sábado, outubro 08, 2016

se,como diria o nélson, toda unanimidade é burra, vamos tornar o aquário mais inteligente *

o oceania, quer dizer o aquarius
Fui assistir o filme Aquarius numa expectativa inocente, influenciada pelas críticas pipocadas no Facebook e em sites de cinema e cultura. Não, eu não li todas, mas o frisson nas redes sociais me fez acreditar que seria um filme interessante de pagar pra ver. Fui lá, paguei, me sentei pra assistir. Antes de continuar meu raciocínio preciso me localizar: eu sou sapatão, preta, gorda, estudante e desempregada. Esses marcadores sociais são importantes ao destaque porque me encontro no não-lugar das representações políticas e midiáticas. Localizar as falas é um modo de explicitar a necessidade do reconhecimento dos sujeitos na sociedade brasileira, algo que raramente é feito a não ser para aquelas pessoas já marcadas socialmente (ou seja, euzinha mesma); sujeitos brancos, masculinos, heterossexuais se compreendem como universais pois não se localizam a partir dos marcadores sociais e vão perpetuando essa ideia torpe de que não partem de lugar algum, ou melhor, o ponto de partida é "isento".

Ledo engano, meus caros. Não existe neutralidade em nenhuma ação, isso é uma falácia pra vender publicidade e jornalismo que corrobora pra ideologia dominante, coisa de quem não quer reconhecer a realidade perversa que existe. Pois bem, voltemos ao filme: tive vontade de sair da sala de cinema pelo menos em 3 momentos! Mas eu realmente tive o impulso de levantar na cena em que tratava das empregadas domésticas da "família". Fui segurada pela minha amiga que estava ao lado e que me fez ver o filme até o final. Fiquei lá, contrariada, mas fiquei. Assisti tudo na promessa de que se tivesse a parte 4 eu não aguentaria e sairia mesmo! Esse foi o acordo.
"Se a intenção era chamar atenção para a forma com que a classe média trata as pessoas trabalhadoras domésticas, o filme não cumpriu o papel de comunicar e problematizar a questão. Não teve a proposta de desvendar essas relações, apenas de apresentá-las ao público que, em sua maioria, adorou e aplaudiu nas salas de cinema"
O ápice do meu incômodo foi quando soltaram a frase "Elas roubam e a gente explora. Justo", sobre a lembrança de uma empregada doméstica antiga que havia roubado a família. Engraçado que mostraram essa cena de "roubo" mas não mostraram a relação de exploração perversa da classe média para com suas trabalhadoras domésticas. O "justo" acabou sendo aquela relação de que "são quase da família". E se a intenção era chamar atenção para a forma com que a classe média trata as pessoas trabalhadoras domésticas, o filme não cumpriu o papel de comunicar e problematizar a questão. Não teve a proposta de desvendar essas relações, apenas de apresentá-las ao público que, em sua maioria, adorou e aplaudiu nas salas de cinema. Não teve um viés questionador como eu imaginava, dada a repercussão do filme. Para uma amiga, o filme foi mea culpa. Para mim, foi perfumaria.
Percebam o quanto a mídia é responsável por manter e alimentar o imaginário social racista, fazendo com que no cotidiano as relações sociais também se mantenham, ou seja, vocês se assustarem quando uma mulher preta chefia grandes projetos e empresas, o "espanto" é o racismo. Estranhar a presença de pessoas negras em cargos de responsabilidade ou em evidência cultural, é fruto do racismo que segue sendo reproduzido nas telonas, até mesmo quando este se propõe a algo mais "denunciante", mas que o fez sob a égide racial que estrutura as relações sociais brasileiras.
Não foi utilizado nenhum questionamento para além do que sabemos a respeito das práticas racistas e elitista daqueles que se julgam burguesia para não pertencer à classe trabalhadora como demérito do ser. A especulação imobiliária que contém no filme é algo florido e amenizado no sentido de que a busca por uma solução aparece como individual, de revanche na mesma moeda, de ameaça mas de manutenção dos acordos porque "fulano é da família". As hierarquias mantidas e gravadas serviram para reforçar ideologicamente o lugar que é imposto para as pessoas pretas nesta sociedade. A notar tanto aplauso e elogio sendo distribuídos por aí, isentos de uma reflexão sócio-racial, me fizeram compreender que esse filme serviu para a classe média se identificar com a história e não compreender a colonialidade violenta contida nas relações de poder ali filmadas. Então não acredito que tenha servido amplamente para quebrar questionar esses lugares hegemônicos, de práticas racistas e elitistas, pelo contrário, foi um mea culpa bem chulo que enfatizou o lugar da mulher preta, da trabalhadora doméstica, do porteiro ao salva-vidas, todo mundo tem que estar à serviço de uma pessoa cujo status social é a fonte que desenha as relações.


(aquarius: um olhar sobre a narrativa da classe média branca - por jéssica hipólito, na caros amigos)

o aquarius, quer dizer o oceania, em 1950

nota do blog: publicar o artigo não quer dizer necessariamente que concordamos com seu teor, até porque não vimos o filme ainda. mas é sempre um dado a mais para reflexão, equivocada ou não.

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