada de sí próprio nos melhores resultados atingidos, batendo na mesmo fórmula.
copiar os outros ou a sí mesmo não deixa marcas. é nisto que reside a questão ou a gestão parideira.
o resto é igual, sem ser cópia.
o blog que dá crise renal em quem não tem crise de consciência. comunicação, marketing, publicidade, jornalismo, política. crítica de cultura e idéias. assuntos quentes tratados sem assopro. bem vindo, mas cuidado para não se queimar. em último caso, bom humor é sempre melhor do que pomada de cacau.
quarta-feira, outubro 31, 2007
terça-feira, outubro 30, 2007
cuidado para não causar dor de corno
Todos os jornais divulgaram que a Companhia Vale do Rio Doce está fazendo a mudança de seu nome e de seu logotipo. A notícia chega a dizer que, em breve, o Brasil e o mundo se surpreenderão com a nova marca e o novo nome. Como consultor de branding, não recomendaria conduzir a ação desse modo para nenhuma empresa, muito menos para uma corporação que tem o porte e a importância da Vale para uma grande quantidade de públicos diferentes.
A regra número um de branding e public relations é simples: não faça mudanças sem envolver seus públicos vitais, especialmente para contar com seu apoio e evitar ter que enfrentar oposições. Onde há gente vai haver opiniões e pode haver divergência. E as divergências, quando mal conduzidas, geram oposições fortes.
Não é preciso pensar muito nem ir longe para nos lembrarmos de quando a Petrobras tentou mudar seu nome e seu logotipo. Ela se chamaria Petrobrax. A imprensa noticiou e muitas vozes se voltaram contra o projeto. No final, ele foi abortado, depois de muito questionamento na imprensa e de muita tensão dentro da própria Petrobras.
Não é fácil mudar o nome e a marca de uma grande companhia sem perdas, mas isso pode ser feito com alguns cuidados. Entre eles, incluir os funcionários nos processos de mudança, de modo que eles sintam-se os próprios donos da mudança ao invés de rejeitarem-na.
Certamente deve haver boas razões internas para essa mudança, não tenho dúvida disso. Talvez facilitar o nome para captar recursos no mercado acionário mundial, ou algo assim. Mas, de qualquer modo, os funcionários vão sentir muito e em seu emocional a sensação será de traição e de falta de consideração por parte da diretoria.
As diretorias das empresas e seus setores de comunicação e marketing corporativos parecem ter muita dificuldade de entenderem que, simbolicamente, os empregados e suas famílias sentem-se proprietárias da marca das empresas onde trabalham. Eles têm orgulho disso e ficam inseguros quando lhes tiram sem nenhuma consulta, sem nenhum envolvimento.
Muitas empresas tentam justificar a ausência de discussão e envolvimento nesses temas, argumentando a necessidade de sigilo em relação aos competidores, mas é uma explicação frágil, já que a notícia sempre se espalha pela imprensa e é noticiada aqui e ali, formando um grande eco e até mesmo boataria.
De fato, os departamentos responsáveis já deveriam ter entendido que não há segredos empresariais nesse século e que não é possível manter a satisfação interna quando o mercado fica sabendo do que ocorre na empresa através dos jornais, sem ter tido antes uma prévia. A sensação é de estar sendo passado para trás, sendo deixado de lado, devido a pouca importância a que a empresa parece atribuir ao seu próprio pessoal.
E você, como se sentiria se sua empresa mudasse o nome, a marca, o logo – enfim toda a simbologia básica que tem mantido boa parte de identidade interna durante anos e anos – e você fosse o último a saber?
(mudanças na marca, no logo, no nome, e você... o último a saber!, do augusto nascimento, autor do livro os 4 Es de marketing e branding)
A regra número um de branding e public relations é simples: não faça mudanças sem envolver seus públicos vitais, especialmente para contar com seu apoio e evitar ter que enfrentar oposições. Onde há gente vai haver opiniões e pode haver divergência. E as divergências, quando mal conduzidas, geram oposições fortes.
Não é preciso pensar muito nem ir longe para nos lembrarmos de quando a Petrobras tentou mudar seu nome e seu logotipo. Ela se chamaria Petrobrax. A imprensa noticiou e muitas vozes se voltaram contra o projeto. No final, ele foi abortado, depois de muito questionamento na imprensa e de muita tensão dentro da própria Petrobras.
Não é fácil mudar o nome e a marca de uma grande companhia sem perdas, mas isso pode ser feito com alguns cuidados. Entre eles, incluir os funcionários nos processos de mudança, de modo que eles sintam-se os próprios donos da mudança ao invés de rejeitarem-na.
Certamente deve haver boas razões internas para essa mudança, não tenho dúvida disso. Talvez facilitar o nome para captar recursos no mercado acionário mundial, ou algo assim. Mas, de qualquer modo, os funcionários vão sentir muito e em seu emocional a sensação será de traição e de falta de consideração por parte da diretoria.
As diretorias das empresas e seus setores de comunicação e marketing corporativos parecem ter muita dificuldade de entenderem que, simbolicamente, os empregados e suas famílias sentem-se proprietárias da marca das empresas onde trabalham. Eles têm orgulho disso e ficam inseguros quando lhes tiram sem nenhuma consulta, sem nenhum envolvimento.
Muitas empresas tentam justificar a ausência de discussão e envolvimento nesses temas, argumentando a necessidade de sigilo em relação aos competidores, mas é uma explicação frágil, já que a notícia sempre se espalha pela imprensa e é noticiada aqui e ali, formando um grande eco e até mesmo boataria.
De fato, os departamentos responsáveis já deveriam ter entendido que não há segredos empresariais nesse século e que não é possível manter a satisfação interna quando o mercado fica sabendo do que ocorre na empresa através dos jornais, sem ter tido antes uma prévia. A sensação é de estar sendo passado para trás, sendo deixado de lado, devido a pouca importância a que a empresa parece atribuir ao seu próprio pessoal.
E você, como se sentiria se sua empresa mudasse o nome, a marca, o logo – enfim toda a simbologia básica que tem mantido boa parte de identidade interna durante anos e anos – e você fosse o último a saber?
(mudanças na marca, no logo, no nome, e você... o último a saber!, do augusto nascimento, autor do livro os 4 Es de marketing e branding)
segunda-feira, outubro 29, 2007
tamanho é documento quando a língua é buzz
Estudos recentes confirmam - a melhor propaganda que uma marca pode obter é o depoimento favorável de um consumidor. Pesquisa realizada este mês pela Nielsen com internautas de 47 países diferentes mostrou que 78% deles confiam nas opinioes sobre marcas e produtos postadas na web por pessoas comuns. Em 2º lugar na lista das fontes de informaçao mais confiáveis ficaram os anúncios em jornais, com 63% de mençoes. A propaganda na TV merece a confiança de 56% dos entrevistados. Levantamento similar feito pela GFK Roper no ano passado chegou a resultados parecidos - 70% confiam em informaçoes transmitidas por outras pessoas e apenas 59% sentem o mesmo a respeito da publicidade.
Isso explica porque as avaliaçoes de produtos e serviços feitas por consumidores exercem influência tao grande na decisao de compra de tanta gente. Os americanos, por exemplo, levam mais em consideraçao o que dizem as pessoas que já experimentaram o produto do que a recomendaçao dos especialistas. Nao é por outro motivo que os principais varejistas estao adotando a prática de publicar a opiniao dos clientes sobre as compras que estes fizeram em suas lojas virtuais.
Porém, essa prevalência do sujeito comum na hora de sugerir e recomendar produtos aos colegas pode ajudar a prolongar a hegemonia das marcas poderosas em detrimento das menos badaladas. Pelo menos é o que acreditam Kartik Hosanagar e Dan Fleder, professores da universidade americana de Wharton, autores de um artigo sobre o impacto dos sistemas de recomendaçao na diversidade de itens vendidos atraves da internet.
A tese de Hosanagar e Fleder é simples - as pessoas em geral avaliam apenas o que compraram. Por isso, os produtos menos vendidos nao recebem muitas avaliaçoes dos consumidores. Como sao pouco recomendados, nao chamam a atençao de novos clientes e acabam encalhados. Esse círculo vicioso resultaria numa concentraçao das transaçoes sobre os produtos populares e reduziria as chances das marcas alternativas. Para piorar ainda mais a situaçao, vários sites usam programas de recomendaçoes baseados em itens mais vendidos - do tipo 'clientes que compraram esse livro também compraram esse outro aqui'. O que também perpetuaria o sucesso dos best sellers e inibiria o aparecimento de novos sucessos.
Alguns varejistas virtuais, como a Netflix, subverteram essa lógica, desenvolvendo sistemas capazes de oferecer recomendaçoes baseadas no gosto do consumidor - nesse caso o cliente é apresentado a opçoes afinadas com o estilo dos filmes que ele alugou anteriormente. Essa estratégia efetivamente favorece o 'Efeito Cauda Longa', popularizado por Chris Anderson no livro de mesmo nome. Mas a maioria dos sites de comércio, ao contrário da Netflix, ainda segue a manada, contribuindo, segundo Hosanagar e Fleder, para a manutençao da ditadura das grandes marcas.
(luis alberto marinho, sem saber, os consumidores perpetuam as grandes marcas, no onibus azul de hoje - www.bluebus.com.br
sexta-feira, outubro 26, 2007
final da série, leitura para a semana inteira, do brasil que inventou o "caixa-dois" das idéias
Guilherme Azevedo – Muitos publicitários têm defendido uma propaganda com cor local e a gente assiste à tevê e acaba não vendo muito isso. O que está faltando para fazer uma propaganda com cor local, brasileira? Que elementos a gente precisaria para fazer um comercial com a cara brasileira? Com que personagens? Que histórias?
Jarbas Agnelli – Não sei se sou a pessoa perfeita para falar sobre isso, porque sou um cara do mundo. Sou muito ligado em tudo, gosto muito da idéia de misturar tudo. A música que eu faço com o Waldo é uma mistura de tudo. A gente usa tudo: música indiana, mistura com samba, chorinho... A mistura é muito legal. Eu nunca fui muito patriota. Não é porque eu não goste do Brasil, porque acho que ninguém deveria ser muito patriota. Sempre fui contra pátria, religião. Acho que essas coisas têm que começar a feder para o mundo começar a ficar melhor. Quanto mais a gente busca o localismo, de local, mesmo, mais a gente complica a relação das pessoas. O Woody Allen [diretor de cinema norte-americano, de filmes como A Rosa Púrpura do Cairo e Neblinas e Sombras] tem uma frase muito boa: “A tradição é a ilusão da permanência”. Achei essa frase genial, porque me incomoda essa coisa de ir mantendo as coisas para sempre. Isso é realmente uma ilusão, o mundo vai mudando sempre. Acho que a adaptação é muito boa, e a gente vive uma época em que o mundo está todo interligado mesmo. Claro que é sempre bom preservar coisas, para você não perder completamente a identidade, ainda mais num país que é meio colonizado, como o nosso. A gente recebe toneladas de influências, via comércio, dos Estados Unidos. Mas, ao mesmo tempo, acho que a gente tem que saber criar uma identidade misturando tudo, porque isso é inevitável, cada vez mais inevitável. A questão é ir criando coisas novas, sou a favor disso, vai misturando, sem perder a identidade, mas vai aceitando e agregando coisas novas. Um clipe de que eu gosto bastante, que é meio o resumo desta história, é um que fiz para O Rappa. O Yuka [Marcelo Yuka, ex-integrante de O Rappa; baleado quando tentou intervir num assalto no Rio de Janeiro, levou nove tiros e ficou paraplégico.] me pediu para fazer uma coisa que tivesse folclore, mas que tivesse o futuro ao mesmo tempo.
Guilherme Azevedo – É aquele em 3D, com o cara jogando capoeira? O clipe de Instinto Coletivo?
Jarbas Agnelli – Este clipe é exatamente isto: vamos dar uma linguagem nova para a capoeira. Vamos pegar e inserir no mundo virtual, vamos usar motion capture [captura eletrônica dos movimentos de uma pessoa via equipamentos] para captar o movimento do capoeirista e aplicar num boneco 3D. Acho que ele ficou com uma cara que é atual, usando elementos do passado, elementos da tradição brasileira. Acho que isso pode ser um caminho interessante: manter os elementos, mas numa outra linguagem, uma linguagem atual. Senão, você vai ficar sempre fazendo esses clipes de gente pelo Brasil, que já deram no saco.
Guilherme Azevedo – Aproveitando que a gente falou de O Rappa, gostaria de falar desse seu trabalho com os clipes, que está indo superbem também.
Jarbas Agnelli – Estava indo superbem, porque o clipe não existe mais. Até li no Estadão que o videoclipe morreu. A MTV não passa mais. Não tenho feito mais. Mas é uma coisa que gosto muito, a gente perdeu um espaço superinteressante de experimentação. Além disso, ele é a união de duas coisas que eu gosto, música e direção de arte. Sempre me atraiu por isso.
Guilherme Azevedo – E a ausência da propaganda ali é benéfica? Não está falando sobre um produto, tem mais liberdade?
Jarbas Agnelli – Tem mais espaço, mais liberdade. Você pode fazer qualquer coisa. E, por a gente ter esse perfil bem alternativo, sempre foi procurado por bandas que falaram: “Faz qualquer coisa”. Lulu Santos, O Rappa, Pato Fu. Para o Pato Fu, a gente fez dois clipes que ganharam VMB [Video Music Brasil, prêmio concedido pela MTV]. É muito bacana, não tem dinheiro – nunca teve. Só um dinheirinho irrisório, mesmo na época quando a música tinha dinheiro. Porque nunca teve dinheiro disponibilizado para o videoclipe. O que nunca entendi, porque sempre achei que o clipe era um cartão-postal para a banda. Principalmente na época em que a MTV veiculava. As gravadoras sabiam que os diretores e as produtoras brasileiras usavam isso meio como espaço para experimentar, tinha a mídia da MTV, então ficava aquele jogo de interesses acontecendo. Mas é que agora, realmente, não tem dinheiro. Hoje, se você quiser fazer, vai pôr o seu dinheiro.
Guilherme Azevedo – A gravadora não está bancando mais?
Jarbas Agnelli – Já não bancava e, agora, menos. Agora a MTV só passa clipes de madrugada. Clipe, hoje, só na Internet. O selo final foi o VMB 2007. A gente percebeu que o negócio da MTV realmente mudou de perfil. Mudaram a filosofia de marketing. Fecharam num leque muito pequeno de bandas, de estilo. Antigamente, pelo menos, tinha um grande leque de premiáveis ali. Não é o caso nem de se culpar quem votou, não, porque os indicados todos já eram de um segmento muito pequeno da música. É triste, fiquei chateado.
Guilherme Azevedo – Isso não parece meio contraditório, num momento de abertura da mídia, do mundo?
Jarbas Agnelli – Acho que a MTV entendeu que o jovem de 15, 16 anos usa a Internet para ver clipe; não usa mais a tevê. Acho que esse foi um dos motivos. Hoje, tem YouTube, MySpace, Google Vídeo. Meus filhos só vêem vídeo na Internet. “Quero ver o vídeo do Foo Fighters.” Você não vai ficar esperando passar na tevê, você vai lá e vê na Internet, todos os vídeos do Foo Fighters. É muito mais fácil. Outra coisa é a mudança de perfil da emissora, mesmo. Hoje, grande parte da programação é feita de programas de auditório. Antigamente, a MTV era povoada por pensadores. A Cris Couto, Fábio Massari, Zeca Camargo, o Edgar [Edgar Piccoli], esses caras todos saíram. Sobrou só a Marina Person, que fala de cinema. A filosofia de pensar em música realmente mudou na MTV, não é mais um canal de música, apesar do nome.
Guilherme Azevedo – Você já produziu alguma coisa específica para a Internet?
Jarbas Agnelli – Por incrível que pareça, não. Sempre recebo esta pergunta. E a gente não faz muito, porque nosso tempo está sendo tomado com publicidade, o que é bom, porque o dinheiro está principalmente nisso. Eu não rejeito essa idéia, acho muito legal começar a fazer coisas alternativas. Acho legal virais, mas principalmente os virais que surgem espontaneamente, não os virais empresariais, que estão fingindo que estão entre a molecada. Acho a Internet fantástica, não canso de ficar abismado com os rumos que a Internet tem tomado. Porque é um espaço onde você pode fazer tudo.
Guilherme Azevedo – Você pensa em fazer um trabalho mais pessoal? Ficcional?
Jarbas Agnelli – Exatamente.
Guilherme Azevedo – Você é um cara que não faz ficção, não é? Tem um clipe da banda de vocês que tem uma narrativa ali.
Jarbas Agnelli – O clipe do Call My Name. Aliás, esse clipe virou meio um hit no YouTube. Já achei vários caras que passaram um para o outro, mas não no meio musical. Mais no meio de esoterismo.
Guilherme Azevedo – Porque tinha aquilo da projeção astral. Por que esse tema? É o tema do duplo, da pessoa que sai do próprio corpo e se observa...
Jarbas Agnelli – Esse é um dos outros interesses meus. Sempre gostei de explorar o inexplorado, os tabus, as coisas de que as pessoas falam: “Ah, tenho medo disso, não mexe com isso...”. Cheguei até a fazer curso disso.
Guilherme Azevedo – De projeção astral? Vidas passadas?
Jarbas Agnelli – De tudo. Já me meti com tudo. A minha infância toda foi com pais que não davam a mínima bola para a religião. Minha mãe era católica nada crente, e meu pai era ateu. Daí aconteceu uma série de coisas na vida do meu pai, ele conheceu o Chico Xavier [1910-2002, principal expoente do espiritismo no Brasil], quando morreu a mãe dele. Começou a fazer capas para o Chico, virou amigo dele e isso o mudou completamente. Passou a ir a centros espíritas e a procurar esses fenômenos e começou a me levar junto. A gente ia ver luzinha voando, voz. Para um adolescente, isso era fantástico. E, durante um grande período da minha vida, até a idade adulta, eu me considerava espírita. Eu nunca gostei de dogmas e, partir de certo momento, comecei a ver que o espiritismo era um dogma, por mais libertário ou evoluído que eles achassem que fossem, era um dogma como outro qualquer. Com certas leis, certas regras. Então me afastei. Mas, quando entrei nessa história de espiritismo, comecei a ver outras histórias que existiam, como projeção astral, regressão a vidas passadas, transcomunicação, que é você utilizar aparelhos para se comunicar com espíritos, televisão, rádio, tem uma vasta bibliografia sobre isso. É um mundo muito rico. E muito pouco explorado na mídia. Se um dia eu fizer um longa-metragem, acho que vai ser sobre reencarnação, espírito, sair do corpo.
Guilherme Azevedo – Além do espiritismo, do esoterismo, quais são as suas influências na vida, no cinema?
