sexta-feira, setembro 01, 2017

cada qual deve lutar de sua trincheira, mesmo que ela seja uma banheira - se ela é furada ou não isto é por sua própria conta e risco

nicanor parra, poeta, matemático, físico e intelectual chileno, em sua casa, em santiago 1995
ao expor sua luta entre o " seu estado de intelectual burguês e sua profunda simpatia pelo proletariado como a luta entre o prazer e o dever"*nicanor expõe a fratura de muitos de nós ditos de esquerda(sim, de esquerda, aquilo que hoje parece ser um desvio social, pelo menos se você der ouvidos aos comentários de redes e a bancada da bala, da bíblia e do boi " ("povo marcado, povo feliz")

ainda segundo ele," sua vida são os livros, as viagens, a ciência; mas por outro lado percebe que seu dever é, inevitavelmente, se identificar com o proletariado, e todos os seus esforços levam a essa meta: “ainda estou longe de dar um sentido à vida, mas estou me aproximando disso, e em meus últimos poemas há uma espécie de janela que se abre para essa posição que é crítica, mas que também diz algo”.

”parra sustenta que sua poesia reflete sua posição ambígua entre duas classes sociais, o proletariado e a burguesia: “é a poesia da classe média chilena, do pequeno burguês consciente. eu me declaro marxista, mas não sou um comunista militante, e não sou porque estou ‘apoltronado’. não sirvo para a luta, para comícios, nem para sair com um cartaz numa manifestação. eu só posso lutar da minha poltrona de intelectual. porém, meu amor está no proletariado”.

considerando estas palavras vindas de uma entrevista dos anos 60, muitas ilações podem ser feitas, inclusive a de que a esquerda brasileira atual não morre de amores pelo proletariado - pelo menos não tanto como a dos anos 60 - não sem antes amar a si própria, com certa timidez, e como se pudesse existir entre livros, viagens, e o intelecto, distante do povo que nem sempre a compreende - também pudera o discurso é ininteligível à "populéia"(a recíproca é verdadeira), sem ter a consciência do peso pequeno burguês que carrega, neste brasil, onde o povo anda-a corneando a chifres e passos largos para o abismo social que se nos apresenta, cuja culpa não pode ser tão-somente creditada aos desvios e erros da esquerda mas a uma desconcertante superioridade da direita para conspurcar até mesmo as ações de esquerda que muitos reconhecem bem intencionadas (de boa intenção, a esquerda estaria agora vazia ?) 

a questão não é nova, e diversos teóricos - se você não os leu, não vai valer a pena serem citados. e se leu, e não lembra, fodeu -  já abordaram o tema, que permanece renitente quando as ações do homo politicus do pequeno burguês de esquerda, esbarra na encruzilhada que não une, mas sim divide, o sentimento de solidariedade e simpatia(muitas vezes demagógicas) pela classe e o compromisso de classe propriamente dito, que nem a própria classe respeita, já que o nosso proletariado muitas vezes não se reconhece como tal, até quando se asfixia com a votação na direita;

derivações à parte, talvez pretexto para aqui chegar, a poesia de nicanor, considerado um mestre da anti-poesia, não deixa dúvidas de que lado ele está.

a dúvida está em de que lado está agora aqueles em que nós confiamos, incluindo a nos próprios(se não confiamos em nós próprios, fodeu).


agora, um pouco da poesia(ou anti-poesia, como queiram) de parra, que só agora, aos 103 anos(sim o poeta está vivo)  foi traduzido para o brasil, apesar de várias vezes indicado ao nobel, um premio pequeno burguês, como todo premio - e de sua irmã, violeta no vídeo mais abaixo.


A MONTANHA RUSSA
Durante meio século

A poesia foi

O paraíso do tonto solene

Até que vim eu

E me instalei com minha montanha russa.

Subam, se lhes parece.

Claro que não respondo se descerem

Vertendo sangue pela boca e nariz.




ADVERTÊNCIAS 

Proíbe-se rezar, espirrar,
Cuspir, elogiar, ajoelhar,
Venerar, grunhir, expectorar.

Neste recinto é proibido dormir
Inocular, falar, excomungar
Compor, fugir, interceptar.

Rigorosamente proíbe-se correr.
É proibido fumar e fornicar.
(tradução de frank morais)

PAI NOSSO

Pai nosso que estás no céu
Cheio de todo tipo de problemas
Com o cenho franzido
Como se fosses um homem vulgar e comum
Não penses em nós.

Compreendemos que sofres
Porque não podes consertar as coisas.
Sabemos que o Demônio não te deixa tranquilo
Desconstruindo o que constróis.

Ele se ri de ti
Mas nós choramos contigo:
Não te preocupes com suas risadas diabólicas.

Pai nosso que estás onde estás
Rodeado de anjos desleais
Sinceramente: não sofras mais por nós
Tens de perceber 
Que os deuses não são infalíveis
E que nós perdoamos tudo.
(tradução de carlos machado)
                                                              






             

*trechos aspeados fazem parte de entrevista transcrita in opera mundi(brasil)e publicada originalmente na revista ercília(chile)

Nenhum comentário:

Postar um comentário