sexta-feira, abril 11, 2008

por que será que os lobos não andam mais de muleta ?


Para muita gente no mercado brasileiro o nome Paul Arden pode não dizer muita coisa.

Mas para mim diz muita. E eu me sinto na obrigação de compartilhar com vocês o que eu estou sentindo agora.

Estou profundamente triste. Descobri aqui em Londres, no meio de um set de filmagem, que o Paul Arden tinha falecido.

O fato de eu estar em Londres quando ouvi a notícia fez a notícia ficar ainda mais triste.

Vocês podem ler mais sobre o Paul Arden na Creativity Online, na Creative Review e em outros sites e blogs.

O que eu gostaria de contar aqui foi a minha experiência pessoal com ele, que marcou profundamente a minha carreira.

Eu tive a sorte de filmar com o Paul Arden em 1996, quando estava trabalhando na Young & Rubicam / Madrid. Na época eu fazia dupla com o Cassio Moron, da Loducca.

Nós tínhamos acabado de ganhar a conta da Heineken e estávamos buscando diretores para filmar uma campanha regional para a Europa.

A produtora Tesaurus indicou um criativo inglês que estava começando a dirigir chamado Paul Arden.

Gostamos do rolo, do papo, do Director's Treatment, e acabamos optando por ele.

Já tinha ouvido algumas histórias sobre o Paul Arden. Que ele foi diretor de criação mundial da Saatchi&Saatchi. Que ele tinha feito aquele comercial famoso da British Airways com milhares de pessoas formando um rosto e aquela campanha clássica de Silk Cut. Que ele era perfeccionista, gênio, louco.

Mas eu não tinha a menor idéia de como era o Paul Arden. Eu esperava qualquer coisa menos um senhor com óculos de aro grosso, terno de risca de giz e lenço na lapela.

No meio da reunião de pré-produção, quando o cliente questionou sua escolha de casting (ele só trouxe uma opção para cada papel), ele simplesmente levantou-se, desculpou-se de uma maneira "polite", disse que nesse caso preferia não fazer o projeto e retirou-se diante do olhar atônito de todos.

O atendimento teve que literalmente sair correndo atrás dele e trazê-lo de volta, prometendo que o cliente ia acatar sua recomendação.

No roteiro do comercial "Lobo", o Lobo Mau corria atrás da Chapeuzinho Vermelho.

O Paul sugeriu que o Lobo Mau andasse de muleta. Ninguém entendeu porquê.

Mas o Paul insistia.

Apesar de eu não entender a razão por trás dessa sugestão aparentemente sem sentido, acabei concordando. Parte porque eu já estava achando ele muito mais criativo aos 55 anos do que eu aos 26, e parte porque simplesmente eu não tinha inglês para discordar de qualquer coisa.

Mas o cliente tinha: "E por quê exatamente o Lobo Mau precisa andar de muleta?" O Paul ficou alguns segundos em silêncio. Depois disse: "Não tenho nenhuma resposta lógica. Mas por que não"?

O Lobo ficou de muleta.


Mais tarde, quando o Paul descobriu que o cliente tinha reprovado o filme "Adão e Eva" da campanha, ele ligou indignado: "Como assim o cliente reprovou "Adão e Eva"? Era o melhor. Posso ligar para o cliente direto"?

Alguns dias antes da filmagem, chegamos em Londres e fomos para o estúdio dar uma olhada nos cenários.

Depois de mostrar pra gente os três cenários dos filmes aprovados, o Paul fez um gesto de "follow me" e abriu umas cortinas no fundo do estúdio. Lá estava o cenário prontinho, o Eden, a árvore, a serpente mecânica, Adão, Eva, as folhas de parreira. "Assim que o cliente for embora, vocês ficam mais um dia e filmamos."

No final o cliente continuou não gostando da idéia e o filme nunca foi veiculado. Mas não importa. O ponto é: esse tipo de paixão cega e contagiante é cada vez mais rara em nossa profissão
.

Nos quatro dias de filmagem, tudo que eu tinha ouvido falar de Paul Arden ficou confirmado. Perfeccionista, gênio, louco.

No final de semana, fomos convidados para conhecer a sua "cottage house" no English Countryside. Parecia uma casinha de conto de fadas.

Toni, a mulher do Paul, cozinhou algo tipicamente inglês e passamos a tarde conversando. Joguei xadrez com o Paul. E ganhei, coisa que o deixou profundamente irritado (isso não significa que eu jogo bem, apenas que ele jogava mal).

Algum tempo depois, quando estava pensando em sair da Espanha, mandei meu trabalho para o Paul dar uma olhada. Em uma semana ele enviou uma longa carta escrita à mão com caneta tinteiro, comentando peça por peça. Tinha um ou outro "brilliant" e muitos "rubbish".

Mais tarde, eu mudei para os Estados Unidos e perdemos contato.
Eu acompanhava de longe as notícias. Soube que ele montou a Arden Sutherland-Dodd. Que ele começou uma galeria de fotos chamada Arden and Anstruther. Que ele escreveu "It's Not How Good You Are, It's How Good You Want To Be" e "Whatever You Think, Think The Opposite". Dois livros que eu considero leitura obrigatória para qualquer pessoa apaixonada por publicidade e pela vida.

São livros obviamente escritos por um diretor de arte e por isso mesmo tão simples e diretos.

E há pouco tempo o Paul lançou seu terceiro livro "God Explained In A Taxi Ride". Acabei de ler este último aqui no hotel antes de escrever este texto.

É engraçado o Paul escrever um livro sobre Deus um pouco antes de falecer.

No livro, Paul termina dizendo "I believe in God". E na próxima página: "But if you don't believe in God, this is the end".

Seja onde for que o Paul estiver, ele vai continuar sendo perfeccionista, gênio, louco.

No céu, ele vai criticar as formas das nuvens. No inferno, ele vai achar defeito no fogo.

Precisamos de mais pessoas genuinamente brilhantes e apaixonadas pelo que fazem. Precisamos desesperadamente de mais Paul Ardens.

Muito obrigado, Paul, por tudo que você me ensinou. Por me fazer pensar, cada vez que crio alguma coisa, "e se eu colocar uma muleta?".

(anselmo ramos, vice-presidente nacional de criação da ogilvy & mather, em tributo ao paul arden, para quem não leu no ccsp).

bem, eu não trabalhei com o paul, mas convivi com o anselmo(risos), em agências onde ele justamente saiu porque o lobo não podia andar de muletas.

talvez a fábula do paul seja difícil de entender para quem não percebe a sutileza já rombuda que diferencia a personalidade de um profissional que busca o novo, seja pela genialidade, perfeccionismo ou loucura compromissado com a paixão profissional, e não com o by the book ou sua antítese, que tanto é a porra louquice enganosa e o baixio de gente sem nenhuma personalidade, que é a realidade das centenas de lobos com os quais convivemos que no fundo no fundo não chegam a lugar nenhum apesar de valerem-se de outro tipo de muletas imensamente danosas à profissão.

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