É claro que ele se referia ao clero secular, não aos quadros da Companhia, “soldados de Cristo”, que levavam a sério a militância apostólica. Quando não a levavam, eram expulsos. Já os “clérigos do hábito de São Pedro” não tinham a mesma formação dos jesuítas ou de outros frades regulares. O paradigma deste julgamento era, em todo caso, a moral cristã, em sua versão católica: sexo é coisa má, só tolerável no matrimônio, e só de vez em quando, para procriar os filhos de Deus.Nóbrega teria razão ao criticar, em meados do século XVI, os padres que vinham pastorear almas no Brasil? Do ponto de vista da Igreja, tinha toda a razão – e ainda teria se vivesse no século XVII ou no XVIII.Basta ler a confissão do padre Frutuoso Álvares, o primeiro a se apresentar ao visitador do Santo Ofício, na Bahia, em 29 de julho de 1591. Disse que nos últimos 15 anos tinha cometido “tocamentos torpes” com 40 pessoas, “abraçando, beijando”, a começar por um jovem de 18 anos. Contou que, neste caso, “tocou com as mãos” em sua “natura”, isto é, no seu pênis, provocando, por duas vezes, “polução” (gozo) no “membro viril” do rapaz.A linguagem oficial da época é, aliás, saborosa. O pênis era chamado de “natura”, “membro viril”, “membro desonesto”. Desonestidade, por exemplo, era palavra muito usada para designar lubricidade, sensualidade ou, simplesmente, sacanagem. Nos documentos de época já aparece a expressão “fazer as sacanas”. No caso dos tocamentos em que padre Frutuoso era perito, também havia uma expressão em parte familiar: “jogar as punhetas”.Padre Frutuoso, vigário no Recôncavo da Bahia de Todos os Santos – todos eles! – foi o primeiro a confessar que “fazia sacanas” no Brasil desde o tempo em que serviu na Madeira – a ilha, vale dizer. Estimou em cerca de 100 parceiros, “pouco mais ou menos”, o número de rapazes (sempre jovens) nos quais jogara “as punhetas”. Devem ter sido uns 200 ou 300.Nóbrega tinha razão ao criticar os padres seculares? Há vários outros exemplos nos papéis inquisitoriais. Padre Jácome de Queiroz também se apresentou, de sua própria iniciativa, ao visitador, para confessar que tinha sodomizado duas índias. Alegou que o fez sem querer: como tinha tomado muito vinho, ao achegar-se às meninas, “errou de vaso” e, ao invés de penetrar no “vaso natural”, como devia (?), meteu seu “membro desonesto” no vaso traseiro, por vezes grafado no documento, em latim, vas preposterum.O mais incrível neste caso é que o visitador mal ligou para o fato de que as índias em causa eram duas meninas, uma de 6, outra de 7 anos. Hoje seria caso de pedofilia e abuso sexual de menores. Na época, não passava de sodomia. A questão era saber em que vaso o padre meteu seu “membro viril” e se o fez por escolha ou por acidente. O grande historiador francês Phillipe Ariès esclarece: nesta época, as pessoas viam as crianças como “pequenos adultos”.Devemos deduzir, desses exemplos, que a lascívia dos padres era típica do clero secular? Nada disso. No século XVIII, o frei franciscano Luís de Nazaré, vigário nas Minas, alegava ser exorcista sem sê-lo e, quando sabia de moças adoecidas e melancólicas, apresentava-se para curá-las, expulsando o demônio. De Bíblia na mão e com seu membro viril à mostra, jogava o “jogo dos punhos”, esfregando o sêmen pelo corpo da “possuída”. Preso pelo Santo Ofício, alegou que fez tudo por luxúria, não por acreditar que o sêmen era capaz de expulsar demônios. Acrescentou que as mulheres do Brasil eram tolas e acreditavam em qualquer coisa. A Inquisição só não disse “tudo bem” porque cassou as ordens sacras do frei.Também no século XVIII, outro frade regular, pertencente à Ordem das Mercês do Pará, preferia rapazes. Gostava, em particular, de oferecer seu “vaso traseiro” e como por vezes o “vaso sangrava”, ele dizia que estava menstruado. Numa palavra: o frade das Mercês dizia que era mulher, disfarçada de frade. Ele acrescentou, como frei Luís de Nazaré, de Minas, que também os rapazes do Brasil eram tolos, acreditavam em tudo.Voltando aos padres seculares e aos heterossexuais, Lana Lage, em sua tese de doutorado, tratou dos solicitantes ad turpia. Quem eram? Padres, em geral seculares, que no ato da confissão, ou a propósito dela, “cantavam” as mulheres, quando não avançavam nelas. Muitos alegavam que, sendo eles padres, não havia pecado no avanço, Deus perdoava. Outros, tratando com mulheres casadas, diziam que eles, padres, eram ricos, e poderiam regalá-las muito mais que seus maridos. A subversão da doutrina católica era total.O mais interessante, porém, é que havia uma gradação “sociológica”nas investidas dos solicitantes ad turpia: com mulheres “brancas e honradas”, eles vinham com uma conversa amorosa, tipo amor cortês. Um deles mandou uma florzinha entredentes pelas grades do confessionário. Mas com mulheres negras, escravas ou forras, cortesia zero: mãos nos peitos, mãos debaixo da saia.Trópico dos pecados? Sim. Prova de que a Igreja era conivente com sodomias, pedofilias e abusos sexuais? Não. Só conhecemos tudo isso porque a Igreja Católica tinha aparelhos de vigilância e punição dos padres que subvertiam a moral cristã. Puniam alguns. Os papéis da Inquisição dão a prova. Os jesuítas, por sua vez, quase não aparecem como réus nesses escândalos. Ad majorem Dei Gloriam – tudo pela glória de Deus. Ou, como diria Gilberto Freyre: “donzelões intransigentes”.(texto publicado na revista de história, do ronaldo vainfas, professor da universidade federal fluminense e autor de trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no brasil (3. ed., civilização brasileira, 2010).
