terça-feira, outubro 30, 2012

encaixa como um a luva na turma que acha que é publicitário porque tem diploma


12 DE ABRIL DE 2009

Diário da Fonte
VERBOS DO EGO NA PUBLICIDADE


Por serem repetidos a cada cinco segundos, todos sabem quais são:

EU QUERO - Os bobalhões dos anúncios aparecem caminhando a passos rápidos e largos (o marketing da pressa) dizendo que querem banda mais larga, portabilidade nas Bahamas, andar de skate em Machu Picchu, telefonar do Himalaia, tudo isso sem fronteiras no Brasil, porque pode ter fronteira no mundo todo, menos por aqui. Fronteira atrapalha os bandos de quero-queros dos reclames.

EU MEREÇO - Ninguém mais merece, só o que diz “eu mereço”. Conheço um que disse numa reunião: “Eu só faço o que é justo”. Claro, os outros só fazem o que é injusto. Merecer é ter acesso a tudo, sem nenhuma responsabilidade, e serve de vingança contra a grande injustiça no mundo que é a existência dos outros. Merecer é ter nascido para isso sem ter feito nada para merecer de fato.

EU POSSO – O cara pode tudo, ver futebol na lua-de-mel, usar o cartão a fundo perdido, ser recebido com sorrisos no banco mesmo sem ter visto jamais uma fatura de cartão de crédito (na publicidade a cobrança nunca aparece, só o usufruto). As novas favelas americanas estão cheias de gente que tudo podiam antes de os espertalhões da ciranda financeira rasparem os dólares realmente existentes (que é o lucro), deixando o passivo de trilhões de dólares reais (que é a dívida realmente existente dos trouxas).

EU CUIDO - Banco que lucra vinte quaquilhões por dia agora convoca pessoas de todas as raças para segurar uma árvore da Amazônia. A indústria de cosméticos que usa tudo que é insumo artificial nos seus produtos “naturais” canta como índio. Quem polui mesmo investe em propaganda mentirosa dizendo que preserva o meio ambiente. Nos anúncios, terceiriza essa virtude para os babacas que assistem. Você cuida, você pode, você merece, você quer.

EU VIVO - Viver todo mundo sabe o que é: basta jogar os cabelos recém lavados com xampu no ar cheio de flores, correr cem mil quilômetros sorrindo sem nunca ter um enfarte, passar margarina no pão rodeado da família padrão numerosa, saltar em câmara lenta de terno e gravata, sorrir de lado com o buzanfan bem instalado num carro milionário, trafegando em ruas vazias, ou seja, em que ninguém mais existe. Sem esquecer que viver é agora, entende? Antes e depois não existem.

EU TORÇO – Fazer parte da tchurma, abraçar-se a multidões de sovacos, enrolar-se em bandeiras, beijar camisetas, cruzar ajoelhado o campo, pedir autógrafo para analfabeto, decorar letras hediondas (“eu amoooo, você tem que vir aquiii, ó meu Deus quanta loucuraaaa, porquêêêê, só eu sinto por vocêêêê...”), tudo isso faz parte do verbo torcer, que é para identificar grupos de compradores compulsivos.

EU IGNORO – O melhor verbo de todos. Sua indiferença é a satisfação do consumo e a roda que gira o mundo. Serve não apenas para passar por cima de todo mundo como para cobrar virtudes nos outros, pois a coisa mais funda de ignorar é achar que só o ego é perfeito e que o resto não passa de um monte de sangueruim gente má pontafrouxa. Ignorar é viver, torcer, cuidar etc.

RETORNO - Imagem desta edição: Narciso, de Caravaggio.

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