terça-feira, fevereiro 20, 2007

terça-feira gorda ou crise existencial de ou das mentirinhas de mercado

O jornalismo impresso está em crise. Este é o novo mantra do mercado da comunicação. Só falta consistência para que a tão propalada crise se concretize. Nos dados, a crise parece não existir. De acordo com a World Association of Newspapers (WAN), a circulação de periódicos diários impressos cresceu mundialmente 9,95% entre 2001 e 2005. No Brasil, a circulação cresceu 6,5% em 2006.

Cresce a circulação, mas o faturamento dos jornais diminui. Como explicar esse paradoxo? Luciano Martins, no artigo "A imprensa, entre o iluminismo e o pós-modernismo", publicado no Observatório da Imprensa em 13/02, defende que:

"A análise dos números, embora auspiciosa, não circunscreve todo o espectro da crise que, na primeira década da internet, provocou intensos terremotos no setor. O crescimento da circulação se deve a fatores pontuais, como o período de crescimento econômico estável sobre um painel de crises agudas e sucessivas nas áreas política, social e ambiental. Eventos de grande repercussão, amplificados pelos novos meios eletrônicos, ajudam a aumentar o interesse pela mídia em geral – o atentado, ou o escândalo, noticiado o dia inteiro na televisão, induz à busca da informação consolidada e da imagem estática impressa em papel."

O argumento de Martins é consistente e explica o crescimento da circulação, mas não realiza uma comparação com o faturamento. Cresce, mas não ganha. Este é o dilema do jornalismo impresso diário. Aumenta a circulação, mas não ganha em faturamento. O paradoxo permanece e, para compreendê-lo, é preciso, em primeiro lugar, destacar que, em conjunto com o crescimento da circulação, também aumentou o número de títulos de jornais diários impressos. Segundo a WAN, o número de títulos de jornais diários no mundo ultrapassou 10 mil pela primeira vez na história.

Tradicionais e populares

No Brasil, em 2005, a circulação média diária de jornais atingiu 6,789 milhões de exemplares, contra 6,520 milhões no ano anterior – diferença de 4,12%. E, pelos mesmos motivos apresentados por Luciano Martins, diversas empresas jornalísticas brasileiras lançaram títulos de jornais diários. A maioria deles voltada para as camadas da população de menor poder aquisitivo.

O lançamento de diários de caráter mais popular demonstra uma clara tendência de buscar público na faixa da população que não tinha o hábito de leitura de jornais. Para alcançar esse público, os jornais utilizaram basicamente duas ações: preços de capa excepcionalmente baratos e produção de matérias que atendam aos anseios desse público.

O lançamento de novos títulos explica o paradoxo entre crescimento de circulação e queda do faturamento. Aliás, o investimento publicitário no setor também aumentou, passando de R$ 2,315 bilhões em 2004, para R$ 2,601 bilhões em 2005. Crescimento percentual de 12,4%, muito superior ao da circulação.

Cresceu a circulação, cresceu o número de títulos e cresceu o investimento publicitário. Onde está a crise? A crise está dentro das empresas, e não no setor. Enquanto o jornalismo impresso diário cresce, as empresas do setor começam a declinar e algumas estão sobrevivendo a pão e água.

A melhor explicação para tal situação é exatamente o bom momento vivido pelo mercado. Aumentou a circulação, aumentou o investimento publicitário, mas também aumentou o número de títulos para dividir esse bolo.

Para compreender a questão, basta comparar os números. A circulação média dos jornais diários, em sua totalidade, cresceu 4,12%, mas entre os nove jornais diários de maior circulação do país, o crescimento da circulação média foi de 3,61%. Os grandes jornais cresceram menos que o geral.

Entre os nove jornais diários com maior circulação média em 2005, quatro veículos apresentaram queda na média de circulação e quatro apresentaram crescimento; um deles manteve-se estável.

Entre os quatro jornais que apresentaram queda na circulação média, três deles – Estado de S. Paulo, Zero Hora e O Dia – são jornais classificados como tradicionais, voltados para o leitor clássico do jornal. Apenas o Correio do Povo, de Porto Alegre, pode ser considerado como um jornal popular, voltado para os leitores de classes mais baixas e com preço de capa mais barato.