Jarbas Agnelli – Ficção científica. Lia muito Ray Bradbury [escritor norte-americano, autor do clássico Fahrenheit 451, sobre um mundo futurista dominado pela censura e o totalitarismo, que se transformou em filme de François Truffaut], Isaac Asimov [1920-1992, escritor nascido na Rússia, mas criado nos Estados Unidos, autor, entre outros, de Eu, Robô] na minha adolescência. Os filmes que realmente marcaram minha vida foram Star Wars, Blade Runner, Alien, Ridley Scott. Foram referências fortíssimas. Mas se você me perguntasse quais são meus cineastas ou atores prediletos, são os caras de comédia. Woody Allen, Peter Sellers [o ator inglês Peter Sellers, 1925-1980, famoso pela personagem Inspetor Clouseau], Jacques Tati [o diretor e ator francês Jacques Tati, autor de clássicos como Meu Tio e As Férias de Mr. Hulot¸1907-1982], Charles Chaplin [o diretor e ator inglês Charles Chaplin, de filmes como Luzes da Cidade, Luzes da Ribalta, Tempos Modernos, 1889-1977] são os caras de que eu realmente gosto. Eles conseguem colocar o humanismo, a coisa do ser humano, em filmes fantásticos.
Guilherme Azevedo – Com Chaplin, a gente ri e chora ao mesmo tempo.
Jarbas Agnelli – E é edificante. Faz uma piada e você sai um ser humano melhor daquilo.
Guilherme Azevedo – A gente está falando isso de tecnologia, humanidade. Então vamos falar da campanha recente da Credicard Citi, da coisa da lágrima... Como foi essa produção? Teve o uso de um novo software...
Jarbas Agnelli – É um software de 3D, pouquíssimo usado no Brasil, o Houdini. O nome do mágico [Harry Houdini, 1874-1926, considerado o melhor mágico da história dos Estados Unidos]. É um software “procedural”, matemático. Não é nada amigável. A gente utilizou dois franceses especializados [Christian Eduardo e Gerome Mortelecque] nesse software. Esse tipo de filme não é comum. A gente vê curtas de animação japoneses com esse tipo de abstração, filmes que têm uma plástica abstrata. É meio uma mistura de animação com biologia e matemática. A gente quis imprimir esse tipo de look. O briefing da criação era para que a gente fizesse um passeio que simbolizasse a criação de uma lágrima. Contar como um sentimento passeia pelo seu corpo. Mas a idéia era que não ficasse um filme da National Geographic ou do Discovery Channel, não é um passeio por dentro do corpo humano, com tubos, veias, músculos. Uma coisa mais simbólica, mais abstrata, mesmo, a criação de um sentimento. Fizemos uma coisa que lembrasse neurônios, lembrasse nervos. Mais para o final, entra num canal lacrimal e a gente começa a ver o corpo humano de verdade. Mas o comercial é um livre uso da linguagem do 3D para simbolizar coisas.
Guilherme Azevedo – Quais foram as referências para criar o filme?
Jarbas Agnelli – Além de referências de filmes do corpo humano da National Geographic e do Discovery Channel, usamos clipes e comerciais norte-americanos, aquele documentário Quem Somos Nós?. Isso já foi muito usado, cenas por entre os neurônios. O filme O Clube da Luta foi uma das referências. A apresentação do filme começa com um passeio que sai dos neurônios e vai pelo cano do revólver do cara. Juntamos todas essas referências e conseguimos fazer esse passeio, uma licença poética pelo corpo humano, sem ser muito literal, verdadeiro, fisiologicamente falando. O outro filme é um passeio parecido, mas acaba nas cordas vocais e sai pela boca, um sorriso. Como nasce uma risada. Nós criamos a trilha também, totalmente sinfônica, o Waldo compôs tudo no computador. E o Tomás Duque Estrada, que é meu braço direito, dividiu toda a parte do 3D. Depois juntamos todas as partes. É um processo muito complexo e bacana, a gente fica brincando de Hollywood. Tem todos os elementos de Hollywood, só que a gente usa isso para fazer 30 segundos. O processo de produção é idêntico. Mesmo porque tem que ser, as pessoas estão muito acostumadas a ver isso no cinema. Se você não fizer muito bem-feito, qualquer criança vai falar que está malfeito aquilo, que é falso. Tem que ter um nível de cuidado altíssimo. Principalmente por não ter milhões de dólares.
Guilherme Azevedo – O cliente entende que existe todo esse processo por trás?
Jarbas Agnelli – Mais ou menos. A gente às vezes ouve: “Ah, legal, mas vamos mudar isso daí. É para amanhã”. Essas coisas são comuns. Mas acho que, cada vez mais, os clientes estão entendendo como é que isso funciona. Graças ao cinema, ao DVD. Todo mundo vê making of hoje em dia. O que era uma coisa rara passou a ser comum, você assiste ao filme e, depois, ao making of. Serviu para educar os clientes, principalmente porque eles sabem que o processo é o mesmo.
Guilherme Azevedo– Você é um cara extremamente dedicado ao trabalho. A Semana, por exemplo, você fez no Carnaval de 2000, no maior feriado nacional. Hoje, sábado, você está trabalhando. Como que é essa sua dedicação ao trabalho? É realmente uma entrega?
Jarbas Agnelli – Eu consegui, nesses últimos anos, a utopia máxima do trabalho: fazer o que gosta, do jeito que gosta, quando gosta, onde gosta. Se você perguntar para a minha mulher, ela vai dizer que trabalho demais. Mas a verdade é que nem me sinto trabalhando, a maior parte do tempo. Tenho a sorte de poder dar o meu ritmo aos trabalhos, escolhendo os horários em que sou mais produtivo (e de ter uma equipe que acompanha meu ritmo). Durmo a manhã toda e trabalho de madrugada, porque funciona melhor para mim. Aperto o play quando o mundo à minha volta apertou o pause. Não me preocupo em saber em que dia da semana estamos. O mês tem 30 dias. Uso o que for preciso. Mesmo assim, me considero bem família, um pai que tem a guarda compartilhada dos filhos do ex-casamento e que realmente está para eles. Meus filhos adolescentes vivem no AD Studio, jogando, tocando instrumentos, fazendo rotoscopia [animação criada com imagens captadas inicialmente em vídeo] no After Effects ou trilhas sonoras com o Waldo (às vezes, nem contamos para a agência que aquela melodia incrível saiu da cabeça de um garoto de 16 anos). Com minha mulher, convivo na madrugada, em horários loucos nos quais ela, pelo bem ou pelo mal, acabou se adaptando. Sigo a tradição dos orientais. Se você tem que fazer alguma coisa, faça com prazer.
Guilherme Azevedo – Para encerrar, o que você sugere para um cara que está começando, que quer fazer comercial, que pode se inspirar em você?
Jarbas Agnelli – Meu conselho é para as pessoas experimentarem, mesmo, sem medo. Porque, hoje, os softwares que a gente usa todo mundo tem, Photoshop, After Effects. Se você pegar os anos oitenta, os anos noventa, tinha uma grande separação do que dava para você fazer em casa do que as produtoras faziam. Hoje todo mundo finaliza no After – e muito bem. Hollywood finaliza nele. Hoje, também se usam softwares caríssimos, mas, com os softwares que todo mundo tem, você chega a um resultado muito parecido. O diferencial é a criatividade, em como você vai usar aquilo. Talvez você não consiga fazer o melhor efeito, mas você vai dar uma volta e fazer uma coisa criativa. Uma coisa mais interessante. Então, experimente. Você consegue fazer música ao mesmo tempo em que está fazendo vídeo. Acho que as pessoas ficaram ou estão, principalmente os jovens, prostrados diante das possibilidades do computador. Vejo pelos meus filhos. O computador é uma janela para o mundo, você tem qualquer coisa ali, e eles passam noventa por cento do tempo no MSN Messenger e no Orkut. É como se fechassem as portas. Tem essa aqui, mas, se você tirar da frente, vai ver uma infinidade de sites e coisas interessantes que você pode aprender. Você pode ter aula de qualquer coisa no computador. Não só produzir. Aula on-line em Harvard, de cinema, de qualquer coisa. Falta isso nos jovens. “Ah, eu quero aprender não sei o que lá, faço um curso?” Ouço muito esse tipo de pergunta. Está na sua frente, desliga o Orkut que você vai aprender muita coisa.
(guilherme azevedo fez esta entrevista para o jornalirismo, que vai dando a cada número um puta bom exemplo ao mau exemplo de puta dado pela dita imprensa especializada em marketing e, vá lá, propaganda do brasil.
fiquei de postar os links para mais filmes do agnelli. em vez disso vou dar o endereço que leva a matéria extraida de lá, onde estão os links para filmes como lágrima e sorriso, do credicard, ou luau para kaiser, e ainda do clip para o rappa com a assinatura do jarbas. em troca da menor comodidade espero estar lhe dando a chance de conhecer, se ainda não conhece, de um bom local para se desligar do orkut e aprender muita coisa. desligue então já e vá pra lá: www.jornalirismo.com.br
Jarbas Agnelli – Não sei se sou a pessoa perfeita para falar sobre isso, porque sou um cara do mundo. Sou muito ligado em tudo, gosto muito da idéia de misturar tudo. A música que eu faço com o Waldo é uma mistura de tudo. A gente usa tudo: música indiana, mistura com samba, chorinho... A mistura é muito legal. Eu nunca fui muito patriota. Não é porque eu não goste do Brasil, porque acho que ninguém deveria ser muito patriota. Sempre fui contra pátria, religião. Acho que essas coisas têm que começar a feder para o mundo começar a ficar melhor. Quanto mais a gente busca o localismo, de local, mesmo, mais a gente complica a relação das pessoas. O Woody Allen [diretor de cinema norte-americano, de filmes como A Rosa Púrpura do Cairo e Neblinas e Sombras] tem uma frase muito boa: “A tradição é a ilusão da permanência”. Achei essa frase genial, porque me incomoda essa coisa de ir mantendo as coisas para sempre. Isso é realmente uma ilusão, o mundo vai mudando sempre. Acho que a adaptação é muito boa, e a gente vive uma época em que o mundo está todo interligado mesmo. Claro que é sempre bom preservar coisas, para você não perder completamente a identidade, ainda mais num país que é meio colonizado, como o nosso. A gente recebe toneladas de influências, via comércio, dos Estados Unidos. Mas, ao mesmo tempo, acho que a gente tem que saber criar uma identidade misturando tudo, porque isso é inevitável, cada vez mais inevitável. A questão é ir criando coisas novas, sou a favor disso, vai misturando, sem perder a identidade, mas vai aceitando e agregando coisas novas. Um clipe de que eu gosto bastante, que é meio o resumo desta história, é um que fiz para O Rappa. O Yuka [Marcelo Yuka, ex-integrante de O Rappa; baleado quando tentou intervir num assalto no Rio de Janeiro, levou nove tiros e ficou paraplégico.] me pediu para fazer uma coisa que tivesse folclore, mas que tivesse o futuro ao mesmo tempo.
Guilherme Azevedo – É aquele em 3D, com o cara jogando capoeira? O clipe de Instinto Coletivo?
Jarbas Agnelli – Este clipe é exatamente isto: vamos dar uma linguagem nova para a capoeira. Vamos pegar e inserir no mundo virtual, vamos usar motion capture [captura eletrônica dos movimentos de uma pessoa via equipamentos] para captar o movimento do capoeirista e aplicar num boneco 3D. Acho que ele ficou com uma cara que é atual, usando elementos do passado, elementos da tradição brasileira. Acho que isso pode ser um caminho interessante: manter os elementos, mas numa outra linguagem, uma linguagem atual. Senão, você vai ficar sempre fazendo esses clipes de gente pelo Brasil, que já deram no saco.
Guilherme Azevedo – Aproveitando que a gente falou de O Rappa, gostaria de falar desse seu trabalho com os clipes, que está indo superbem também.
Jarbas Agnelli – Estava indo superbem, porque o clipe não existe mais. Até li no Estadão que o videoclipe morreu. A MTV não passa mais. Não tenho feito mais. Mas é uma coisa que gosto muito, a gente perdeu um espaço superinteressante de experimentação. Além disso, ele é a união de duas coisas que eu gosto, música e direção de arte. Sempre me atraiu por isso.
Guilherme Azevedo – E a ausência da propaganda ali é benéfica? Não está falando sobre um produto, tem mais liberdade?
Jarbas Agnelli – Tem mais espaço, mais liberdade. Você pode fazer qualquer coisa. E, por a gente ter esse perfil bem alternativo, sempre foi procurado por bandas que falaram: “Faz qualquer coisa”. Lulu Santos, O Rappa, Pato Fu. Para o Pato Fu, a gente fez dois clipes que ganharam VMB [Video Music Brasil, prêmio concedido pela MTV]. É muito bacana, não tem dinheiro – nunca teve. Só um dinheirinho irrisório, mesmo na época quando a música tinha dinheiro. Porque nunca teve dinheiro disponibilizado para o videoclipe. O que nunca entendi, porque sempre achei que o clipe era um cartão-postal para a banda. Principalmente na época em que a MTV veiculava. As gravadoras sabiam que os diretores e as produtoras brasileiras usavam isso meio como espaço para experimentar, tinha a mídia da MTV, então ficava aquele jogo de interesses acontecendo. Mas é que agora, realmente, não tem dinheiro. Hoje, se você quiser fazer, vai pôr o seu dinheiro.
Guilherme Azevedo – A gravadora não está bancando mais?
Jarbas Agnelli – Já não bancava e, agora, menos. Agora a MTV só passa clipes de madrugada. Clipe, hoje, só na Internet. O selo final foi o VMB 2007. A gente percebeu que o negócio da MTV realmente mudou de perfil. Mudaram a filosofia de marketing. Fecharam num leque muito pequeno de bandas, de estilo. Antigamente, pelo menos, tinha um grande leque de premiáveis ali. Não é o caso nem de se culpar quem votou, não, porque os indicados todos já eram de um segmento muito pequeno da música. É triste, fiquei chateado.
Guilherme Azevedo – Isso não parece meio contraditório, num momento de abertura da mídia, do mundo?
Jarbas Agnelli – Acho que a MTV entendeu que o jovem de 15, 16 anos usa a Internet para ver clipe; não usa mais a tevê. Acho que esse foi um dos motivos. Hoje, tem YouTube, MySpace, Google Vídeo. Meus filhos só vêem vídeo na Internet. “Quero ver o vídeo do Foo Fighters.” Você não vai ficar esperando passar na tevê, você vai lá e vê na Internet, todos os vídeos do Foo Fighters. É muito mais fácil. Outra coisa é a mudança de perfil da emissora, mesmo. Hoje, grande parte da programação é feita de programas de auditório. Antigamente, a MTV era povoada por pensadores. A Cris Couto, Fábio Massari, Zeca Camargo, o Edgar [Edgar Piccoli], esses caras todos saíram. Sobrou só a Marina Person, que fala de cinema. A filosofia de pensar em música realmente mudou na MTV, não é mais um canal de música, apesar do nome.
Guilherme Azevedo – Você já produziu alguma coisa específica para a Internet?
Jarbas Agnelli – Por incrível que pareça, não. Sempre recebo esta pergunta. E a gente não faz muito, porque nosso tempo está sendo tomado com publicidade, o que é bom, porque o dinheiro está principalmente nisso. Eu não rejeito essa idéia, acho muito legal começar a fazer coisas alternativas. Acho legal virais, mas principalmente os virais que surgem espontaneamente, não os virais empresariais, que estão fingindo que estão entre a molecada. Acho a Internet fantástica, não canso de ficar abismado com os rumos que a Internet tem tomado. Porque é um espaço onde você pode fazer tudo.
Guilherme Azevedo – Você pensa em fazer um trabalho mais pessoal? Ficcional?
Jarbas Agnelli – Exatamente.
Guilherme Azevedo – Você é um cara que não faz ficção, não é? Tem um clipe da banda de vocês que tem uma narrativa ali.
Jarbas Agnelli – O clipe do Call My Name. Aliás, esse clipe virou meio um hit no YouTube. Já achei vários caras que passaram um para o outro, mas não no meio musical. Mais no meio de esoterismo.
Guilherme Azevedo – Porque tinha aquilo da projeção astral. Por que esse tema? É o tema do duplo, da pessoa que sai do próprio corpo e se observa...
Jarbas Agnelli – Esse é um dos outros interesses meus. Sempre gostei de explorar o inexplorado, os tabus, as coisas de que as pessoas falam: “Ah, tenho medo disso, não mexe com isso...”. Cheguei até a fazer curso disso.
Guilherme Azevedo – De projeção astral? Vidas passadas?
Jarbas Agnelli – De tudo. Já me meti com tudo. A minha infância toda foi com pais que não davam a mínima bola para a religião. Minha mãe era católica nada crente, e meu pai era ateu. Daí aconteceu uma série de coisas na vida do meu pai, ele conheceu o Chico Xavier [1910-2002, principal expoente do espiritismo no Brasil], quando morreu a mãe dele. Começou a fazer capas para o Chico, virou amigo dele e isso o mudou completamente. Passou a ir a centros espíritas e a procurar esses fenômenos e começou a me levar junto. A gente ia ver luzinha voando, voz. Para um adolescente, isso era fantástico. E, durante um grande período da minha vida, até a idade adulta, eu me considerava espírita. Eu nunca gostei de dogmas e, partir de certo momento, comecei a ver que o espiritismo era um dogma, por mais libertário ou evoluído que eles achassem que fossem, era um dogma como outro qualquer. Com certas leis, certas regras. Então me afastei. Mas, quando entrei nessa história de espiritismo, comecei a ver outras histórias que existiam, como projeção astral, regressão a vidas passadas, transcomunicação, que é você utilizar aparelhos para se comunicar com espíritos, televisão, rádio, tem uma vasta bibliografia sobre isso. É um mundo muito rico. E muito pouco explorado na mídia. Se um dia eu fizer um longa-metragem, acho que vai ser sobre reencarnação, espírito, sair do corpo.
Guilherme Azevedo – Além do espiritismo, do esoterismo, quais são as suas influências na vida, no cinema?
Jarbas Agnelli – Ficção científica. Lia muito Ray Bradbury [escritor norte-americano, autor do clássico Fahrenheit 451, sobre um mundo futurista dominado pela censura e o totalitarismo, que se transformou em filme de François Truffaut], Isaac Asimov [1920-1992, escritor nascido na Rússia, mas criado nos Estados Unidos, autor, entre outros, de Eu, Robô] na minha adolescência. Os filmes que realmente marcaram minha vida foram Star Wars, Blade Runner, Alien, Ridley Scott. Foram referências fortíssimas. Mas se você me perguntasse quais são meus cineastas ou atores prediletos, são os caras de comédia. Woody Allen, Peter Sellers [o ator inglês Peter Sellers, 1925-1980, famoso pela personagem Inspetor Clouseau], Jacques Tati [o diretor e ator francês Jacques Tati, autor de clássicos como Meu Tio e As Férias de Mr. Hulot¸1907-1982], Charles Chaplin [o diretor e ator inglês Charles Chaplin, de filmes como Luzes da Cidade, Luzes da Ribalta, Tempos Modernos, 1889-1977] são os caras de que eu realmente gosto. Eles conseguem colocar o humanismo, a coisa do ser humano, em filmes fantásticos.
Guilherme Azevedo – Com Chaplin, a gente ri e chora ao mesmo tempo.
Jarbas Agnelli – E é edificante. Faz uma piada e você sai um ser humano melhor daquilo.
Guilherme Azevedo – A gente está falando isso de tecnologia, humanidade. Então vamos falar da campanha recente da Credicard Citi, da coisa da lágrima... Como foi essa produção? Teve o uso de um novo software...
Jarbas Agnelli – É um software de 3D, pouquíssimo usado no Brasil, o Houdini. O nome do mágico [Harry Houdini, 1874-1926, considerado o melhor mágico da história dos Estados Unidos]. É um software “procedural”, matemático. Não é nada amigável. A gente utilizou dois franceses especializados [Christian Eduardo e Gerome Mortelecque] nesse software. Esse tipo de filme não é comum. A gente vê curtas de animação japoneses com esse tipo de abstração, filmes que têm uma plástica abstrata. É meio uma mistura de animação com biologia e matemática. A gente quis imprimir esse tipo de look. O briefing da criação era para que a gente fizesse um passeio que simbolizasse a criação de uma lágrima. Contar como um sentimento passeia pelo seu corpo. Mas a idéia era que não ficasse um filme da National Geographic ou do Discovery Channel, não é um passeio por dentro do corpo humano, com tubos, veias, músculos. Uma coisa mais simbólica, mais abstrata, mesmo, a criação de um sentimento. Fizemos uma coisa que lembrasse neurônios, lembrasse nervos. Mais para o final, entra num canal lacrimal e a gente começa a ver o corpo humano de verdade. Mas o comercial é um livre uso da linguagem do 3D para simbolizar coisas.
Guilherme Azevedo – Quais foram as referências para criar o filme?
Jarbas Agnelli – Além de referências de filmes do corpo humano da National Geographic e do Discovery Channel, usamos clipes e comerciais norte-americanos, aquele documentário Quem Somos Nós?. Isso já foi muito usado, cenas por entre os neurônios. O filme O Clube da Luta foi uma das referências. A apresentação do filme começa com um passeio que sai dos neurônios e vai pelo cano do revólver do cara. Juntamos todas essas referências e conseguimos fazer esse passeio, uma licença poética pelo corpo humano, sem ser muito literal, verdadeiro, fisiologicamente falando. O outro filme é um passeio parecido, mas acaba nas cordas vocais e sai pela boca, um sorriso. Como nasce uma risada. Nós criamos a trilha também, totalmente sinfônica, o Waldo compôs tudo no computador. E o Tomás Duque Estrada, que é meu braço direito, dividiu toda a parte do 3D. Depois juntamos todas as partes. É um processo muito complexo e bacana, a gente fica brincando de Hollywood. Tem todos os elementos de Hollywood, só que a gente usa isso para fazer 30 segundos. O processo de produção é idêntico. Mesmo porque tem que ser, as pessoas estão muito acostumadas a ver isso no cinema. Se você não fizer muito bem-feito, qualquer criança vai falar que está malfeito aquilo, que é falso. Tem que ter um nível de cuidado altíssimo. Principalmente por não ter milhões de dólares.
Guilherme Azevedo – O cliente entende que existe todo esse processo por trás?
Jarbas Agnelli – Mais ou menos. A gente às vezes ouve: “Ah, legal, mas vamos mudar isso daí. É para amanhã”. Essas coisas são comuns. Mas acho que, cada vez mais, os clientes estão entendendo como é que isso funciona. Graças ao cinema, ao DVD. Todo mundo vê making of hoje em dia. O que era uma coisa rara passou a ser comum, você assiste ao filme e, depois, ao making of. Serviu para educar os clientes, principalmente porque eles sabem que o processo é o mesmo.
Guilherme Azevedo– Você é um cara extremamente dedicado ao trabalho. A Semana, por exemplo, você fez no Carnaval de 2000, no maior feriado nacional. Hoje, sábado, você está trabalhando. Como que é essa sua dedicação ao trabalho? É realmente uma entrega?
Jarbas Agnelli – Eu consegui, nesses últimos anos, a utopia máxima do trabalho: fazer o que gosta, do jeito que gosta, quando gosta, onde gosta. Se você perguntar para a minha mulher, ela vai dizer que trabalho demais. Mas a verdade é que nem me sinto trabalhando, a maior parte do tempo. Tenho a sorte de poder dar o meu ritmo aos trabalhos, escolhendo os horários em que sou mais produtivo (e de ter uma equipe que acompanha meu ritmo). Durmo a manhã toda e trabalho de madrugada, porque funciona melhor para mim. Aperto o play quando o mundo à minha volta apertou o pause. Não me preocupo em saber em que dia da semana estamos. O mês tem 30 dias. Uso o que for preciso. Mesmo assim, me considero bem família, um pai que tem a guarda compartilhada dos filhos do ex-casamento e que realmente está para eles. Meus filhos adolescentes vivem no AD Studio, jogando, tocando instrumentos, fazendo rotoscopia [animação criada com imagens captadas inicialmente em vídeo] no After Effects ou trilhas sonoras com o Waldo (às vezes, nem contamos para a agência que aquela melodia incrível saiu da cabeça de um garoto de 16 anos). Com minha mulher, convivo na madrugada, em horários loucos nos quais ela, pelo bem ou pelo mal, acabou se adaptando. Sigo a tradição dos orientais. Se você tem que fazer alguma coisa, faça com prazer.
Guilherme Azevedo – Para encerrar, o que você sugere para um cara que está começando, que quer fazer comercial, que pode se inspirar em você?
Jarbas Agnelli – Meu conselho é para as pessoas experimentarem, mesmo, sem medo. Porque, hoje, os softwares que a gente usa todo mundo tem, Photoshop, After Effects. Se você pegar os anos oitenta, os anos noventa, tinha uma grande separação do que dava para você fazer em casa do que as produtoras faziam. Hoje todo mundo finaliza no After – e muito bem. Hollywood finaliza nele. Hoje, também se usam softwares caríssimos, mas, com os softwares que todo mundo tem, você chega a um resultado muito parecido. O diferencial é a criatividade, em como você vai usar aquilo. Talvez você não consiga fazer o melhor efeito, mas você vai dar uma volta e fazer uma coisa criativa. Uma coisa mais interessante. Então, experimente. Você consegue fazer música ao mesmo tempo em que está fazendo vídeo. Acho que as pessoas ficaram ou estão, principalmente os jovens, prostrados diante das possibilidades do computador. Vejo pelos meus filhos. O computador é uma janela para o mundo, você tem qualquer coisa ali, e eles passam noventa por cento do tempo no MSN Messenger e no Orkut. É como se fechassem as portas. Tem essa aqui, mas, se você tirar da frente, vai ver uma infinidade de sites e coisas interessantes que você pode aprender. Você pode ter aula de qualquer coisa no computador. Não só produzir. Aula on-line em Harvard, de cinema, de qualquer coisa. Falta isso nos jovens. “Ah, eu quero aprender não sei o que lá, faço um curso?” Ouço muito esse tipo de pergunta. Está na sua frente, desliga o Orkut que você vai aprender muita coisa.
(guilherme azevedo fez esta entrevista para o jornalirismo, que vai dando a cada número um puta bom exemplo ao mau exemplo de puta dado pela dita imprensa especializada em marketing e, vá lá, propaganda do brasil.
fiquei de postar os links para mais filmes do agnelli. em vez disso vou dar o endereço que leva a matéria extraida de lá, onde estão os links para filmes como lágrima e sorriso, do credicard, ou luau para kaiser, e ainda do clip para o rappa com a assinatura do jarbas. em troca da menor comodidade espero estar lhe dando a chance de conhecer, se ainda não conhece, de um bom local para se desligar do orkut e aprender muita coisa. desligue então já e vá pra lá: www.jornalirismo.com.br
quinta-feira, outubro 25, 2007
parte 04 - da série, leitura para a semana inteira, do brasil que inventou o "caixa-dois" das idéias
Geraldo Azevedo – E a explicação? Por que você quis acelerar o tempo ali?
Jarbas Agnelli – Eu sempre procurei modos alternativos de contar uma história. Acho que a publicidade precisa sempre procurar por isso. Você já está saturado de ver tantos comerciais parecidos. Como gosto muito de linguagens alternativas, procurei me aproximar, na cinematografia, no fazer do filme, da experimentação de todas as possibilidades. Gosto de animação, de massinha, de filmar em super-oito, de misturar tudo. A fotografia é uma das linguagens. Acho o perfil do AD Studio hoje o de um lugar onde se experimenta bastante. Principalmente num país onde a publicidade tem que procurar alternativas, não só para se comunicar de uma maneira diferente, mas também para viabilizar os filmes.
Geraldo Azevedo – Qual é hoje a dificuldade maior de fazer comerciais no Brasil?
Jarbas Agnelli – O AD Studio está numa fase melhor agora. Acho que é natural. Nesses cinco anos, a gente passou de uma produtora muito pequena, alternativa, para uma produtora mais sólida. A gente tem recebido roteiros bacanas, roteiros em que há mais verba, maior capacidade de produção, conforto maior. Ao mesmo tempo, a gente tem esse perfil alternativo. Então, a gente também é procurado para todo tipo de filme, que não tem verba ou precise de um efeito especial, mas o cliente ainda não entende isso direito, então não tem tanta verba, essa campanha não é a principal, é uma campanha mais louca que a gente inventou aqui. Temos sido muito procurados para sair do lugar-comum. Então tem de tudo. Tem aquele filme muito bacana, da Credicard Citi, com essa campanha de dois filmes que a gente fez [campanha de entretenimento, com os filmes Lágrima e Sorriso, veja abaixo], até um filme pequenininho, que a gente faz com o que dá para fazer, só fotografia, totalmente alternativo. Eu gosto muito disso, na verdade. Prefiro trabalhar no limite da grana e ter pouco lucro com um filme interessante do que realmente ganhar uma puta grana e fazer uma margarina da vida.
Geraldo Azevedo – Então, geralmente, quando vem muita grana, é porque tem pouca criatividade? Como é essa relação da verba com a liberdade de criar?
Jarbas Agnelli – Acho que, graças a Deus, graças a termos nos colocado no mercado com esse perfil, não recebemos muito esse tipo de filme. Aquele filme mais careta, mais convencional, que tem grandes verbas, mas que tem o cliente enchendo o saco em cima, porque está apostando tudo naquilo, tem que vender muito, tem que falar com todo o mundo. Não é o nosso perfil fazer esse tipo de filme, fazemos mais filmes alternativos. Mas temos recebido filmes alternativos que têm um pouquinho de lastro. E isso é muito bacana, porque a gente está mais sólido como produtora e está dando mais segurança para as agências.
Geraldo Azevedo – No Brasil, de modo geral, nos anos recentes, houve um processo crescente de abertura do mercado do cinema publicitário. A crescente importação de comerciais. O que era proibido, hoje se importa livre e totalmente. Troca-se apenas o pack shot [o fechamento do comercial, com a apresentação em destaque do produto] e a locução ou a trilha e vai para o ar. Na sua opinião, isso é legal?
Jarbas Agnelli – Isso faz parte dessa globalização, de o mundo estar ficando cada vez menor. Tem alinhamentos de agências com clientes, acho que é natural que a gente tenha alinhamentos de campanhas publicitárias, a adaptação para os países. Recentemente, fizemos um filme para a Nokia em que você podia mudar de canal. Tinha o mesmo comercial passando com a mesma música, em dois canais diferentes. Ia para o 41 e para o 42. Fizeram um também que tinha SAP: “Você quer ver esse comercial com outra música? Aperte o SAP”. Tinha uma outra música no mesmo comercial. Essa campanha, a gente fez aqui. A gente teve que usar imagens de fora, as imagens já vieram todas prontas. Além de fazer pack shot e realmente fazer o comercial, montar toda a história, mas isso não satisfaz muito, a gente teve a sorte de poder fazer as trilhas. Então, pelo menos, a gente conseguiu se satisfazer com um outro lado. Fizemos um rock bem legal. Isso é uma coisa inevitável, mas não acho o ideal.
Geraldo Azevedo – Você acha que deveria haver alguma restrição?
Jarbas Agnelli – A restrição é bem-vinda, sim. É necessária. Porque, senão, vira uma bagunça. Tem que, de alguma maneira, preservar o mercado, preservar as produtoras, preservar os profissionais que trabalham com isso. Não sou muito procurado para fazer esse tipo de filme, a gente é procurado para dar a nossa contribuição para as coisas. Claro que isso dá dinheiro [adaptação de filmes importados], mas o meu objetivo número 1 em publicidade não é ganhar dinheiro, é fazer coisas interessantes.
Geraldo Azevedo – Alguns têm dito que os argentinos estão fazendo melhores comerciais que os brasileiros. Que o Brasil teria parado nos anos oitenta. Qual é a sua opinião? O filme publicitário brasileiro perdeu ousadia e inventividade, mesmo?
Jarbas Agnelli – Alguns publicitários dizem que a Argentina é hoje o que o Brasil era nos anos oitenta. Tem a inventividade e a irreverência que tínhamos. E que isso nada tem a ver com dinheiro, já que eles também não dispõem de verbas milionárias. Eu tendo a concordar, sem saber exatamente como e por que isso aconteceu. Mas tenho alguns palpites. O primeiro, é claro, tem a ver com as crises pelas quais o Brasil passou. A publicidade absorveu essas crises, diminuindo de tamanho, achatando salários, fazendo as agências ficarem mais covardes e os clientes, mais caretas. Inundando a tevê com varejo. Mas, até aí, a Argentina também passou por crises, tão grandes ou maiores que as nossas. A Argentina produz melhor que nós? Talvez. Eles têm bons atores. E fazem um excelente cinema. Mas, acima disso tudo, me parece que os publicitários brasileiros estão cansados. Não de trabalhar, mas de tentar lutar por boas idéias, tentar convencer o cliente que a ousadia é o melhor caminho. E acho que isso é reflexo de algo tão profundo, que não dá para destilar em pouco tempo. É reflexo de um país onde tudo de errado acontece, na frente dos nossos narizes. E a sensação permanente de impotência é gravada em nossos cérebros, escândalo após escândalo. E isso é muito mais grave nos cérebros “pensantes”. Os brasileiros estão amortecidos. Mesmo os intelectuais. Os formadores de opinião. E, para piorar tudo, a classe publicitária brasileira inventou o seu “caixa-dois”. A caixa onde ficam as boas idéias, as idéias recusadas, ou as que nem se dão ao trabalho de levar para serem recusadas. Passam o ano frustrados, mas sabendo que, em março, essas idéias serão tiradas da caixa, desempoeiradas e levadas a Cannes, fazendo jus ao jeitinho brasileiro. Garoto que apanha em casa tende a bater nos outros na escola. O jeitinho brasileiro é isso. Anos apanhando dos militares, depois da democracia fajuta. E os publicitários brasileiros, como qualquer outro brasileiro, acharam o seu jeito de sobreviver à mediocridade geral da nação. Burlando alguma coisa. Fazendo vista grossa a alguma regra. Tirando alguma vantagem em um país onde só tira vantagem quem passa por cima da lei. Infelizmente, hoje vivemos a crise da crise, pois nem fantasmas têm trazido prêmios ao Brasil (pelo menos na área de filmes). E, para piorar ainda mais, olhamos para o lado e vemos nossos hermanos cheios de ouros na bagagem, com idéias simples e fresquinhas no rolo.
Geraldo Azevedo – Onde hoje, no mundo, se faz o melhor filme comercial publicitário? Por quê?
Jarbas Agnelli – Inglaterra. Além, obviamente, de terem bilhões de libras disponíveis, têm a cultura a seu favor. São excelentes contadores de história, e o público, em geral, tem aversão ao "compre isso", "faça aquilo". Não querem ser convencidos de algo, têm que ser iludidos de que não estão sendo convencidos a nada. E isso é a melhor coisa que pode acontecer com um job. Disso nascem campanhas como as da Stela Artois, Guiness ou Playstation, que você vai descobrir que não são curtas só porque têm um logo no final (pequeno e rápido, diga-se de passagem). Mesmo assim são totalmente pertinentes, vendem produtos aos milhões e abocanham os ouros que não conseguimos com nosso semivarejo covarde ou nosso "caixa-dois".
(amanhã, última parte, com mais filmes do jarbas para você ver ou rever)
Jarbas Agnelli – Eu sempre procurei modos alternativos de contar uma história. Acho que a publicidade precisa sempre procurar por isso. Você já está saturado de ver tantos comerciais parecidos. Como gosto muito de linguagens alternativas, procurei me aproximar, na cinematografia, no fazer do filme, da experimentação de todas as possibilidades. Gosto de animação, de massinha, de filmar em super-oito, de misturar tudo. A fotografia é uma das linguagens. Acho o perfil do AD Studio hoje o de um lugar onde se experimenta bastante. Principalmente num país onde a publicidade tem que procurar alternativas, não só para se comunicar de uma maneira diferente, mas também para viabilizar os filmes.
Geraldo Azevedo – Qual é hoje a dificuldade maior de fazer comerciais no Brasil?
Jarbas Agnelli – O AD Studio está numa fase melhor agora. Acho que é natural. Nesses cinco anos, a gente passou de uma produtora muito pequena, alternativa, para uma produtora mais sólida. A gente tem recebido roteiros bacanas, roteiros em que há mais verba, maior capacidade de produção, conforto maior. Ao mesmo tempo, a gente tem esse perfil alternativo. Então, a gente também é procurado para todo tipo de filme, que não tem verba ou precise de um efeito especial, mas o cliente ainda não entende isso direito, então não tem tanta verba, essa campanha não é a principal, é uma campanha mais louca que a gente inventou aqui. Temos sido muito procurados para sair do lugar-comum. Então tem de tudo. Tem aquele filme muito bacana, da Credicard Citi, com essa campanha de dois filmes que a gente fez [campanha de entretenimento, com os filmes Lágrima e Sorriso, veja abaixo], até um filme pequenininho, que a gente faz com o que dá para fazer, só fotografia, totalmente alternativo. Eu gosto muito disso, na verdade. Prefiro trabalhar no limite da grana e ter pouco lucro com um filme interessante do que realmente ganhar uma puta grana e fazer uma margarina da vida.
Geraldo Azevedo – Então, geralmente, quando vem muita grana, é porque tem pouca criatividade? Como é essa relação da verba com a liberdade de criar?
Jarbas Agnelli – Acho que, graças a Deus, graças a termos nos colocado no mercado com esse perfil, não recebemos muito esse tipo de filme. Aquele filme mais careta, mais convencional, que tem grandes verbas, mas que tem o cliente enchendo o saco em cima, porque está apostando tudo naquilo, tem que vender muito, tem que falar com todo o mundo. Não é o nosso perfil fazer esse tipo de filme, fazemos mais filmes alternativos. Mas temos recebido filmes alternativos que têm um pouquinho de lastro. E isso é muito bacana, porque a gente está mais sólido como produtora e está dando mais segurança para as agências.
Geraldo Azevedo – No Brasil, de modo geral, nos anos recentes, houve um processo crescente de abertura do mercado do cinema publicitário. A crescente importação de comerciais. O que era proibido, hoje se importa livre e totalmente. Troca-se apenas o pack shot [o fechamento do comercial, com a apresentação em destaque do produto] e a locução ou a trilha e vai para o ar. Na sua opinião, isso é legal?
Jarbas Agnelli – Isso faz parte dessa globalização, de o mundo estar ficando cada vez menor. Tem alinhamentos de agências com clientes, acho que é natural que a gente tenha alinhamentos de campanhas publicitárias, a adaptação para os países. Recentemente, fizemos um filme para a Nokia em que você podia mudar de canal. Tinha o mesmo comercial passando com a mesma música, em dois canais diferentes. Ia para o 41 e para o 42. Fizeram um também que tinha SAP: “Você quer ver esse comercial com outra música? Aperte o SAP”. Tinha uma outra música no mesmo comercial. Essa campanha, a gente fez aqui. A gente teve que usar imagens de fora, as imagens já vieram todas prontas. Além de fazer pack shot e realmente fazer o comercial, montar toda a história, mas isso não satisfaz muito, a gente teve a sorte de poder fazer as trilhas. Então, pelo menos, a gente conseguiu se satisfazer com um outro lado. Fizemos um rock bem legal. Isso é uma coisa inevitável, mas não acho o ideal.