Crise do JB

O único jornal considerado tradicional que aumentou sua circulação média foi O Globo, com aumento de 6,36% em relação a 2004. A Folha de S. Paulo teve um aumento de 0,08%, que não pode nem ser considerado, já que a sua circulação média cresceu de 307.703 para 307.937, diferença de 234 exemplares.

Os outros três jornais que apresentaram crescimento na circulação média são considerados jornais populares ou segmentados. O Extra aumentou 11,19% na sua média de circulação; o Diário Gaúcho cresceu 9,54%; e o Lance! teve um incremento da ordem de 25,58%. Todos bem acima da média de crescimento do PIB do país, próximos da média de crescimento do investimento publicitário no setor e, principalmente, acima da média geral de circulação dos jornais diários e acima da média de circulação dos principais jornais do país.

Destes números, uma conclusão é bastante óbvia: os jornais de modelo tradicional apresentaram queda na circulação média, enquanto os jornais considerados populares apresentaram crescimento. As exceções a essa regra são o Globo e o Correio do Povo e, por isso, vale uma análise específica da situação dos dois.

O crescimento do Globo pode ser relacionado à saída de um concorrente de peso. O diário é voltado para o público do Rio de Janeiro, que possuía três grandes jornais do modelo tradicional: o próprio Globo, O Dia e Jornal do Brasil.

O Jornal do Brasil está em absoluta crise e, na realidade, não apresenta mais representatividade na disputa dos leitores, a não ser pela sua tradição. Abriu-se um espaço a ser disputado pelo Globo e O Dia.

Investimentos em reformulação

A conclusão é que o Globo cresce graças às últimas migalhas do Jornal do Brasil, mas também que ele roubou mercado de O Dia. Enquanto O Globo passou de 257.451 mil exemplares, em 2004, para 274.934 exemplares em 2005 – crescimento de 17.483 exemplares –, O Dia passou de 171.195 exemplares, em 2004, para 151.835 exemplares em 2005 – queda de 19.360 exemplares. Mesmo que todo o crescimento do Globo viesse de O Dia, teríamos 1.877 exemplares de diários classificados como tradicionais que deixaram de circular, sem considerar a queda de circulação evidente do Jornal do Brasil.

Na mesma linha de raciocínio, explica-se a queda do único jornal considerado popular: o Correio do Povo, do Rio Grande do Sul. O periódico apresentou uma circulação média de 176.377 exemplares em 2004; já em 2005, sua circulação média passou para 167.723 exemplares – queda de 8.654 exemplares. Seu concorrente direto, também popular e de Porto Alegre, Diário Gaúcho, aumentou de 137.947 exemplares de circulação média em 2004 para 152.495 exemplares em 2005 – crescimento de 14.548 exemplares. O Diário Gaúcho pode ter conquistado todo o espaço deixado pelo seu concorrente e ainda teria mais 5.894 exemplares que representam um crescimento no mercado como um todo.

Outro destaque é o crescimento do Lance!, que aumentou em 29.793 exemplares a sua média de circulação diária. O diário é classificado como segmentado, mas de caráter popular, e talvez esse caráter popular tenha sido o responsável por seu crescimento. Para justificar esse posicionamento, basta comparar com a Gazeta Mercantil, veículo segmentado, que até 2004 estava entre os 10 jornais de maior circulação média do país com 88.597 exemplares e, em 2005, foi ultrapassado pelo Agora São Paulo, que apresentou uma circulação média de 80.574 exemplares.

Todas essas considerações apontam para um caminho: a crise não é do jornalismo diário impresso como um todo; aliás, para o setor não existe crise, mas crescimento. A crise é do jornalismo impresso diário tradicional, que vê a cada dia sua circulação diminuir, enquanto novos títulos, mais populares vão conquistando mercado.