Geraldo Azevedo – Você acha que deveria haver alguma restrição?
Jarbas Agnelli – A restrição é bem-vinda, sim. É necessária. Porque, senão, vira uma bagunça. Tem que, de alguma maneira, preservar o mercado, preservar as produtoras, preservar os profissionais que trabalham com isso. Não sou muito procurado para fazer esse tipo de filme, a gente é procurado para dar a nossa contribuição para as coisas. Claro que isso dá dinheiro [adaptação de filmes importados], mas o meu objetivo número 1 em publicidade não é ganhar dinheiro, é fazer coisas interessantes.
Geraldo Azevedo – Alguns têm dito que os argentinos estão fazendo melhores comerciais que os brasileiros. Que o Brasil teria parado nos anos oitenta. Qual é a sua opinião? O filme publicitário brasileiro perdeu ousadia e inventividade, mesmo?
Jarbas Agnelli – Alguns publicitários dizem que a Argentina é hoje o que o Brasil era nos anos oitenta. Tem a inventividade e a irreverência que tínhamos. E que isso nada tem a ver com dinheiro, já que eles também não dispõem de verbas milionárias. Eu tendo a concordar, sem saber exatamente como e por que isso aconteceu. Mas tenho alguns palpites. O primeiro, é claro, tem a ver com as crises pelas quais o Brasil passou. A publicidade absorveu essas crises, diminuindo de tamanho, achatando salários, fazendo as agências ficarem mais covardes e os clientes, mais caretas. Inundando a tevê com varejo. Mas, até aí, a Argentina também passou por crises, tão grandes ou maiores que as nossas. A Argentina produz melhor que nós? Talvez. Eles têm bons atores. E fazem um excelente cinema. Mas, acima disso tudo, me parece que os publicitários brasileiros estão cansados. Não de trabalhar, mas de tentar lutar por boas idéias, tentar convencer o cliente que a ousadia é o melhor caminho. E acho que isso é reflexo de algo tão profundo, que não dá para destilar em pouco tempo. É reflexo de um país onde tudo de errado acontece, na frente dos nossos narizes. E a sensação permanente de impotência é gravada em nossos cérebros, escândalo após escândalo. E isso é muito mais grave nos cérebros “pensantes”. Os brasileiros estão amortecidos. Mesmo os intelectuais. Os formadores de opinião. E, para piorar tudo, a classe publicitária brasileira inventou o seu “caixa-dois”. A caixa onde ficam as boas idéias, as idéias recusadas, ou as que nem se dão ao trabalho de levar para serem recusadas. Passam o ano frustrados, mas sabendo que, em março, essas idéias serão tiradas da caixa, desempoeiradas e levadas a Cannes, fazendo jus ao jeitinho brasileiro. Garoto que apanha em casa tende a bater nos outros na escola. O jeitinho brasileiro é isso. Anos apanhando dos militares, depois da democracia fajuta. E os publicitários brasileiros, como qualquer outro brasileiro, acharam o seu jeito de sobreviver à mediocridade geral da nação. Burlando alguma coisa. Fazendo vista grossa a alguma regra. Tirando alguma vantagem em um país onde só tira vantagem quem passa por cima da lei. Infelizmente, hoje vivemos a crise da crise, pois nem fantasmas têm trazido prêmios ao Brasil (pelo menos na área de filmes). E, para piorar ainda mais, olhamos para o lado e vemos nossos hermanos cheios de ouros na bagagem, com idéias simples e fresquinhas no rolo.
Geraldo Azevedo – Onde hoje, no mundo, se faz o melhor filme comercial publicitário? Por quê?
Jarbas Agnelli – Inglaterra. Além, obviamente, de terem bilhões de libras disponíveis, têm a cultura a seu favor. São excelentes contadores de história, e o público, em geral, tem aversão ao "compre isso", "faça aquilo". Não querem ser convencidos de algo, têm que ser iludidos de que não estão sendo convencidos a nada. E isso é a melhor coisa que pode acontecer com um job. Disso nascem campanhas como as da Stela Artois, Guiness ou Playstation, que você vai descobrir que não são curtas só porque têm um logo no final (pequeno e rápido, diga-se de passagem). Mesmo assim são totalmente pertinentes, vendem produtos aos milhões e abocanham os ouros que não conseguimos com nosso semivarejo covarde ou nosso "caixa-dois".
(amanhã, última parte, com mais filmes do jarbas para você ver ou rever)
quarta-feira, outubro 24, 2007
parte 03 - da série, leitura para a semana inteira, do brasil que inventou o "caixa-dois" das idéias
Guilherme Azevedo – Você falou que, em 1985, tinha ido para a DPZ. Você ficou quanto tempo lá?
Jarbas Agnelli – Dois anos e meio. Comecei como ilustrador e depois virei diretor de arte. Aí saí e fui para a agência de um amigo do meu pai, o Ênio...
Guilherme Azevedo – Ênio Mainardi?
Jarbas Agnelli – Não, esse não era muito amigo do meu pai, não. Meu pai brigou com ele [risos]. Era o Ênio Basílio. A agência se chamava GTMC. Era legal. Ganhei um prêmio lá, como diretor de arte.
Guilherme Azevedo – Foi o primeiro prêmio que você ganhou?
Jarbas Agnelli – Foi. Foi para o Clube de Criação [CCSP, Clube de Criação de São Paulo]. Um convite, para uma marca de roupa, de um desfile. A festa ia ser comida japonesa. Fiz um título: “Venha ver com quantos pauzinhos se faz um desfile”. E dava um par de pauzinhos japoneses, hashi. Foi o único prêmio dessa agência no Anuário [Anuário do Clube de Criação de São Paulo, publicação que reúne os trabalhos premiados em cada ano]. Eles ficaram superfelizes, eu também estava superfeliz lá. Só que eu tinha levado seis meses antes a pasta na W/ [W/Brasil]. Falei com o Gabriel [o diretor de arte Gabriel Zellmeister, um dos sócios da agência], mas ficou por isso mesmo. Então, estava lá na GTMC, o Gábi me ligou e falou: “Vem aqui conversar comigo”. “Quer que leve a pasta de novo?”, perguntei. “Não, não precisa, lembro de você”, respondeu. Fui lá e o cara: “E aí, quando você começa?”. Entrei na W/. Saí da GTMC, os caras ficaram mal.
Guilherme Azevedo – Em que ano você foi para a W/?
Jarbas Agnelli – Em 1988.
Guilherme Azevedo – Aí viriam 13 anos de W/Brasil. Como foi essa temporada lá, você chegou num momento em que a agência...
Jarbas Agnelli – ... estava bombando. A agência estava no auge dos prêmios, Cannes, O Primeiro Sutiã [comercial para a Valisère], Hitler [comercial criado para a Folha de S.Paulo]. Caí num outro mundo. Eu estava, até então, na DPZ, que era uma agência cool, depois saí para a GTMC, que era pequena, e entrei no auge da propaganda. E com os profissionais mais incríveis. Digo que meu aprendizado foi dividido em dois: de quando nasci até começar a trabalhar com meu pai; depois vieram o Washington [Washington Olivetto] e o Gabriel. Esses 13 anos foram outra aula de propaganda.
Guilherme Azevedo – Qual foi o principal aprendizado desse período?
Jarbas Agnelli – Meu pai sempre me ensinou a ver as coisas criativamente. Se você está olhando muito para esse negócio e não tem nenhuma idéia, vire tudo de ponta-cabeça, inverta tudo, que você vai ver de um outro jeito. Isso é uma coisa de que me lembro sempre dele. Ele foi sempre um cara que quebrava as regras para conseguir fazer coisas legais, coisas interessantes. Da W/, aprendi um monte de coisas de publicidade, mas acho que o maior legado da W/ é meio o espírito que o Washington montou: de confiança nas pessoas, de trabalhar sempre com um grupo de pessoas que você conhece e confia, o jeito de tratar as pessoas, a ética na propaganda.
Guilherme Azevedo – Qual era esse jeito, essa ética? Especifique.
Jarbas Agnelli – Agora, que sou um cara que trabalha com todas as agências, antes eu estava dentro daquele universo, agora tenho um distanciamento, posso dizer: é algo raro, é um profissionalismo, realmente; não deixar as coisas se misturarem, tratar bem as pessoas, tratar bem as pessoas numa reunião. Tem toda essa função da propaganda, do publicitário. O Washington tem essa filosofia de trabalho que sempre admirei. Não só dele, a do Gabriel também. Principalmente porque eu trabalhei com o Washington agora, ele veio no AD Studio recentemente, pela primeira vez desde que eu comecei aqui. A gente começou em 2001, oficialmente foi 2002, tem cinco anos de abertura. Fiz alguns filmes para a W/Brasil, mas tinha perdido o contato com o Washington. Tinha meio que esquecido como é o Washington numa reunião. Como é tratar com ele. Foi muito legal. Sentia saudades desse processo que é trabalhar com ele. Que o cara é muito profissional, mesmo, além de ser muito talentoso, além de saber o que dizer na hora certa. De saber resolver uma coisa numa reunião, numa hora crítica, quando está todo o mundo embolado, como desemaranhar, quando começa um monte de gente a falar, e um monte de gente de várias áreas, quando todo o mundo fica meio perdido, o cara tem aquele papel centralizador, esclarecedor, que faz com que a campanha deslanche: “Vamos deixar o pessoal da produtora trabalhar, eles sabem o que estão fazendo”. Ele deixa as coisas claras. Como eu acho que eram antes, nos anos oitenta, nos anos setenta. Cada um com seu papel: o marketing tinha seu papel, o atendimento tinha seu papel, cada um fazia seu papel, e grandes campanhas saíam. Agora as coisas estão um pouco mais embaçadas. As coisas são mais enroladas, eu diria. Não só o Washington e o Gabriel, claro. Quando eu entrei lá, sentei para fazer dupla com o Nizan [Nizan Guanaes, hoje dono da agência Africa], para você ter uma idéia. Eu mal começando na publicidade. Estava lá a Camila Franco, Tomás Lorente, Marcelo Pires, o Ruy Lindenbergh chegou logo depois, um monte de gente da pesada. Foi uma tremenda aula para mim, fazia dupla aqui, dupla ali, a Camila me chamava, fazia um trabalho ali. Acho que dei sorte também. Claro que eu trabalhei direito. O primeiro anúncio que fiz ganhou ouro no Clube de Criação, que foi o anúncio do “Jô Soares Onze e Meia” [nome antigo do programa de entrevistas do Jô Soares]. Ele estava com o capacete do Dart Wader [personagem maligno da série do cinema Star Wars]. Foi 1988. A gente tinha a conta do SBT e saía anúncio toda semana, saía anúncio a rodo. O programa do Jô era só sexta-feira, e a Globo colocou no mesmo dia o filme Star Wars para bater nele, e o Jô bateu no Star Wars. Na semana seguinte, resolveram colocar o programa todos os dias da semana, passou a ser diário. Daí a gente fez um anúncio assim: “O Império vai ter que contra-atacar todos os dias da semana”. E o Jô Soares, com camiseta de Dart Wader, todo de preto, um Dart Wader gordo. O redator foi o Nizan. Comecei com o pé direito: meti um ouro no Anuário e todo mundo lá na W/ começou a me olhar com outros olhos. Era ainda W/GGK [o embrião do que viria a ser a W/Brasil, quando Washington rompeu o acordo com os suíços da GGK]. Conquistei um espaço interessante lá dentro por ser um cara meio nerd. Nunca fui nerd, na verdade, sempre fui muito interessado por tecnologia. Quando começou essa história [de informatização], acho que foi 1990, 1991, eu já grudei no Burti [Luciano Burti, dono da principal gráfica do Brasil, a Burti]: “Quero aprender esse negócio”. Então o primeiro computador que chegou na W/ chegou para mim. Foi um dos primeiros computadores na publicidade, quando a Burti começou a colocar Macintoshs nas agências. Daí, todo upgrade vinha para a minha mesa. Comecei a ir testar lá na Burti, ia todos os dias, testar os prints [as impressões].
Guilherme Azevedo – Isso por conta de quê? Por que você gostava mesmo? Era a nova geração da agência?
Jarbas Agnelli – Eu achava interessantíssimo. Eu já tinha computador, na verdade, desde 1983. Um Comodoro 64. Depois um Amiga 1040, que era um computador bem legal. Quando começou o Mac, eu pirei. Era uma coisa de doido poder misturar tudo. Logo comprei um para mim também, um Mac CI. E já ficava fazendo coisa em casa. Passei a música para o computador, comecei a comprar placa de vídeo. Estas coisas todas que eu estava fazendo em casa levava para a agência: “Olha o que eu consegui fazer!”. Levava para o Gábi, ele sempre foi superinteressado. Então fiquei visto como aquele cara que está na vanguarda, que vai experimentar. Desde aquela época, os filmes que tinham alguma chance de ser feitos de uma maneira alternativa acabavam parando na minha mão.
Guilherme Azevedo – Era só Photoshop essa época?
Jarbas Agnelli – Era Photoshop tudo. Mas já nessa época eu estava fazendo filme. Meu primeiro comercial, fiz para camisinhas Ola!. Um filme que tinha uns espermatozóides andando, um animação, com uma musiquinha [Jarbas cantarola uma música típica de cavalaria]. Aí eles brecam e vem um assim, na direção contrária, fala: “É Ola!, pessoal!”. Aí todos olham, viram e voltam. Esse filme saiu na Archive [a revista Lurzer´s Archive, a publicação de propaganda mais prestigiada do mundo], ganhou Anuário [do Clube de Criação de São Paulo].
Guilherme Azevedo – Já era W/Brasil ou ainda W/GGK?
Jarbas Agnelli – Era já W/Brasil. Foi 1990 e pouquinhos. Com esse filme, eu vi que dava para fazer coisa no computador. Foi um filme que fiz no Photoshop, desenhando todos os frames [quadro a quadro], e usei um programa, acho que foi o Director, um programa supersimples. Depois, fiz outro filme para O Boticário, Dreams, que eram uns homens voando e uma mulher cantando em francês. Entrou no Anuário também.
Guilherme Azevedo – Você começou a fazer comercial no seu computador. E não tinha uma finalizadora? Mandar para uma finalizadora depois?
Jarbas Agnelli – Quando eu comecei a brincar disso, uns amigos começaram a brincar também, o pessoal da Trattoria de Frame, produtora. Eles começaram na paralela. E, infelizmente, já fechou. Então eu fui meio que finalizando com eles, fazia em casa, levava lá para finalizar, tinha que sair uma beta [fita beta, para poder ser televisionada depois]. O produto final continuava a ser uma fita. O bacana disse é que eu comecei a fazer as trilhas também. Fiz um monte para a Folha de S.Paulo. Comecei a fazer remixes para o Washington usar. A gente fez uma campanha da Triton, “De quem é esse jegue?”, eu que fiz os remixes para a Conspiração [a produtora Conspiração Filmes]. Tinha outro que era da cobra, “Sobe, cobra...”. Foi uma época em que o Washington começou a pegar coisas populares, pegou Rider e começou a trocar as pessoas, o Lulu Santos para cantar música do Tim Maia. Comecei a ver se conseguia me infiltrar nessa história da música. Acho que dei sorte por estar também numa agência muito musical. O Washington tem uma visão musical. Ele é superamigo do André Midani, que era presidente da Warner. Todo dia o Washington trazia alguma coisa e chamava todo o mundo para ouvir: “Criação toda, vem ouvir isso aqui, olha o que eu consegui...”. E botava uma música para todo o mundo ouvir. Essa coisa incentivou também meu lado musical publicitário.
Guilherme Azevedo – Essa transição que viria depois em sua vida, para o AD Studio, começou praticamente ali.
Jarbas Agnelli – As sementes estavam todas lá. Eu olho bastante para trás para ver onde começou essa coisa de querer fazer filme e música ao mesmo tempo. Tenho um tio, o Carlos Vecchio, que tinha uma empresa de audiovisual nos anos setenta. E eu “morava” lá dentro. Adorava. E o que ele fazia é basicamente o que eu faço hoje, até comentei com ele outro dia. Pegava slides, ficava com dois projetores, projetando com um disolve no meio, para fazer uma fusão entre um e outro e com trilha. Ele produzia essas trilhas com disco e eu o ajudava a fazer isso. Hoje, muitos filmes não são nada mais do que eram os slides antes. Um motion design [técnica de dar movimento a imagens estáticas], só que tudo animado. Elementos gráficos animados, 3D , mas basicamente é uma animação com música. O videoclipe também é basicamente isso.
Guilherme Azevedo – O comercial A Semana, para a revista Época, que você fez a direção, foi quando mesmo?
Jarbas Agnelli – Foi em 2000, no Carnaval de 2000.
Guilherme Azevedo – Como foi o processo de criação desse comercial? A sua participação?
Jarbas Agnelli – Esse comercial, eu fiz com o Alexandre Machado [redator]. A partir de 1996, 1997, eu fazia dupla com a Tetê Machado e com o Alexandre Machado. Os dois redatores. A gente fez um monte de coisa bacana. O Alexandre escreveu o texto.
Guilherme Azevedo – Como é que foi a pesquisa?
Jarbas Agnelli – Era um comercial sem briefing [sem um pedido específico de criação do cliente para a agência]. Tinha um briefing teórico, que era conseguir passar a coisa da periodicidade da revista e o leque de abrangência dos assuntos para as pessoas. O que acontece nesse período de sete dias. O Alexandre escreveu o texto e falou: “A gente tem que fazer um filme do cacete com isso aqui. Pensa no que a gente pode fazer”. Era logo antes do Carnaval, e eu usei o Carnaval inteiro. Fui para casa, escaneei um milhão de fotografias e trouxe o filme pronto. Com a trilha.
Guilherme Azevedo– Chegou o filme para você, e como foi que você definiu a técnica? Antigamente, aquele tipo de processo se chamava table top [a câmera se movia sobre materiais estáticos, geralmente fotos, recortes de jornais, para dar uma sensação de movimento].