Assim, o setor de jornalismo diário impresso não está em crise, mas em mudança. Essa mudança levou diversas empresas jornalísticas a investir em reformulação editorial e gráfica, lançar cadernos especializados, suplementos segmentados, guias de serviço, coleções e diversas iniciativas com o objetivo de conquistar leitores, ao mesmo tempo em que busca aumentar o investimento publicitário no setor.

Imitar a internet

Em novembro de 2007, a World Association of Newspapers (WAN) realizou em Atenas, Grécia, a Conferência Mundial para Editores e Especialistas em Marketing, na qual se discutiu o meio jornal impresso. Matéria publicada na edição do mês seguinte pelo jornal da ANJ destaca algumas das tendências da conferência.

O consultor da WAN Jim Chisholm defendeu a idéia de que os jornais precisam se relacionar de forma mais efetiva com seus leitores: "No mundo, há milhões de pessoas querendo fazer o trabalho de jornalista e publicar as suas próprias matérias.Os editores, hoje, não têm mais somente 50 profissionais à sua disposição, mas 50 mil pessoas. Os jornais têm que ser melhores que o Google, por exemplo, e desenvolver ferramentas que determinem, em meio à avalanche de informações, as que realmente têm valor."

Mike Smith, diretor-geral do Media Management Center, dos Estados Unidos, citou o exemplo do diário The Danville Register & Bee (EUA), que permitiu ao departamento de distribuição a oportunidade de criar a primeira página de uma edição. Esta versão foi colocada à venda junto com a versão cuja capa foi produzida pela redação. A versão desenvolvida pelo departamento de distribuição foi a mais vendida.

Jasna Zemijic e Thomas Dobernigg, da Dobernigg & Rupprecht Kommunikation (Alemanha), explicaram o sucesso do 24 sata (24 horas). Com apenas oito meses de existência, o veículo tornou-se o terceiro maior jornal da Croácia. O projeto visual foi feito para atrair uma audiência jovem, sendo impresso em formato A4, com muitas fotos pequenas e blocos menores de texto. Segundo Dobernigg, a idéia foi tornar o jornal o mais parecido possível com a internet.

Potencial autodestrutivo

Dos exemplos citados, pode-se resumir três possibilidades de sucesso para o jornalismo impresso diário: prática de jornalismo colaborativo, com a participação mais efetiva na elaboração do veículo; subordinação da redação jornalística a interesses mercadológicos; e mimetismo midiático, com a transposição do modelo da internet de apresentação das notícias para o jornalismo impresso. Nenhuma dessas soluções parece aplicável à realidade brasileira.

A primeira estratégia, baseada no jornalismo colaborativo, esbarra na realidade brasileira e na alta competitividade da internet, um meio mais afeito à prática do jornalismo colaborativo.

Os números apresentados demonstram que a circulação de jornais impressos diários está crescendo apenas nos veículos populares, voltados para o público de menor poder aquisitivo e que não tinha o costume ou não possuía condições financeiras para ler os jornais tradicionais. Se este público está apenas agora "aprendendo" a ler jornais, esperar que participe ativamente da produção do jornal e que se torne colaborador do veículo é necessariamente, utilizando uma expressão popular, "um passo maior que a perna".

Em contraposição a esse argumento, pode-se levantar a idéia de que o público antigo do jornal, já acostumado a ler notícias, está ansioso para participar da produção dos veículos, dando sustância ao modelo de jornalismo colaborativo. Esse público já faz isso, mas por meio da internet, muito mais adequada ao jornalismo colaborativo e sem a estrutura centralizada que a mídia impressa diária possui.

A segunda opção parece uma solução paliativa de curto prazo, com grande potencial autodestrutivo. Subordinar o processo de seleção e publicação de notícias aos interesses do departamento de circulação, ou qualquer outro setor que não seja a própria redação, tem como potencial conseqüência a queda da credibilidade do veículo.