Jarbas Agnelli – Hoje a gente chama de motion design. Table top, porque eram fotos colocadas numa mesa de luz, então tinha algum movimento de câmera, para lá e para cá. Hoje a gente faz isso tudo no computador. O filme é realmente muito simples. Eu tinha aquelas frases dele, que eram quase sempre meio antagônicas, comparações de estilos de vida, o pobre, o rico. Daí achei que ficaria bacana fazer isso atemporal, o mais atemporal possível. Por isso fui atrás de fotos clássicas, tirar a cor, fazer só no preto-e-branco. Já li em algum lugar que a cor distrai, e o preto-e-branco tem mais a capacidade de fazer você focar na emoção daquele momento. Eu também acho que a cor tira o foco. Mas o objetivo principal foi fazer uma coisa meio atemporal, que você não soubesse que aquela foto é de hoje, ou dos anos cinqüenta, ou dos anos vinte. Que poderia ter acontecido em qualquer época, porque a gente estava falando da humanidade, do ser humano, das emoções. Escaneei só fotos famosas, Sebastião Salgado etc. Uma das minhas preocupações era essa: porque eram fotos impossíveis de comprar. O filme foi superaprovado e a gente falou: “E agora? Como vamos fazer isso?”. Só voltando um pouquinho: eu montei o esqueleto e pensei num jeito de falar aquilo tudo, porque é um texto enorme. Comecei tentando fazer um texto falado, um locutor, e ficou totalmente comercial, chato de ouvir. Tentei fazer cantado, ficou totalmente brega. Então lembrei dos anos setenta, de coisas que eu gostava, Electric Light Orchestra [banda de rock inglesa, também conhecida por suas iniciais, ELO], que usava muito vocoder, o Kraftwerk [banda alemã de música eletrônica]. Eu sempre gostei muito do vocoder, que é aquela voz sintetizada, meio de robô, você pega um microfone e canta ou fala alguma coisa, só que o tom da sua voz quem dá é o sintetizador. Achei que isso podia ficar no meio do caminho, porque o vocoder também é uma coisa meio nostálgica e ao mesmo tempo moderna. Hoje bandas continuam usando vocoder. Aí pensei: “Vou usar um vocoder nessa locução, porque nunca vi uma locução de filme com vocoder. Acho que vai dar mais uma estranheza para o filme”. Acho que tem que abrir um parêntese: o que quer que fosse feito, o texto do Alexandre Machado era excelente. Era um princípio excepcional. Eu consegui não estragar o texto dele. O que ele estava falando era perfeito para aquele job. E a trilha ficou muito boa, só acrescentou.
Guilherme Azevedo– Essa coisa do vocoder. Ficou uma voz metálica, meio robô, uma voz impessoal praticamente ou até divina. Parece uma voz meio atemporal também, voz de um criador...
Jarbas Agnelli – Talvez. Mas acho que, no universo das pessoas, elas lembram de coisas dos anos setenta. As referências que você tem, quando ouve um vocoder, vão para os anos setenta, do Kraftwerk, aquelas bandas alemãs, e ao mesmo tempo vão para o futuro, porque continuam usando vocoder. Então ficou meio atemporal, porque as pessoas não conseguem localizar muito. Não conseguiram encaixar num rótulo. E isso fez bem para o filme, já que ele era todo estranho desde o princípio. Ele tem três minutos, já é estranho daí, e eu quis manter essa estranheza e continuar nos formatos estranhos para a publicidade. Acho que isso tudo casou. Digo que esse filme é meio uma conjunção de planetas. O texto, as imagens, o prazo, o cliente, a agência – o Washington ter conseguido vender superbem o filme –, a Globo – quem estava na Globo, nessa época, aceitou superbem. A gente não mexeu em nada no filme, ele foi para o ar do jeito que estava. O cliente não alterou nenhuma frase, nenhuma foto. E eles ainda quiseram colocar um filme de três minutos no “Fantástico”.
Guilherme Azevedo – Fala um pouquinho da trilha. Você se baseou em quê?
Jarbas Agnelli – O Alexandre Machado queria que eu usasse Pink Floyd. E eu usei. A base daquela trilha, se você for ver, o baixo e a bateria são da música “Us and Them”, do disco Dark Side of the Moon, do Pink Floyd [ele cantarola, imitando o som de um baixo]. São três notas. Claro que ninguém reconhece o Pink Floyd naquela trilha, mas tem uma coisinha meio anos setenta, meio rock progressivo. A parte mais difícil foi depois que o filme tinha sido aprovado. Porque, aí, a gente tinha que fazer o filme. O filme foi todo refeito do zero. Só que a gente tinha uma semana para fazer isso, porque o filme tinha que entrar no ar e tinha que ir para Cannes também. E essa parte, acho, foi mais um planeta que encaixou, que deu certo, quando poderia não ter dado. Peguei o Márcio Scavone e o Miro, que são dois puta fotógrafos, e cada um saiu feito louco, porque, em dois dias, tinham que fotografar tudo.
Guilherme Azevedo – Ah, foi tudo produzido. Aquelas imagens, do Sebastião Salgado, tinham que ser substituídas...
Jarbas Agnelli – Do Sebastião Salgado tinha uma foto de uma velha. Falei para o Miro: “Vai para o Nordeste, vai fotografar pessoas sofridas, gente pobre, o pescador sofrido saindo da casa dele....”. O Miro foi lá e fez umas fotos espetaculares. O Scavone ficou com coisas mais estéticas, mais plásticas. Aí eles chegaram com as fotos todas, escaneei, escolhi com eles. O que eu não consegui fotografar com eles, a gente usou de stock shot [compradas de bancos de imagens], mas deve ser apenas um terço. Os outros dois terços são de fotos tiradas por eles mesmos. E ficou melhor, foi o milagre, ficou mais legal do que estava antes, nos layouts.
Guilherme Azevedo– E como foi o processo de produção do material, mesmo?
Jarbas Agnelli – Levei tudo para casa, retoquei tudo, substituí tudo, porque os movimentos foram diferentes, porque as fotos mudavam. Um saía da cara, ia para cá, ia para lá...
Guilherme Azevedo– Você foi uma produtora completa.
Jarbas Agnelli – É, fiz o papel de uma produtora inteira. Acabei fazendo todas as etapas. Não que o filme fosse muito complexo, tem uma simplicidade, mas tem muito detalhe, e é muito longo. Fiquei várias noites sem dormir.
Guilherme Azevedo – E depois de toda a repercussão do filme, depois dos prêmios, a sua vida teve uma virada?
Jarbas Agnelli – A princípio, não. Minha vida continuou como era. Ganhei o Grand Clio de 2001 [O Clio, de Nova York, é um dos principais prêmios da propaganda mundial; o Gran Clio é o prêmio máximo], que foi o único Grand Prix [grande prêmio] de filme que o Brasil ganhou lá fora. Um negócio impressionante. Foi um trabalho que fez o Washington [Olivetto] voltar a inscrever em prêmios, porque a W/ estava meio desencantada com isso nessa época, por causa daquele começo da história de fantasmas em Cannes [propaganda fantasma: propaganda criada exclusivamente para festivais, ficcional, sem briefing, sem orçamento, sem um problema de comunicação, com veiculação nula ou restrita, apenas para se dizer que o anúncio publicitário teve veiculação]. O Washington foi, inclusive, quem inventou o termo fantasma. O filme também ganhou Leão de Ouro em Cannes. Foi candidato ao Grand Prix, era o Marcello Serpa o presidente do júri, juntamente com o Whassup [campanha para a cerveja Budweiser], mas sem chance. O Whassup era uma campanha mundial, conhecida, e foi sensacional ser candidato a Grand Prix. Mas minha vida não mudou depois disso. Na minha cabeça, talvez estivesse mudando. Falei: “É isso que eu quero fazer para o resto da minha vida: produzir as coisas que eu penso”. Meu grande dilema, nessa época, era o de passar a ser um braço e deixar de ser um cérebro. Não gostava da possibilidade de virar um cara que produz, que só faz, que só tem que fazer coisas de que não goste, coisas com as quais não concorde, ou que não tenha espaço para a opinião. Esse era um dos motivos pelos quais eu ainda resistia a sair de uma agência e virar uma produtora. Outro motivo, claro, era que não tinha nenhuma perspectiva de sócio. Não tinha uma saída mental para virar uma produtora um dia. Daí comecei a tomar contato com a turma da Non Sentimental Film, que acabou ficando sócio da turma da Sentimental Filme. Eles eram alemães e queriam investir numa firma no Brasil. Queriam investir e ficar donos de 51%, e eu embarquei nessa, porque eles davam uma grana para começar. Comecei a negociação com os caras, ao mesmo tempo em que o pessoal da Sentimental. Teoricamente, era para ficar embaixo desse guarda-chuva deles. Isso foi basicamente o que me fez apressar minha saída da W/Brasil. Até foi numa época totalmente imprópria, que era a época em que o Washington estava seqüestrado [Washington esteve seqüestrado por 53 dias, de 11 de dezembro de 2001 a 2 de fevereiro de 2002]. Era a última hora em que eu gostaria de sair, mas os caras fizeram uma superpressão da Alemanha. E considero que, se não tivesse essa pressão, talvez eu não tivesse o AD Studio hoje, porque foi ela que me fez sair. Quando saí e a gente continuou com as negociações, vi que ia ser uma roubada incrível, porque não estavam querendo investir o que eu queria. Iam realmente ficar com os 51%, iam ter opinião sobre a minha empresa e eu caí fora, mas já estava fora da W/Brasil.
Guilherme Azevedo – Você fechou com eles e depois voltou atrás?
Jarbas Agnelli – Tinha fechado na teoria. Eles falaram: “Primeiro você sai, para depois a gente assinar”. Também queriam ver se eu ia mesmo sair da W/Brasil. Aí desisti, mas já estava na rua. Comecei o AD Studio com a garra e a coragem.
Guilherme Azevedo– Você pediu demissão da W/Brasil e saiu com uma grana?
Jarbas Agnelli – Exatamente. Consegui sair com uma grana, uma graninha, não é? Tinha uma grana muito curta, se eu não tivesse filme logo, ia ter que voltar para a publicidade. Essa foi uma época, na W/Brasil, em que todo o mundo da minha geração já tinha saído. A Tetê Pacheco já tinha saído, o Alexandre Machado também, o Marcelo Pires. Eu era meio que “o último dos moicanos”.
Guilherme Azevedo – Você se sentia assim mesmo?
Jarbas Agnelli – Era uma virada de salários também. Eu era o último grande salário que tinha na criação. A publicidade toda estava se adaptando a uma nova realidade. Estava em crise, sempre está, mas acho que, naquela época, estava pior. E minha saída não foi difícil assim. O Gabriel entendeu que o que eu estava fazendo era meio um caminho natural. Ele sempre entendeu minha cabeça, de tentar procurar coisas novas. Acho que dei sorte também nisso, porque, logo que saí, peguei uma campanha da W/ com o Rondon [o redator Rondon Fernandes] e o Peralta [o redator Alexandre Peralta]. Criei com eles, que era aquela campanha da FNAC, com mãos mexendo nos CDs, nos DVDs. A campanha foi premiada, ganhou Leão de Prata, ganhou Clio de Ouro, e isso viabilizou o meu começo. Foi um trabalho que me manteve ligado à W/Brasil de uma outra maneira. O que achei interessante é que outras agências começaram a me chamar para fazer jobs, sempre me vendo como um criador, como um parceiro.
Guilherme Azevedo – Como era o processo de trabalho? Os caras chegavam com um comercial para você fazer com o roteiro todo pronto?
Jarbas Agnelli – O trabalho varia de roteiro para roteiro. Tem roteiros muito fechados, tem roteiros abertos, como o de um filme que gosto muito, que a gente fez para a Visa, do Ruy Lindenberg, chama-se Minuto. Foi em 2004, que é uma história em preto-e-branco, “o que você vai fazer com um minuto da sua vida”. Esse filme veio só com o texto. O Ruy não me deu nenhuma idéia do que queria fazer no comercial. Falou: “Pensa em alguma coisa”. E o processo foi até meio parecido com o do filme A Semana. Eu fui lá, escaneei fotos, fiz um “monstro”, mostrei para eles.
Guilherme Azevedo – Se você pegar os dois comerciais, eles têm coisas em comum, além do tratamento em preto-e-branco. A campanha de Visa tem o tema do tempo bastante explícito. O da Época, também, da semana e tal. Esse tema parece que procurou você ou foi você que procurou por ele? O tempo tem uma importância especial para você?
Jarbas Agnelli – O tempo é uma coisa que me fascina. Gosto muito, e gosto muito dos extremos do tempo. Gosto muito de slow motion [câmera lenta], você vai achar vários filmes meus com muito slow motion. E gosto muito também da aceleração do tempo. São outras dimensões do tempo, talvez, outras visões que a gente tem sobre o tempo. Na campanha de Kaiser, [campanha “Viva!”, dos filmes Luau, Escondida e Cantada Ruim, de 2006] tem tempo acelerado. Claro que, quando a campanha chega, eu imprimo alguma coisa que tenha a ver comigo. A campanha de Kaiser, teoricamente, não era para ser em time-lapse [tempo acelerado]. Eu que sugeri que a gente fizesse com fotografias.
Veja o comercial A Semana, dirigido por Jarbas para a revista Época: www.youtube.com/watch?v=KU7pUs2opis&eurl=http://www.jornalirismo.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=225
(continua amanhã)
terça-feira, outubro 23, 2007
parte 02 - da série, leitura para a semana inteira, do brasil que inventou o "caixa-dois" das idéias
Guilherme Azevedo – Gostaria que você contasse um pouco da sua trajetória. Onde nasceu? Onde estudou?
Jarbas Agnelli – Nasci em São Paulo. Fiz publicidade na ECA (Escola de Comunicação e Artes) da USP (Universidade de São Paulo), mas não me formei.
Guilherme Azevedo – Em que ano você parou?
Jarbas Agnelli – No terceiro. Meu problema é ter pai publicitário. Meu pai é o Laerte Agnelli, não sei se você conhece [Laerte Agnelli é um dos grandes diretores de arte do Brasil; foi um dos participantes ativos da virada criativa na propaganda brasileira, a partir dos anos sessenta; é também ilustrador e pintor]. Meu pai sempre deu aula de publicidade para mim. Eu cresci com aula de publicidade, dentro das agências. Então, a gente já tinha meio tudo aquilo na cabeça, e a USP foi meio decepcionante para mim. Acadêmica demais. Meu pai também sempre estimulou: “Sai dessa faculdade, vamos lá fazer estágio”. Aí, na primeira chance que tive, saí, fui fazer estágio e, a partir daí, não parei mais.
Guilherme Azevedo – Estágio na área de propaganda, mesmo?
Jarbas Agnelli – Fiz estágio na MPM, que ele [o pai, Laerte] estava lá, na época. Mas eu já tinha sido meio que treinado para ser um diretor de arte à anos setenta, oitenta. Que é um cara que desenha. Minha carreira começou como ilustrador, ecoline, bico de pena... Nos anos oitenta, 1984, quando comecei...
Guilherme Azevedo – Já era a virada da informática, não é?
Jarbas Agnelli – Mas ainda tinha isso [técnicas mais manuais de ilustração e direção de arte]. Comecei na MPM com ecoline e tal. Depois passei para a DPZ como assistente de arte e passei a ser diretor de arte lá. Daí começou aquela transição: ninguém mais mexia em tinta. Começou com xérox, xérox para cá, xérox para lá. E, lá para noventa e poucos, entrou o computador. E eu fui sempre um cara com paixão pela tecnologia. De todos os tipos. Quando eu tinha 12 anos, ficava gravando em cassete, rolo, fazendo mixagem para festa, pensando no que eu ia projetar com slide. Então, quando surgiu o computador, foi muito natural, foi o caminho.
Guilherme Azevedo – E como era trabalhar no mesmo lugar que seu pai, ter a mesma profissão dele?
Jarbas Agnelli – Era tranqüilo. Meu pai era super-respeitado na MPM. É respeitado até hoje. Era um cara que já tinha trabalhado em todas as agências. Meu trabalhou na Thompson [JW Thompson], Almap, quando ela era Alcântara Machado, na Salles, diversas vezes. Então ele conhecia todo o mundo no mercado. Mas foi bom que eu tenha começado como ilustrador, mesmo. Se tivesse começado como assistente de arte ou como assistente de diretor de arte, alguma coisa mais próxima da criação, talvez fosse mais chato, mais complicado. Então, eu não estava muito perto dele.
Guilherme Azevedo – Você trabalhava dentro do estúdio?
Jarbas Agnelli – Dentro do estúdio, com a moçada lá dentro. Aí acabei indo para uma dupla que era de merchandising. Comecei meio que a brincar de criar lá dentro, mas só ilustrando. Foi um começo meio técnico. E foi bom, porque andei com as próprias pernas, fiz a minha pasta e acabei chegando à DPZ sem nenhum tipo de ajuda dele.
Guilherme Azevedo – Você foi para a DPZ em que ano?
Jarbas Agnelli – Em 1985. O começo, eu devo todo ao meu pai porque ele me ensinou tudo: “Não, tira isso aqui da pasta, põe aquilo...”. Eu não me senti assim: “Ah, tenho um pistolão”. Foi legal, ele deu uma ajuda: “Entra aqui; mas, a partir daí, é com você”. Foi bacana.
Guilherme Azevedo – E de infância? Seu pai ensinava você a desenhar? Como deu o estalo de seguir a carreira?
Jarbas Agnelli – Minha adolescência foi uma aula de publicidade, como disse. Era o tempo inteiro. Meu pai deixava bilhetes na geladeira: “Desenhe mãos”. Tinha exercícios, blocos de exercícios: “Pegue este anúncio, deixe o título e mude a imagem”. O tempo inteiro era isso. Uma programação mesmo para a gente ir para a publicidade. Não tinha nenhuma chance de tentar ser outra coisa. Mas eu sempre gostei, foi tranqüilo. Só quando comecei a ensaiar, a querer ser músico, que eu deixei o “velho” preocupado. Estava na DPZ e deixei-o de cabelo em pé.
Guilherme Azevedo – Que banda?
Jarbas Agnelli – Chamava-se Avenida Paulista. De rock. Que era, inclusive, com o Waldo [Waldo Denuzzo, sócio de Jarbas no AD Studio]. Eu o conheço desde 1980. Era um rockinho assim... Chegou até a tocar na rádio.
Guilherme Azevedo – Você compunha?
Jarbas Agnelli – A gente compunha. Eu era tecladista. Era uma banda pop, bateria, baixo, guitarra. Existia um hit: Londres não é tão longe. Tocou no rádio. Era 1989. Eu não tinha muita esperança de virar músico ou de abandonar a publicidade. Ao mesmo tempo, nunca pensei em desistir da música. Só vinte anos depois, iria achar um jeito, que é o AD do jeito que ele é, de juntar as duas coisas. A música sempre esteve meio na paralela na minha vida. Sempre dei muita importância à música e ao papel da música na publicidade. A gente tem a banda [a banda AD, de música eletrônica, com Waldo Denuzzo]. Em 2000, a gente lançou disco. A música como música é superimportante para a gente. Mas a música, na minha vida, está mais na publicidade, mesmo.
(continua amanhã, entrevista publicada no jornalirismo)
Jarbas Agnelli – Nasci em São Paulo. Fiz publicidade na ECA (Escola de Comunicação e Artes) da USP (Universidade de São Paulo), mas não me formei.
Guilherme Azevedo – Em que ano você parou?
Jarbas Agnelli – No terceiro. Meu problema é ter pai publicitário. Meu pai é o Laerte Agnelli, não sei se você conhece [Laerte Agnelli é um dos grandes diretores de arte do Brasil; foi um dos participantes ativos da virada criativa na propaganda brasileira, a partir dos anos sessenta; é também ilustrador e pintor]. Meu pai sempre deu aula de publicidade para mim. Eu cresci com aula de publicidade, dentro das agências. Então, a gente já tinha meio tudo aquilo na cabeça, e a USP foi meio decepcionante para mim. Acadêmica demais. Meu pai também sempre estimulou: “Sai dessa faculdade, vamos lá fazer estágio”. Aí, na primeira chance que tive, saí, fui fazer estágio e, a partir daí, não parei mais.
Guilherme Azevedo – Estágio na área de propaganda, mesmo?
Jarbas Agnelli – Fiz estágio na MPM, que ele [o pai, Laerte] estava lá, na época. Mas eu já tinha sido meio que treinado para ser um diretor de arte à anos setenta, oitenta. Que é um cara que desenha. Minha carreira começou como ilustrador, ecoline, bico de pena... Nos anos oitenta, 1984, quando comecei...
Guilherme Azevedo – Já era a virada da informática, não é?
Jarbas Agnelli – Mas ainda tinha isso [técnicas mais manuais de ilustração e direção de arte]. Comecei na MPM com ecoline e tal. Depois passei para a DPZ como assistente de arte e passei a ser diretor de arte lá. Daí começou aquela transição: ninguém mais mexia em tinta. Começou com xérox, xérox para cá, xérox para lá. E, lá para noventa e poucos, entrou o computador. E eu fui sempre um cara com paixão pela tecnologia. De todos os tipos. Quando eu tinha 12 anos, ficava gravando em cassete, rolo, fazendo mixagem para festa, pensando no que eu ia projetar com slide. Então, quando surgiu o computador, foi muito natural, foi o caminho.
Guilherme Azevedo – E como era trabalhar no mesmo lugar que seu pai, ter a mesma profissão dele?
Jarbas Agnelli – Era tranqüilo. Meu pai era super-respeitado na MPM. É respeitado até hoje. Era um cara que já tinha trabalhado em todas as agências. Meu trabalhou na Thompson [JW Thompson], Almap, quando ela era Alcântara Machado, na Salles, diversas vezes. Então ele conhecia todo o mundo no mercado. Mas foi bom que eu tenha começado como ilustrador, mesmo. Se tivesse começado como assistente de arte ou como assistente de diretor de arte, alguma coisa mais próxima da criação, talvez fosse mais chato, mais complicado. Então, eu não estava muito perto dele.
Guilherme Azevedo – Você trabalhava dentro do estúdio?
Jarbas Agnelli – Dentro do estúdio, com a moçada lá dentro. Aí acabei indo para uma dupla que era de merchandising. Comecei meio que a brincar de criar lá dentro, mas só ilustrando. Foi um começo meio técnico. E foi bom, porque andei com as próprias pernas, fiz a minha pasta e acabei chegando à DPZ sem nenhum tipo de ajuda dele.
Guilherme Azevedo – Você foi para a DPZ em que ano?
Jarbas Agnelli – Em 1985. O começo, eu devo todo ao meu pai porque ele me ensinou tudo: “Não, tira isso aqui da pasta, põe aquilo...”. Eu não me senti assim: “Ah, tenho um pistolão”. Foi legal, ele deu uma ajuda: “Entra aqui; mas, a partir daí, é com você”. Foi bacana.
Guilherme Azevedo – E de infância? Seu pai ensinava você a desenhar? Como deu o estalo de seguir a carreira?
Jarbas Agnelli – Minha adolescência foi uma aula de publicidade, como disse. Era o tempo inteiro. Meu pai deixava bilhetes na geladeira: “Desenhe mãos”. Tinha exercícios, blocos de exercícios: “Pegue este anúncio, deixe o título e mude a imagem”. O tempo inteiro era isso. Uma programação mesmo para a gente ir para a publicidade. Não tinha nenhuma chance de tentar ser outra coisa. Mas eu sempre gostei, foi tranqüilo. Só quando comecei a ensaiar, a querer ser músico, que eu deixei o “velho” preocupado. Estava na DPZ e deixei-o de cabelo em pé.
Guilherme Azevedo – Que banda?
Jarbas Agnelli – Chamava-se Avenida Paulista. De rock. Que era, inclusive, com o Waldo [Waldo Denuzzo, sócio de Jarbas no AD Studio]. Eu o conheço desde 1980. Era um rockinho assim... Chegou até a tocar na rádio.
Guilherme Azevedo – Você compunha?
Jarbas Agnelli – A gente compunha. Eu era tecladista. Era uma banda pop, bateria, baixo, guitarra. Existia um hit: Londres não é tão longe. Tocou no rádio. Era 1989. Eu não tinha muita esperança de virar músico ou de abandonar a publicidade. Ao mesmo tempo, nunca pensei em desistir da música. Só vinte anos depois, iria achar um jeito, que é o AD do jeito que ele é, de juntar as duas coisas. A música sempre esteve meio na paralela na minha vida. Sempre dei muita importância à música e ao papel da música na publicidade. A gente tem a banda [a banda AD, de música eletrônica, com Waldo Denuzzo]. Em 2000, a gente lançou disco. A música como música é superimportante para a gente. Mas a música, na minha vida, está mais na publicidade, mesmo.
(continua amanhã, entrevista publicada no jornalirismo)
segunda-feira, outubro 22, 2007
da série, leitura para a semana inteira, do brasil que inventou o "caixa-dois" das idéias, o prolegômeno
Peço à atendente uma fita cassete. Ela estica o braço e pergunta se quero aquela.
— Não, uma fita cassete.
— Esta aqui, então?
— Não, não, uma fita cassete.
— Esta aqui?
— Me dá uma fita de áudio, então.
— Ah, sim, de áudio.
Meu vocabulário deve estar meio antigo. Ela não sabe que uma fita cassete se chama assim. Haverá mais gente? Certamente, e cada vez mais. Mas será ela, a fita cassete, a fita magnética, lançada comercialmente em 1963, que registrará, daqui a pouco, a entrevista com o diretor de comerciais Jarbas Agnelli, que você lerá. Preciso, dependo dela.
Estaciono o carro próximo de uma esquina. Estou no começo da avenida Faria Lima, região oeste de São Paulo, no bairro de Pinheiros. Procuro o número 201. Desço do veículo, caminho olhando as construções, procurando um prédio com no mínimo nove andares, pois vou ao nono andar. Esse aqui é bege, parece residencial, não abrigará uma produtora, abrigará? O número não é o 201, apesar de estar nas proximidades dele. Ignoro essa informação, como ignoro também o seguinte fato: o prédio tem oito andares. Contei duas vezes, debaixo para cima, calmamente. Não me dou por vencido, contudo. Vou até a portaria do prédio, avisto o porteiro ao fundo, sentado, de camisa azul-clara, toco o interfone:
— Oi, aqui é o 201 da Faria Lima?
— Não, o 201 deve estar no outro lado da rua.
Só diviso, do outro lado, o portentoso conjunto empresarial do Instituto Tomie Ohtake, o famoso prédio em riste, arquitetonicamente arrojado, com círculos cor-de-rosa, preto e branco, que se destaca no dia cinza e frio, no lusco-fusco das 18h30 deste sábado. E é de fato ele, o 201, sempre diante dos meus olhos, sem que eu cresse na informação.
Descobrirei que chegar ao nono andar é uma aventura do indivíduo pelos meandros de uma outra civilização.
Porque a portaria principal não abre nos fins de semana, desço a pé, pela rampa da garagem. O segurança recomenda que siga as marcas listradas, pintadas de branco no chão. Dobro à direita, contorno a garagem ladeando as paredes laterais, abro a porta de incêndio, de ferro, pesada. Subo. Dois lances de escada. Saio por outra porta de incêndio. Contorno pelas listras marcadas no chão. Desponta uma recepção, com um homem de prontidão. “Vou ao AD Studio, no nono andar.” O homem pede que me aproxime da parede encardida, embora branca, para melhor iluminar a fotografia que vai tirar de mim. É para sorrir? Em seguida, anuncia-me ao telefone e entrega-me um crachá. Atravesso a catraca. Digito o número nove no visor que dizem inteligente. “Posso subir?”, pergunto ainda ao homem, ao telefone. Ele faz um sinal indistinto, fico na dúvida, não subo, o elevador se fecha. “Posso subir?”, insisto. Ele faz novo sinal, interpreto agora que sim. Aperto novamente o número nove, um elevador se abre atrás de mim, sem que me dê conta. Noto a tempo de me esquivar e me infiltrar antes de a porta fechar furiosamente.
O nono andar me espera, na escuridão. A porta de ferro está trancafiada, toco a campainha. Um homem de bermudas me recebe e pede para acompanhá-lo. O ambiente é de penumbra. Vou dar numa sala que me espanta: à meia-luz, cerca de uma dezena de computadores dispostos em círculo, como uma nave espacial. Cheguei ao futuro, pressinto. Lá está, de costas, sentado a um dos computadores, o diretor de comerciais Jarbas Agnelli, um dos donos do AD Studio [veja o site aqui], produtora que vem se destacando pela criatividade; ele se levanta para me saudar.
Apresento-me. Dou a ele, furtiva, envergonhadamente, um livro sem luxo e um folheto de cordel de presente. Coisas humílimas. Contraste ou complementaridade? Futuro e tradição co-habitando um só tempo? Possibilidade, necessidade de convivência, de diálogo?
Jarbas me leva para uma viagem pela produtora, com 350 metros quadrados de área –170 deles dedicados a um corredor longo, com piso cinza emborrachado, preparado especialmente para se seguir por ele de skate. E de fato há um skate atirado ali, de ponta-cabeça. Jarbas costuma utilizá-lo para se mover pelo corredor, e é sobre rodas que entra na sala de reuniões para atender os clientes, algumas das principais agências do país, como W/Brasil, F/Nazca, McCann-Erickson.
Puxo uma larga cadeira de couro preto, com estrutura metálica prateada, sento-me. Retiro da mala meu aparelho mais moderno, um gravador portátil com cinco anos de uso. E também duas fitas cassete. Abro o pacotinho de pilhas novas, retiro duas de lá, troco as antigas, fecho o gravador, com nervosismo e dificuldade, a tampa trava no encaixe. Rasgo, com esforço, o invólucro plástico da fita, abro a caixinha dela, pego-a, retiro-a e insiro-a no aparelho. Faço piada sobre a “modernidade” do meu equipamento. Estou ainda no século XX. Jarbas conta a história: “Outro dia minha mulher ia fazer uma gravação. Preparei para ela um iPod, com microfone. Ela já tinha um gravador, como o seu. Sabe qual aparelho ela acabou utilizando?”. E descubro, pelas palavras desse diretor de filmes publicitários e videoclipes famosos, que eu e a mulher dele somos “seres analógicos”.
Pressiono a tecla vermelha REC, vejo a fita girar lentamente, a correia dentada interna puxar o magnético. Felicidade analógica, mecânica, tecnologia que se vê de fora, à vista, palpável. Confio. Estamos prontos:
(continua amanhã, e pela semana inteira, salvo se algum publicitário, inclusive eu, não fizer merda maior do que anda fazendo agora)
— Não, uma fita cassete.
— Esta aqui, então?
— Não, não, uma fita cassete.
— Esta aqui?
— Me dá uma fita de áudio, então.
— Ah, sim, de áudio.
Meu vocabulário deve estar meio antigo. Ela não sabe que uma fita cassete se chama assim. Haverá mais gente? Certamente, e cada vez mais. Mas será ela, a fita cassete, a fita magnética, lançada comercialmente em 1963, que registrará, daqui a pouco, a entrevista com o diretor de comerciais Jarbas Agnelli, que você lerá. Preciso, dependo dela.
Estaciono o carro próximo de uma esquina. Estou no começo da avenida Faria Lima, região oeste de São Paulo, no bairro de Pinheiros. Procuro o número 201. Desço do veículo, caminho olhando as construções, procurando um prédio com no mínimo nove andares, pois vou ao nono andar. Esse aqui é bege, parece residencial, não abrigará uma produtora, abrigará? O número não é o 201, apesar de estar nas proximidades dele. Ignoro essa informação, como ignoro também o seguinte fato: o prédio tem oito andares. Contei duas vezes, debaixo para cima, calmamente. Não me dou por vencido, contudo. Vou até a portaria do prédio, avisto o porteiro ao fundo, sentado, de camisa azul-clara, toco o interfone:
— Oi, aqui é o 201 da Faria Lima?
— Não, o 201 deve estar no outro lado da rua.
Só diviso, do outro lado, o portentoso conjunto empresarial do Instituto Tomie Ohtake, o famoso prédio em riste, arquitetonicamente arrojado, com círculos cor-de-rosa, preto e branco, que se destaca no dia cinza e frio, no lusco-fusco das 18h30 deste sábado. E é de fato ele, o 201, sempre diante dos meus olhos, sem que eu cresse na informação.
Descobrirei que chegar ao nono andar é uma aventura do indivíduo pelos meandros de uma outra civilização.
Porque a portaria principal não abre nos fins de semana, desço a pé, pela rampa da garagem. O segurança recomenda que siga as marcas listradas, pintadas de branco no chão. Dobro à direita, contorno a garagem ladeando as paredes laterais, abro a porta de incêndio, de ferro, pesada. Subo. Dois lances de escada. Saio por outra porta de incêndio. Contorno pelas listras marcadas no chão. Desponta uma recepção, com um homem de prontidão. “Vou ao AD Studio, no nono andar.” O homem pede que me aproxime da parede encardida, embora branca, para melhor iluminar a fotografia que vai tirar de mim. É para sorrir? Em seguida, anuncia-me ao telefone e entrega-me um crachá. Atravesso a catraca. Digito o número nove no visor que dizem inteligente. “Posso subir?”, pergunto ainda ao homem, ao telefone. Ele faz um sinal indistinto, fico na dúvida, não subo, o elevador se fecha. “Posso subir?”, insisto. Ele faz novo sinal, interpreto agora que sim. Aperto novamente o número nove, um elevador se abre atrás de mim, sem que me dê conta. Noto a tempo de me esquivar e me infiltrar antes de a porta fechar furiosamente.
O nono andar me espera, na escuridão. A porta de ferro está trancafiada, toco a campainha. Um homem de bermudas me recebe e pede para acompanhá-lo. O ambiente é de penumbra. Vou dar numa sala que me espanta: à meia-luz, cerca de uma dezena de computadores dispostos em círculo, como uma nave espacial. Cheguei ao futuro, pressinto. Lá está, de costas, sentado a um dos computadores, o diretor de comerciais Jarbas Agnelli, um dos donos do AD Studio [veja o site aqui], produtora que vem se destacando pela criatividade; ele se levanta para me saudar.
Apresento-me. Dou a ele, furtiva, envergonhadamente, um livro sem luxo e um folheto de cordel de presente. Coisas humílimas. Contraste ou complementaridade? Futuro e tradição co-habitando um só tempo? Possibilidade, necessidade de convivência, de diálogo?
Jarbas me leva para uma viagem pela produtora, com 350 metros quadrados de área –170 deles dedicados a um corredor longo, com piso cinza emborrachado, preparado especialmente para se seguir por ele de skate. E de fato há um skate atirado ali, de ponta-cabeça. Jarbas costuma utilizá-lo para se mover pelo corredor, e é sobre rodas que entra na sala de reuniões para atender os clientes, algumas das principais agências do país, como W/Brasil, F/Nazca, McCann-Erickson.
Puxo uma larga cadeira de couro preto, com estrutura metálica prateada, sento-me. Retiro da mala meu aparelho mais moderno, um gravador portátil com cinco anos de uso. E também duas fitas cassete. Abro o pacotinho de pilhas novas, retiro duas de lá, troco as antigas, fecho o gravador, com nervosismo e dificuldade, a tampa trava no encaixe. Rasgo, com esforço, o invólucro plástico da fita, abro a caixinha dela, pego-a, retiro-a e insiro-a no aparelho. Faço piada sobre a “modernidade” do meu equipamento. Estou ainda no século XX. Jarbas conta a história: “Outro dia minha mulher ia fazer uma gravação. Preparei para ela um iPod, com microfone. Ela já tinha um gravador, como o seu. Sabe qual aparelho ela acabou utilizando?”. E descubro, pelas palavras desse diretor de filmes publicitários e videoclipes famosos, que eu e a mulher dele somos “seres analógicos”.
Pressiono a tecla vermelha REC, vejo a fita girar lentamente, a correia dentada interna puxar o magnético. Felicidade analógica, mecânica, tecnologia que se vê de fora, à vista, palpável. Confio. Estamos prontos:
(continua amanhã, e pela semana inteira, salvo se algum publicitário, inclusive eu, não fizer merda maior do que anda fazendo agora)
sexta-feira, outubro 19, 2007
depois desta nem me atrevo a mudar o título
1. Nos meus tempos de Almap eu gostava de ver aquele povo trabalhar. Éramos quatorze duplas que formava o melhor time de criativos da propaganda brasileira. Ao todo, vinte e sete feras, respeitadíssimas no país, criando a produzindo publicidade de altíssimo nível e de extraordinária eficácia. Vinte e sete, porque eu não fazia parte daquela floresta de craques. Estava ali, sim, mas sempre entendendo que era um aprendiz. E isso não me aborrecia, pelo contrário. Humildemente ia de sala em sala para ver, principalmente, os redatores esculpirem o texto. Ou, como gostava de dizer o Neil Ferreira, fazerem o trabalho de carpintaria. O texto saia, mas só ficava pronto depois de ser refeito cinco, seis, até mais vezes.
O resultado, bem, este você mesmo pode ver consultando anuários antigos.
Sempre tive ânsia de aprender e não podia perder aquela oportunidade. Lia e relia o trabalho deles e sempre tirava uma lição.
2. Essa mesma vontade de saber mais me alimenta até hoje. Por isso leio com ansiedade cada anúncio, cada outdoor, cada volante, cada folheto – cada peça impressa, enfim. E ouço, procurando não perder uma palavra, o texto, sua interpretação no comercial, no fonograma.
Só que ao contrário dos tempos de Almap não consigo aprender. Apenas me frustro.
3. O que vejo são títulos medíocres e anúncios sem texto. E quando, por exceção, eles aparecem, o diretor de arte se encarrega de desvaloriza-los. O que vejo não revela, nos impressos, a menor preocupação com a escolha e o tamanho do tipo. O que ouço, raramente tem um bom locutor, narrador ou intérprete. Parece que as coisas são feitas nas cochas.
Sou um leitor contumaz: leio quatro jornais por dia, duas - às vezes três - revistas semanais, duas quinzenais. E não encontro nada.
4. É a tragédia ecológica da comunicação de marketing no Brasil: o redator está morrendo.
Não quero discutir as causas, apenas constatar que escrever, escrever bem, é uma atividade que está desaparecendo.
E como toda tragédia, quebrou-se a corrente profissional: o nível da criação foi para o espaço, a comunicação de marketing perdeu sua efetividade, a confiança dos anunciantes está abalada, o faturamento caiu, as agências, pra se manterem vivas, enxugam todo dia o corpo funcional, o diretor de arte, lá na ponta, esse que poderia dar mais atenção ao texto e não dá, vai pra rua. Sozinho, porque o redator já foi há muito tempo.
É triste. Muito triste.
(tragédia ecológica na publicidade, do eloy simões) depois que o copy virou redator na propaganda brasileira o resutado é este. até o eugênio e o ruy não são mais aqueles
O resultado, bem, este você mesmo pode ver consultando anuários antigos.
Sempre tive ânsia de aprender e não podia perder aquela oportunidade. Lia e relia o trabalho deles e sempre tirava uma lição.
2. Essa mesma vontade de saber mais me alimenta até hoje. Por isso leio com ansiedade cada anúncio, cada outdoor, cada volante, cada folheto – cada peça impressa, enfim. E ouço, procurando não perder uma palavra, o texto, sua interpretação no comercial, no fonograma.