Superficialização e banalização

Se uma capa com material mais espetacularizado ou sensacionalista é ideal para uma edição pontual, com resultado imediato nas vendas do jornal, no longo prazo tem como conseqüência a perda de credibilidade, pois o público tende a perceber que o jornal passou a ser produzido com base na espetacularização e comercialização do veículo, e não no processo de seleção de notícias relevantes. O jornalismo cederá espaço ao entretenimento e lazer e o jornal diário não será mais informativo, gerando desconforto junto a seu público.

Finalmente, a terceira opção parece ser a menos propícia. Copiar o modelo de jornalismo da internet para o jornalismo impresso é como disputar uma partida de futebol na casa do adversário, com o juiz a favor deles. O jornal diário não conseguiu superar a internet nem quando as regras ainda eram ditadas pelo modelo impresso.

Porém, vale uma ressalva sobre esse modelo. Se for constatado que as práticas da mídia digital a serem adotadas se referem a medidas que facilitam a leitura e compreensão das informações, com textos mais curtos e mais objetivos, a estratégia tem potencial para alcançar sucesso, ou seja, aumentar a leitura do veículo e, conseqüentemente, sua circulação.

Como foi demonstrado, a circulação de jornais diários impressos cresce junto à faixa popular, conquistando um público que não tinha o costume ou condições financeiras para consumir o jornal diário. A questão da condição financeira é superada pelo baixo preço de capa que os jornais populares apresentam, variando de trinta a setenta centavos. O problema reside no costume.

Um público desacostumado a consumir o jornal diário é um público que não possui hábito de leitura e que, por isso mesmo, apresenta dificuldades para compreender textos mais complexos e aprofundados. A forma de inclusão deste público é a adoção de textos mais curtos, claros, até mais superficiais. O nível da informação deve ser igual ou, no máximo, um pouco superior à capacidade de assimilação desse público.

Não adianta pedir que um recém-alfabetizado leia e compreenda um tratado filosófico. Neste ponto temos a aplicação do modelo de jornalismo da internet, com textos mais curtos, claros e concisos. Alguns defensores do tradicionalismo levantarão suas espadas alegando que a proposta levará à superficialização do jornalismo, sua banalização e efemeridade.

Processo de "revistalização"

Os críticos têm razão. A adoção do modelo da internet, principalmente por parte dos veículos populares ou segmentados, levará a uma superficialização do jornalismo impresso diário, mas isso será possível sem que se destrua o modelo tradicional.

O jornalismo tradicional, de informação aprofundada e complexa, poderá continuar a existir, mas precisará se reinventar também. A adoção do modelo da internet será extremamente factível para atingir o público que está fora do alcance dos jornais do modelo tradicional e que também não possui acesso à internet. Em suma, a aplicação desse modelo alcançará um novo nicho de público.

Ainda resta o problema com os jornais tradicionais, em crise. Que medida adotar para que estes veículos recuperem espaço junto ao público? As soluções apresentadas não apontam para o sucesso da empreitada e empresários do setor se sentem encurralados.

A solução está próxima: o modelo de jornalismo de revista. O jornalismo impresso já perdeu para a internet a batalha da velocidade da informação e, assim, restou para ele a disputa no campo da qualidade. Neste ponto, o modelo de jornalismo de revista está à frente. As revistas se caracterizam pela prática da interpretação, análise e aprofundamento, além de apelarem para uma maior qualidade, tanto estética quanto física, com a utilização de cores e técnicas de comunicação visual em conjunto com um papel de maior qualidade e melhor acabamento.

O jornalismo impresso diário tradicional deve adotar nas suas rotinas produtivas um processo de "revistalização", tornando-se uma revista diária, com grande vantagem sobre os modelos tradicionais de revista semanal, quinzenal ou mensal.

(as tendencias do jornalismo impresso, do márcio rogério flizikowski, para o obserevatório da imprensa)

não seria o problema do jornalismo atual a falta de compromisso com os compromissos que o jornalismo tem que ter, ou deveria, teoricamente ? agora, que tem marketeiro demais nas redações(e direções) e jornalistas de menos onde deveria, lá isso tem. agora que jornalista de culhão e inteligência descompromissada não se encontra em prateleira de faculdade isso lá também é verdade. jornalística ?

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