Só que ao contrário dos tempos de Almap não consigo aprender. Apenas me frustro.
3. O que vejo são títulos medíocres e anúncios sem texto. E quando, por exceção, eles aparecem, o diretor de arte se encarrega de desvaloriza-los. O que vejo não revela, nos impressos, a menor preocupação com a escolha e o tamanho do tipo. O que ouço, raramente tem um bom locutor, narrador ou intérprete. Parece que as coisas são feitas nas cochas.
Sou um leitor contumaz: leio quatro jornais por dia, duas - às vezes três - revistas semanais, duas quinzenais. E não encontro nada.
4. É a tragédia ecológica da comunicação de marketing no Brasil: o redator está morrendo.
Não quero discutir as causas, apenas constatar que escrever, escrever bem, é uma atividade que está desaparecendo.
E como toda tragédia, quebrou-se a corrente profissional: o nível da criação foi para o espaço, a comunicação de marketing perdeu sua efetividade, a confiança dos anunciantes está abalada, o faturamento caiu, as agências, pra se manterem vivas, enxugam todo dia o corpo funcional, o diretor de arte, lá na ponta, esse que poderia dar mais atenção ao texto e não dá, vai pra rua. Sozinho, porque o redator já foi há muito tempo.
É triste. Muito triste.
(tragédia ecológica na publicidade, do eloy simões) depois que o copy virou redator na propaganda brasileira o resutado é este. até o eugênio e o ruy não são mais aqueles
quinta-feira, outubro 18, 2007
maleitas da profissão
" 'Você conhece alguém de uma grande agência? Nao? Entao esquece que você nao vai conseguir nada lá!'. E eu começo a ver que isso é verdade, pois eu tenho uma ótima formaçao, no mínimo eu sei fazer Ctrl+C + Ctrl+V e equaçoes básicas no Excel, mas, infelizmente, eu nao conheço ninguém em pequenas ou grandes agências".
"Portanto, os publicitários (categoria na qual eu me incluo daqui a alguns anos), que tanto buscam a ética, que reclamam da falta de coisa nova, da falta de ousadia, comecem a abrir a porta para quem nao é primo da namorada do cunhado do dono da agência. Porque se depender dos malas que sao contratados atualmente, o futuro de vocês está seriamente comprometido...".
(eduardo, o "estagiário", no bluebus de ante-ontem)
terça-feira, outubro 16, 2007
ué? mas isso não é curso de publicidade não ? então tá bom
Alô, som. Som! Tá funcionando? Deu? Ok! Ran-ran! Boa noite! É com imensa honra que a nossa faculdade, uma instituição tradicional com mais de seis meses de história, um centro de excelência no ensino de marketing e comunicação, apresenta o programa que vai revolucionar o mercado: o Curso Intensivo de Formação de Clientes.
Esta experiência inédita é resultado de inúmeras pesquisas e entrevistas com líderes de grandes empresas. Fomos até as organizações para conhecer as qualidades exigidas dos futuros anunciantes, estudar os diferenciais e habilidades que farão de nossos alunos premiados executivos de marketing, prontos para os maiores desempenhos.
O benefício de nossa profunda investigação está aí. O Curso Intensivo de Formação de Clientes é a mais moderna ponte entre a teoria da sala de aula e a prática do dia-a-dia das instituições. Sua grade curricular foi planejada e construída criteriosamente para oferecer a mais completa especialização profissional.
Pelos nomes das disciplinas, as senhoras já terão uma idéia da qualidade do curso, um conjunto de matérias essenciais ao cliente que se preze. Atenção para elas:
- Teoria da Cobrança Desumana.
- Prática da Tortura em Atendimento.
- Metodologia da Ignorância Geral e Irrestrita.
- Técnicas para Chantagear uma Agência.
- Promoção da Desgraça Alheia.
- Estudo das Formas de Tirar o Sono dos Outros.
- Mau Uso da Língua Portuguesa.
- Mau Uso da Língua Inglesa.
- Mau Uso da Própria Língua.
- Gestão de Estagiários Incompetentes e toda mão-de-obra barata.
- Estudo de Piadas Velhas e sem graça.
- Laboratório de Alteração e Destruição de Layouts.
- Iniciação à Arte de Discordar da Agência.
- Introdução à Prática de Repetir com Outras Palavras o que a Agência já Tinha Dito.
- Aprovação de Qualquer Coisa para ir Embora mais Cedo.
- Ciência da Soneca em Reuniões.
- Criação de Intrigas entre Fornecedores.
- Administração da Troca de Agência às Escondidas.
- Princípios da Sabotagem em Concorrências.
- Filosofia da contratação de Sobrinhos, Parentes e Afins.
- Práticas de Puxa-saquismo Avançado.
- Sedução de Diretores e acionistas.
- Metodologia do Assédio Moral 1.
- Metodologia do Assédio Moral 2.
- Técnica da Puxada de Tapete .
- Prática do Pontapé em Estagiário.
Agora, a melhor notícia. Nossa faculdade vai dar 80% de desconto na mensalidade desse curso para os filhos das senhoras. E nem precisam agradecer. Isso é apenas um reconhecimento a nossas maiores fornecedoras de alunos. Um presente às velhas parceiras da AGAPROA, a Associação das Garotas de Programa Aposentadas. Aproveitem o coquetel!
(de onde vêm os clientes, do andre gomes, que é publicitário e professor, esperando que não seja de um curso deste)
Esta experiência inédita é resultado de inúmeras pesquisas e entrevistas com líderes de grandes empresas. Fomos até as organizações para conhecer as qualidades exigidas dos futuros anunciantes, estudar os diferenciais e habilidades que farão de nossos alunos premiados executivos de marketing, prontos para os maiores desempenhos.
O benefício de nossa profunda investigação está aí. O Curso Intensivo de Formação de Clientes é a mais moderna ponte entre a teoria da sala de aula e a prática do dia-a-dia das instituições. Sua grade curricular foi planejada e construída criteriosamente para oferecer a mais completa especialização profissional.
Pelos nomes das disciplinas, as senhoras já terão uma idéia da qualidade do curso, um conjunto de matérias essenciais ao cliente que se preze. Atenção para elas:
- Teoria da Cobrança Desumana.
- Prática da Tortura em Atendimento.
- Metodologia da Ignorância Geral e Irrestrita.
- Técnicas para Chantagear uma Agência.
- Promoção da Desgraça Alheia.
- Estudo das Formas de Tirar o Sono dos Outros.
- Mau Uso da Língua Portuguesa.
- Mau Uso da Língua Inglesa.
- Mau Uso da Própria Língua.
- Gestão de Estagiários Incompetentes e toda mão-de-obra barata.
- Estudo de Piadas Velhas e sem graça.
- Laboratório de Alteração e Destruição de Layouts.
- Iniciação à Arte de Discordar da Agência.
- Introdução à Prática de Repetir com Outras Palavras o que a Agência já Tinha Dito.
- Aprovação de Qualquer Coisa para ir Embora mais Cedo.
- Ciência da Soneca em Reuniões.
- Criação de Intrigas entre Fornecedores.
- Administração da Troca de Agência às Escondidas.
- Princípios da Sabotagem em Concorrências.
- Filosofia da contratação de Sobrinhos, Parentes e Afins.
- Práticas de Puxa-saquismo Avançado.
- Sedução de Diretores e acionistas.
- Metodologia do Assédio Moral 1.
- Metodologia do Assédio Moral 2.
- Técnica da Puxada de Tapete .
- Prática do Pontapé em Estagiário.
Agora, a melhor notícia. Nossa faculdade vai dar 80% de desconto na mensalidade desse curso para os filhos das senhoras. E nem precisam agradecer. Isso é apenas um reconhecimento a nossas maiores fornecedoras de alunos. Um presente às velhas parceiras da AGAPROA, a Associação das Garotas de Programa Aposentadas. Aproveitem o coquetel!
(de onde vêm os clientes, do andre gomes, que é publicitário e professor, esperando que não seja de um curso deste)
segunda-feira, outubro 15, 2007
responda quem não for criança
O 12 de outubro é Dia das Crianças, mas a que preço? O que de fato celebramos nessa data: a criança ou o consumo?
'Não esqueça a minha Caloi'. 'Compre Batom'. 'Danoninho vale mais do que um bifinho'... Não é de hoje que os apelos publicitários interferem na formação de nossos filhos. No Dia das Crianças nos sentimos compelidos a refletir. Que infância estamos construindo? As crianças sumiram das ruas, das praças e dos colos e se refugiaram nos shoppings ou nas telas.
'Filho, você comeu direito?'. 'Não esquece o casaco!'. 'Só mais uma história'. 'Já sei andar de bicicleta sem rodinhas!'. Onde estão essas palavras? Está cada vez mais difícil escutarmos o riso das crianças, assim como suas verdadeiras necessidades. Vivemos imersos em imagens e sons que nos atravessam sem nos pedir permissão. A palavra foi substituída pela imagem. A coleção, pela aquisição. A atenção, pelo presente. O medo do lobo mau, pelo medo da realidade. O abraço, pelo objeto.
O desejo, pela necessidade, e a criança, pelo consumidor -antes mesmo de se tornar cidadã. O ter prevalece sobre o ser. Esse é o tempo do consumo e da descartabilidade.
No Brasil, 12 de outubro convencionou-se como o Dia das Crianças, mas a que preço? O que de fato celebramos nessa data: a criança ou o consumo?
Parece-nos que esse hábito é vivido pela maioria das famílias como um simples dever ao consumo.
O 12 de outubro foi proposto pelo deputado federal Galdino do Valle Filho em 1920 e oficializado como Dia das Crianças pelo presidente Arthur Bernardes em 1924. Porém, o dia passou a ser comemorado só em 1960, depois que a fábrica de brinquedos Estrela e a Johnson & Johnson criaram a Semana do Bebê Robusto. Um convite ao consumismo precoce.
Se fôssemos comemorar realmente a criança, por que não fazer em 20 de novembro, data da aprovação da Declaração dos Direitos das Crianças?
No mês das crianças, a publicidade surge com força total. Quando vemos que o valor gasto no Brasil em publicidade dirigida ao público infantil foi de aproximadamente R$ 210 milhões (Ibope) e que o valor do investimento no Programa Federal de Desenvolvimento da Educação Infantil (FNDE) foi de aproximadamente R$ 28 milhões, ficamos pasmos.
A publicidade participa da formação de nossas crianças tanto quanto a escola. O que é mais importante, esses objetos que prometem a felicidade ou a educação?
As crianças são desde cedo incitadas a participar da lógica de mercado. A forma como são olhadas e investidas pelos outros passa pela cultura do consumo. As expectativas em torno do nascimento, a escolha do nome e dos objetos e a reorganização da casa circunscrevem o lugar social no qual se constituirão a identidade e os valores do bebê.
As imagens publicitárias dirigem-se às crianças, o que é extremamente abusivo, pois até os 12 anos não têm capacidade crítica de entender o caráter persuasivo das mensagens. Até os quatro anos as crianças não conseguem diferenciar publicidade de programas. Conforme pesquisa norte-americana, bastam apenas 30 segundos para uma marca influenciá-las. Se pensarmos que a criança brasileira passa em média cinco horas por dia em frente à TV (Ibope, 2005), quanta influência da mídia ela sofre?
Esse problema se soma ao afastamento das brincadeiras.
Quem precisa de dez sapatos, três bolsas ou saber usar batom? Os pais foram desautorizados do poder, ou melhor, do seu saber, e a mídia se ocupou do papel de transmitir os caminhos da infância. Porém, o mercado -mídia ou anunciantes- assumiu isso pensando no lucro imediato, e não nas crianças ou no futuro da nação.
A infância não pode ser aprisionada pela falsa felicidade que a sociedade de consumo nos vende. Criança precisa de olhar, de palavras e de escuta. Precisa ter infância para ser criança. E os pais sabem o que é melhor para os filhos.
Nesse Dia das Crianças, troquemos o shopping pelo parque. Façamos brinquedos, em vez de comprá-los prontos. Troquemos as guloseimas pelo bolo feito no calor da cozinha.
Paremos para refletir. Olhemos para a infância que nos circunda e rememoremos nossa experiência infantil.
Assim, talvez possamos subverter a ordem estabelecida do consumismo desenfreado e encontrar uma forma mais sincera de homenagearmos nossas crianças.
(que infância estamos construindo? , da lais fontenelle pereira, 29, mestre em psicologia clínica pela PUC-RJ é psicóloga do Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana. originalmente publicado na sessão tendências e debates da Folha )
sexta-feira, outubro 05, 2007
quem se lembra do memoriol ?
Debate entre empresários de algumas das principais agências de propaganda do mercado tenta encontrar respostas para as demandas criativas dentro de ambientes multiplataforma.
Discutir o negócio, o modelo de atuação e o verdadeiro papel das agências nunca foi tarefa simples. Porém, chegar a alguma conclusão hoje em dia sobre estes temas está mais difícil do que nunca. Acostumado à auto-análise, para dizer o mínimo, o mercado publicitário vive hoje um dos momentos mais clinicamente complicados da sua permanente terapia em busca da própria compreensão. Obrigadas a se posicionarem, justamente por viverem disso na prestação de serviços para marcas e clientes, elas buscam um caminho capaz de cotizar, simultaneamente, o passado glorioso da propaganda nacional, o futuro excitante das novas plataformas e o presente marcado pela cobrança diária dos clientes por resultados com alguma aura de diferenciação. Isso, sem esquecer a oscilação permanente entre geração de receita baseada na comissão e bonificação de volume e a necessidade de ir além da mídia tradicional, para levar mensagens publicitárias a qualquer ambiente - um processo sintonizado com os dias atuais mas que, em tese, não gera o mesmo faturamento. Trata-se de um grupo de pacientes em eterna revisão de quadro clínico, visto que debatem questões sem respostas definitivas mas que são permanentemente trazidas à tona, em busca da grande verdade final - ou, melhor dizendo, em busca da autoria da grande verdade final.
Psicoanálise publicitária? Na verdade, apenas uma metáfora para sintetizar o clima do debate "Criação Brasileira na Hora da Verdade - As Novas Fórmulas do Processo Criativo em um Ambiente Multiplataforma", que contou com a presença de Alexandre Gama (NeogamaBBH), Átila Francucci (Famiglia), Sílvio Matos (MatosGrey), Pedro Cabral (AgênciaClick) e Sérgio Valente (DM9DDB) na tarde desta quarta-feira, 03, dentro da programação de painéis do MaxiMídia 2007, em São Paulo. Desafiados a discorrer sobre temas amplos em um tempo curto (especialização versus comunicação integrada, campanhas eficientes em ambiente de dispersão e anseios dos anunciantes neste novo cenário), os convidados ainda comentaram a relação da propaganda brasileira e argentina, aspecto trazido à tona pelo mediador Marcelo Tas. Com tantas variáveis, e teoricamente tanto a ser dito, destacou-se quem contribuiu com os aforismos mais personalizados e convidativos à reflexão.
Foi o caso de Pedro Cabral, por exemplo, ao comentar que "precisamos ser mais agnósticos na escolha dos canais", referindo-se à necessária generosidade estratégica que acompanha o planejamento de mídia multicanal. Ele também foi feliz em suas declarações ao dizer que "a gestão de marcas precisa ser um processo open source" - uma postura originária, segundo ele, da Procter & Gamble, e que quebra com uma premissa fundamental do papel de uma agência. Isso porque, a partir da lógica da "cultura open source" do mundo da tecnologia da informação (deixar livre o acesso ao código-fonte de programas e aplicativos, de modo que cada desenvolvedor possa aprimorar a versão anterior sem restrições), Cabral defendeu a proposta de que uma marca não pode mais chegar com seu posicionamento pronto ao mercado. "O consumidor deve ser um aliado, um propagador", disse. Isso faria com que a identidade de uma marca fosse um elemento real, consolidado na prática ao longo do tempo, através da relação dos produtos e serviços com quem os consome - exatamente o que acontece, genericamente, com boa parte da internet 2.0. Como diria o dramaturgo e visionário francês Antonin Artaud, trataria-se de um verdadeiro "work in process", porém aplicado ao marketing e às relações de consumo. "Marcas são como filhos: criamos elas para o mundo. Não dá para protegê-las para sempre", defendeu, em uma quebra de paradigmas e tanto - basta pensar no eterno mantra do mercado "a marca é o maior patrimônio da empresa".
O empresário da Click também propôs uma retomada da palavra propaganda, no sentido de que hoje, mais do que nunca, o que uma marca e sua agência precisam fazer é propagar mensagens. Alexandre Gama, um dos mais objetivos dentro do tema do debate, observou que um contexto de comunicação multiplataforma precisa ser, conseqüentemente, de multirespostas - um ponto-de-vista que ajuda a amainar a corrida em busca de soluções definitivas sobre o que é publicidade hoje. "Toda a cadeia produtiva precisa entender que superamos a era industrial e da sociedade de consumo. Especialmente as agências de propaganda, porque hoje tudo é comunicação", destacou. Graças a isso, ele defendeu com veemência a formação de equipes de criação generalistas em termos de manejo de ferramentas. "A própria hierarquia da agência também precisa ser multiplataforma", acrescentou, dando o exemplo da própria Neogama: Geraldo Rocha Azevedo, referência em ativação de marcas, e Roberto Mesquita, oriundo do Grupo Estado, são hoje sócios do negócio. "As idéias devem ser suficientemente estratégicas para serem eficazes sem se fragmentarem quando chegarem a diferentes canais", acrescentou. Dentro disso, Cabral acrescentou que alguns formatos, como o de publicidade na telefonia, ainda pesquisam uma linguagem adequada para se tornarem massivos.
"Tempos áureos"
Um comentário de Gama sobre a necessidade de envolvimento estratégico com o cliente foi a deixa para o inflamado discurso de Sérgio Valente, que bradou pelo fim da comparação da propaganda brasileira com outros mercados - no caso, o argentino. Mas seu alvo era outro. "Vamos lembrar do país onde vivemos, da nossa cultura. Quando você não sabe pra onde ir, lembre de onde você saiu: é só olhar para o passado da propaganda brasileira para saber o quão inovadores, estratégicos e bons de boca-a-boca nós já fomos nos tempos de áureos de W/Brasil, DPZ e Mauro Salles", recordou. "Naquela época, foco na idéia e participação estratégica no cliente era algo muito presente. Nossa geração precisa se reconectar ao nosso próprio passado. Quase tudo o que estamos defendendo hoje a W/Brasil já fez antes". Valente aproveitou para relativizar o próprio conceito de campanha publicitária: "Starbucks e Google não estão na mídia, mas alguém tem dúvida de que o que eles fazem são campanhas publicitárias, mas do jeito deles?"
Francucci, da Famiglia, destacou a necessidade da aproximação da criação com a mídia e lembrou alguns cases do mercado onde a solução criativa surgiu através dos canais de comunicação, mais do que com idéia intrínseca. "Passamos do tempo das dezenas de mercados com milhões de clientes para milhões de mercados com dezenas de clientes, e cada um deles exige um código e abordagem diferentes". Já Matos, da MatosGrey, acredita que boas idéias não faltam: o problema é a reduzida capacidade de execução e produção multiplataforma. Esta expressão foi ironizada por ele ao ser usada no debate como uma tendência do momento. "Fui trabalhar com o Eduardo Fischer (Grupo Total) em 1996 e a única coisa que ele falava era isso. Somos muito bons em criar mitos e o da hora é o da multicomunicação".
(a era do 'planejamento de mídia agnóstico', do alisson avila, direto do max mídia)
Discutir o negócio, o modelo de atuação e o verdadeiro papel das agências nunca foi tarefa simples. Porém, chegar a alguma conclusão hoje em dia sobre estes temas está mais difícil do que nunca. Acostumado à auto-análise, para dizer o mínimo, o mercado publicitário vive hoje um dos momentos mais clinicamente complicados da sua permanente terapia em busca da própria compreensão. Obrigadas a se posicionarem, justamente por viverem disso na prestação de serviços para marcas e clientes, elas buscam um caminho capaz de cotizar, simultaneamente, o passado glorioso da propaganda nacional, o futuro excitante das novas plataformas e o presente marcado pela cobrança diária dos clientes por resultados com alguma aura de diferenciação. Isso, sem esquecer a oscilação permanente entre geração de receita baseada na comissão e bonificação de volume e a necessidade de ir além da mídia tradicional, para levar mensagens publicitárias a qualquer ambiente - um processo sintonizado com os dias atuais mas que, em tese, não gera o mesmo faturamento. Trata-se de um grupo de pacientes em eterna revisão de quadro clínico, visto que debatem questões sem respostas definitivas mas que são permanentemente trazidas à tona, em busca da grande verdade final - ou, melhor dizendo, em busca da autoria da grande verdade final.
Psicoanálise publicitária? Na verdade, apenas uma metáfora para sintetizar o clima do debate "Criação Brasileira na Hora da Verdade - As Novas Fórmulas do Processo Criativo em um Ambiente Multiplataforma", que contou com a presença de Alexandre Gama (NeogamaBBH), Átila Francucci (Famiglia), Sílvio Matos (MatosGrey), Pedro Cabral (AgênciaClick) e Sérgio Valente (DM9DDB) na tarde desta quarta-feira, 03, dentro da programação de painéis do MaxiMídia 2007, em São Paulo. Desafiados a discorrer sobre temas amplos em um tempo curto (especialização versus comunicação integrada, campanhas eficientes em ambiente de dispersão e anseios dos anunciantes neste novo cenário), os convidados ainda comentaram a relação da propaganda brasileira e argentina, aspecto trazido à tona pelo mediador Marcelo Tas. Com tantas variáveis, e teoricamente tanto a ser dito, destacou-se quem contribuiu com os aforismos mais personalizados e convidativos à reflexão.
Foi o caso de Pedro Cabral, por exemplo, ao comentar que "precisamos ser mais agnósticos na escolha dos canais", referindo-se à necessária generosidade estratégica que acompanha o planejamento de mídia multicanal. Ele também foi feliz em suas declarações ao dizer que "a gestão de marcas precisa ser um processo open source" - uma postura originária, segundo ele, da Procter & Gamble, e que quebra com uma premissa fundamental do papel de uma agência. Isso porque, a partir da lógica da "cultura open source" do mundo da tecnologia da informação (deixar livre o acesso ao código-fonte de programas e aplicativos, de modo que cada desenvolvedor possa aprimorar a versão anterior sem restrições), Cabral defendeu a proposta de que uma marca não pode mais chegar com seu posicionamento pronto ao mercado. "O consumidor deve ser um aliado, um propagador", disse. Isso faria com que a identidade de uma marca fosse um elemento real, consolidado na prática ao longo do tempo, através da relação dos produtos e serviços com quem os consome - exatamente o que acontece, genericamente, com boa parte da internet 2.0. Como diria o dramaturgo e visionário francês Antonin Artaud, trataria-se de um verdadeiro "work in process", porém aplicado ao marketing e às relações de consumo. "Marcas são como filhos: criamos elas para o mundo. Não dá para protegê-las para sempre", defendeu, em uma quebra de paradigmas e tanto - basta pensar no eterno mantra do mercado "a marca é o maior patrimônio da empresa".
O empresário da Click também propôs uma retomada da palavra propaganda, no sentido de que hoje, mais do que nunca, o que uma marca e sua agência precisam fazer é propagar mensagens. Alexandre Gama, um dos mais objetivos dentro do tema do debate, observou que um contexto de comunicação multiplataforma precisa ser, conseqüentemente, de multirespostas - um ponto-de-vista que ajuda a amainar a corrida em busca de soluções definitivas sobre o que é publicidade hoje. "Toda a cadeia produtiva precisa entender que superamos a era industrial e da sociedade de consumo. Especialmente as agências de propaganda, porque hoje tudo é comunicação", destacou. Graças a isso, ele defendeu com veemência a formação de equipes de criação generalistas em termos de manejo de ferramentas. "A própria hierarquia da agência também precisa ser multiplataforma", acrescentou, dando o exemplo da própria Neogama: Geraldo Rocha Azevedo, referência em ativação de marcas, e Roberto Mesquita, oriundo do Grupo Estado, são hoje sócios do negócio. "As idéias devem ser suficientemente estratégicas para serem eficazes sem se fragmentarem quando chegarem a diferentes canais", acrescentou. Dentro disso, Cabral acrescentou que alguns formatos, como o de publicidade na telefonia, ainda pesquisam uma linguagem adequada para se tornarem massivos.
"Tempos áureos"
Um comentário de Gama sobre a necessidade de envolvimento estratégico com o cliente foi a deixa para o inflamado discurso de Sérgio Valente, que bradou pelo fim da comparação da propaganda brasileira com outros mercados - no caso, o argentino. Mas seu alvo era outro. "Vamos lembrar do país onde vivemos, da nossa cultura. Quando você não sabe pra onde ir, lembre de onde você saiu: é só olhar para o passado da propaganda brasileira para saber o quão inovadores, estratégicos e bons de boca-a-boca nós já fomos nos tempos de áureos de W/Brasil, DPZ e Mauro Salles", recordou. "Naquela época, foco na idéia e participação estratégica no cliente era algo muito presente. Nossa geração precisa se reconectar ao nosso próprio passado. Quase tudo o que estamos defendendo hoje a W/Brasil já fez antes". Valente aproveitou para relativizar o próprio conceito de campanha publicitária: "Starbucks e Google não estão na mídia, mas alguém tem dúvida de que o que eles fazem são campanhas publicitárias, mas do jeito deles?"
Francucci, da Famiglia, destacou a necessidade da aproximação da criação com a mídia e lembrou alguns cases do mercado onde a solução criativa surgiu através dos canais de comunicação, mais do que com idéia intrínseca. "Passamos do tempo das dezenas de mercados com milhões de clientes para milhões de mercados com dezenas de clientes, e cada um deles exige um código e abordagem diferentes". Já Matos, da MatosGrey, acredita que boas idéias não faltam: o problema é a reduzida capacidade de execução e produção multiplataforma. Esta expressão foi ironizada por ele ao ser usada no debate como uma tendência do momento. "Fui trabalhar com o Eduardo Fischer (Grupo Total) em 1996 e a única coisa que ele falava era isso. Somos muito bons em criar mitos e o da hora é o da multicomunicação".
(a era do 'planejamento de mídia agnóstico', do alisson avila, direto do max mídia)
quarta-feira, outubro 03, 2007
que seria do amarelo se todos gostassem do amarelo?
Admiro o trabalho da filósofa Márcia Tiburi há anos, desde que comecei a assistir às suas palestras no programa Café Filosófico, da TV Cultura.( ....)
Recentemente, o shopping Iguatemi promoveu no seu vão central um Saia Justa ao vivo aqui em Florianópolis, e não pude deixar de assistir. Gostei de tudo, mas fui para casa com uma frase da Márcia na cabeça. Falando sobre compras, moda e roupas, ela declarou que há anos se veste de preto porque para usar outras cores é preciso escolher, combinar, harmonizar. Tem que pensar muito, tomar decisões difíceis. Ela acha que usar roupa colorida não é para qualquer um. Está certa a moça.
Escolher preto é confortável, pois desconheço uma mulher que não fique bem com essa cor (ou não-cor, como queiram). Preto não deixa aparecer sujeira, é prático, elegante, afina a silhueta e dá um ar de discrição misteriosa, principalmente se a bela em questão caprichar na maquiagem.
Mas será que vale a pena apelar para a monocromia em nome do conforto e da elegância fácil? Não estaríamos abrindo mão de uma ferramenta de expressão importante para a nossa saúde mental? Uso bastante preto pelos motivos expostos acima, mas não consigo me imaginar assim numa linda manhã ensolarada de verão ou numa gloriosa tarde de primavera. Penso ser necessário estar em sintonia com o universo, e as cores são muito poderosas para traduzir bem nosso estado de espírito e essa comunhão com o ambiente.
Essas questões me lembraram do trabalho do suíço Johannes Itten, professor de Teoria da Cor da antológica Bauhaus, uma das primeiras e mais importantes escolas de Design do mundo.
Itten acreditava que as preferências pessoais pelas cores revelavam não apenas o gosto subjetivo da pessoa, mas também muito de seu temperamento e das suas limitações. Entender mais sobre as cores prediletas era, para ele, um importante exercício de auto-conhecimento. Essas associações pessoais entre cores harmônicas diferentes para cada indivíduo sofrem também influências culturais, sociais, conscientes e inconscientes.
Anos depois do trabalho de Itten, pesquisadores de psicologia conseguiram relacionar a escolha das cores com estados emocionais e com a estrutura da personalidade. Os estudos foram tão bem sucedidos que alguns países utilizam testes de preferências cromáticas como auxiliares nos diagnósticos clínicos dos pacientes.
Em suas pesquisas, Itten descobriu que os talentos das pessoas são bem traduzidos pelas cores de sua preferência. O pesquisador separou duas características distintas que as cores têm. A primeira é o agente cromático, que refere-se à constituição do pigmento, sua realidade físico-química. A segunda é o efeito cromático, que traduz o impacto que a cor tem sobre nós, a realidade psicofisiológica da nossa percepção.
Levei um tempo para gostar de azul claro porque um dia, quando criança, ouvi a minha mãe comentar que era cor de cemitério. Tem quem não goste de vermelho porque esse tom traz lembranças desagradáveis sobre alguma fase da vida. Nossa história é completamente colorida, não há como negar a presença marcante das cores em cada cena. Assim, o cérebro de alguém tem motivos para preferir usar azul com detalhes vermelhos, enquanto outra pessoa jura que azul só combina mesmo é com marrom. Isso sem contar que o tom de pele e cabelo também precisam ser levados em consideração se estamos falando de roupas. É complicado, trabalhoso, e, como diz a nossa filósofa, tem que pensar muito.
Itten já dizia, em 1961, que “as pessoas juntam cores complementares ou combinações que estão na moda em vez de refletirem-se a si mesmas”. Outras gentes, como a Márcia, elegem uniformes pessoais que as liberam de buscar a difícil sintonia entre a roupa e o humor do dia.
Por tudo isso, o estudo das cores deve ser um exercício divertido e revelador para os designers, uma vez que só a prática constrói a excelência. Descobrir e analisar suas próprias predileções deveriam ser itens obrigatórios na formação de um bom profissional da área.
Penso que, conhecendo-se melhor do ponto de vista cromático, os designers saberiam distingüir melhor suas preferências das dos seus clientes, e, principalmente, estariam mais preparados para eleger os tons mais adequados a cada projeto, independente do seu gosto ou o do cliente, posto que, muito além das combinações pessoais, há que se considerar estudos sobre psicodinâmica das cores e outros aspectos mais objetivos, essenciais para uma composição competente.
Designers, são por definição, pessoas coloridas. Uniformes monocromáticos são perfeitamente aceitáveis e convenientes para qualquer outro profissional. Porém, na minha opinião, designers que só andam de preto nada mais são do que uns grandessíssimos preguiçosos…
Quer saber mais? Leia A cor no processo criativo: um estudo sobre a Bauhaus e a teoria de Goethe, de Lilian Barros e A psicodinâmica das cores na comunicação, de Modesto Farina.
(gente colorida, da monomultiplacromática ligia fascioni, no acontecendo aqui)
Recentemente, o shopping Iguatemi promoveu no seu vão central um Saia Justa ao vivo aqui em Florianópolis, e não pude deixar de assistir. Gostei de tudo, mas fui para casa com uma frase da Márcia na cabeça. Falando sobre compras, moda e roupas, ela declarou que há anos se veste de preto porque para usar outras cores é preciso escolher, combinar, harmonizar. Tem que pensar muito, tomar decisões difíceis. Ela acha que usar roupa colorida não é para qualquer um. Está certa a moça.
Escolher preto é confortável, pois desconheço uma mulher que não fique bem com essa cor (ou não-cor, como queiram). Preto não deixa aparecer sujeira, é prático, elegante, afina a silhueta e dá um ar de discrição misteriosa, principalmente se a bela em questão caprichar na maquiagem.
Mas será que vale a pena apelar para a monocromia em nome do conforto e da elegância fácil? Não estaríamos abrindo mão de uma ferramenta de expressão importante para a nossa saúde mental? Uso bastante preto pelos motivos expostos acima, mas não consigo me imaginar assim numa linda manhã ensolarada de verão ou numa gloriosa tarde de primavera. Penso ser necessário estar em sintonia com o universo, e as cores são muito poderosas para traduzir bem nosso estado de espírito e essa comunhão com o ambiente.
Essas questões me lembraram do trabalho do suíço Johannes Itten, professor de Teoria da Cor da antológica Bauhaus, uma das primeiras e mais importantes escolas de Design do mundo.
Itten acreditava que as preferências pessoais pelas cores revelavam não apenas o gosto subjetivo da pessoa, mas também muito de seu temperamento e das suas limitações. Entender mais sobre as cores prediletas era, para ele, um importante exercício de auto-conhecimento. Essas associações pessoais entre cores harmônicas diferentes para cada indivíduo sofrem também influências culturais, sociais, conscientes e inconscientes.
Anos depois do trabalho de Itten, pesquisadores de psicologia conseguiram relacionar a escolha das cores com estados emocionais e com a estrutura da personalidade. Os estudos foram tão bem sucedidos que alguns países utilizam testes de preferências cromáticas como auxiliares nos diagnósticos clínicos dos pacientes.
Em suas pesquisas, Itten descobriu que os talentos das pessoas são bem traduzidos pelas cores de sua preferência. O pesquisador separou duas características distintas que as cores têm. A primeira é o agente cromático, que refere-se à constituição do pigmento, sua realidade físico-química. A segunda é o efeito cromático, que traduz o impacto que a cor tem sobre nós, a realidade psicofisiológica da nossa percepção.
Levei um tempo para gostar de azul claro porque um dia, quando criança, ouvi a minha mãe comentar que era cor de cemitério. Tem quem não goste de vermelho porque esse tom traz lembranças desagradáveis sobre alguma fase da vida. Nossa história é completamente colorida, não há como negar a presença marcante das cores em cada cena. Assim, o cérebro de alguém tem motivos para preferir usar azul com detalhes vermelhos, enquanto outra pessoa jura que azul só combina mesmo é com marrom. Isso sem contar que o tom de pele e cabelo também precisam ser levados em consideração se estamos falando de roupas. É complicado, trabalhoso, e, como diz a nossa filósofa, tem que pensar muito.
Itten já dizia, em 1961, que “as pessoas juntam cores complementares ou combinações que estão na moda em vez de refletirem-se a si mesmas”. Outras gentes, como a Márcia, elegem uniformes pessoais que as liberam de buscar a difícil sintonia entre a roupa e o humor do dia.
Por tudo isso, o estudo das cores deve ser um exercício divertido e revelador para os designers, uma vez que só a prática constrói a excelência. Descobrir e analisar suas próprias predileções deveriam ser itens obrigatórios na formação de um bom profissional da área.
Penso que, conhecendo-se melhor do ponto de vista cromático, os designers saberiam distingüir melhor suas preferências das dos seus clientes, e, principalmente, estariam mais preparados para eleger os tons mais adequados a cada projeto, independente do seu gosto ou o do cliente, posto que, muito além das combinações pessoais, há que se considerar estudos sobre psicodinâmica das cores e outros aspectos mais objetivos, essenciais para uma composição competente.
Designers, são por definição, pessoas coloridas. Uniformes monocromáticos são perfeitamente aceitáveis e convenientes para qualquer outro profissional. Porém, na minha opinião, designers que só andam de preto nada mais são do que uns grandessíssimos preguiçosos…
Quer saber mais? Leia A cor no processo criativo: um estudo sobre a Bauhaus e a teoria de Goethe, de Lilian Barros e A psicodinâmica das cores na comunicação, de Modesto Farina.
(gente colorida, da monomultiplacromática ligia fascioni, no acontecendo aqui)
segunda-feira, outubro 01, 2007
nem eu sou assim tão pessimista ou deveria dizer otimista ?
Reconheço e compartilho de sua luta. Mas o problema está no começo. BV, bonificação sobre valor, cobrado e sustento de todas as agências de propaganda é o câncer da nossa profissão. Vão dizer: Peraí ô rapazinho, sem isso não teríamos agências de propaganda, intervalos comerciais, prêmios, e duvidosos programas de televisão. Mas, teimoso como
ou, diria: o nosso negócio não é mídia é idéia. No Brasil, não damos valor ao intelectual, é preciso escrever um livro, para que se dê valor. É preciso ter o produto concreto nas mãos e aí sim, ser remunerado por isso. Quando somos remunerados pela mídia, e ela é o nosso principal produto, perdemos. Perdemos por que qualquer um pode fazer isso, perdemos por que vendemos idéia através da mídia, perdem os clientes, pois a solução está no Jornal Nacional e não naquela simples
idéia, tão óbvia, tão na cara, mas tão evolucionaria que mudaria o negócio, o produto, os clientes, a marca, e o faturamento no final do mês. Mas ficamos refém, com medo e dizendo sim a tudo que chega ao nosso ouvido, com receio de perder os 20% de BV.Quando começarmos a vender idéias, ser bem remunerados por isso, nossa profissão mudará. Seremos chamados a pressa, para resolver o problema do cliente, porque seremos o único que conseguirá enxergar de um ângulo diferente. Esse deve ser o nosso posicionamento.
(rafael machado, publicitário em florianópolis, em comentário sobre o post quando o pouco não é nada, do eloy simões, também publicado aqui)
ou, diria: o nosso negócio não é mídia é idéia. No Brasil, não damos valor ao intelectual, é preciso escrever um livro, para que se dê valor. É preciso ter o produto concreto nas mãos e aí sim, ser remunerado por isso. Quando somos remunerados pela mídia, e ela é o nosso principal produto, perdemos. Perdemos por que qualquer um pode fazer isso, perdemos por que vendemos idéia através da mídia, perdem os clientes, pois a solução está no Jornal Nacional e não naquela simples
idéia, tão óbvia, tão na cara, mas tão evolucionaria que mudaria o negócio, o produto, os clientes, a marca, e o faturamento no final do mês. Mas ficamos refém, com medo e dizendo sim a tudo que chega ao nosso ouvido, com receio de perder os 20% de BV.Quando começarmos a vender idéias, ser bem remunerados por isso, nossa profissão mudará. Seremos chamados a pressa, para resolver o problema do cliente, porque seremos o único que conseguirá enxergar de um ângulo diferente. Esse deve ser o nosso posicionamento.
(rafael machado, publicitário em florianópolis, em comentário sobre o post quando o pouco não é nada, do eloy simões, também publicado aqui)