o blog que dá crise renal em quem não tem crise de consciência. comunicação, marketing, publicidade, jornalismo, política. crítica de cultura e idéias. assuntos quentes tratados sem assopro. bem vindo, mas cuidado para não se queimar. em último caso, bom humor é sempre melhor do que pomada de cacau.
terça-feira, dezembro 31, 2013
sábado, dezembro 28, 2013
mudou alguma coisa?
As sacanagens clericais
Quando o padre Manuel da Nóbrega chegou à Bahia, em 1549, fez questão de manifestar sua insatisfação com a conduta do clero colonial. Os padres viviam atracados com índias, alegando que eram suas escravas
quinta-feira, dezembro 26, 2013
ho! ho! ho!
vai que eu atendo? |
Velha mídia quer a Presidência de presente de Natal
Enquete feita entre colunistas do mais tradicional veículo da velha mídia mostra o que eles pretendem em 2014: mandar na política e ditar a opinião pública
O jornalista Ancelmo Góis fez uma enquete junto a outros colunistas do jornal O Globo para saber o que eles esperam de 2014. Merval Pereira espera que as coisas continuem ruins no ano que vem, mas acha que vão piorar. Carlos Alberto Sardenberg, Míriam Leitão e Zuenir Ventura torcem por mais protestos – “protestos vigorosos”, quer Sardenberg. Ricardo Noblat pediu a Papai Noel que dê discernimento aos brasileiros para escolher o próximo presidente da República. Se é para dar, supõe-se que é porque ainda não temos.
A enquete deixa claro o que o mais tradicional veículo da velha mídia está preparado para fazer em 2014. É o mesmo que fez em 2013: pegar carona na insatisfação popular para tentar influir decisivamente no mundo da política. Desgastar aqueles de quem não gosta para dar uma força àqueles que são seus prediletos.
A mídia que foi escorraçada das ruas e teve que mascarar as logomarcas de seus microfones quer repetir o que sempre fez em eleições presidenciais: entrar em campo e desempenhar o papel de partido de oposição.
As corporações midiáticas se organizam para, mais uma vez, interferir no resultado das eleições porque disso depende o seu negócio. De novo, entram em campo para medir forças. Já estão acostumadas a partir para o tudo ou nada. Vão testar, pela enésima vez, a quantas anda seu poder sobre a política. Disso fazem notícia e assim agem para deixar os políticos e os partidos de joelhos, estigmatizados, envergonhados e obsequiosos.
Como nos ensinou Venício Lima, uma Presidência, um Congresso e partidos achincalhados são incapazes de propor uma regulação decente da mídia, nem mesmo para garantir a liberdade de expressão, a diversidade de fontes de informação, a pluralidade de opiniões e um mercado da comunicação não cartelizado.
Em 2013, as corporações midiáticas, mais uma vez, anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar. E não é que o tal do mundo não se acabou? Quando os protestos de junho tomaram as ruas, o preço do tomate tinha ido às alturas. O PIB de 2012 se tornou conhecido e seu crescimento havia sido próximo de zero. Os reservatórios estavam bem abaixo do normal e "especialistas" recomendavam rezar para que não houvesse apagão. O caso Amarildo fez derreter a quase unanimidade que havia em defesa do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (as UPPs).
Parecia que o país ia mal das pernas e que um modelo de governança estava esgotado e ruindo. Tudo levava a crer que a presidência Dilma havia entrado em um beco sem saída. Mas saiu. Ela recuperou sua popularidade, enquanto seus adversários potenciais caíram em preferência de voto e aumentaram sua rejeição.
O ano terminou melhor do que começou, para o governo e para o País. A inflação vai fechar dentro da meta. Assim deve permanecer no ano que vem, por mais que alguns analistas queiram, usando razões que a própria razão desconhece, nos fazer crer que o limite da meta é algo fora da meta (quem sabe os dicionários, no ano que vem, tragam um novo sentido para a palavra “limite”). Não houve apagão e as térmicas foram desligadas mais cedo do que se imaginava.
O crescimento do PIB, em 2014, deve ser maior do que o deste ano. Educação e saúde terão mais recursos e têm saído melhor na percepção aferida em pesquisas. O Brasil, no ano que vem, continuará com um dos maiores superávits primários do mundo, ainda mais com a entrada de novos recursos vindos da exploração do pré-sal e das concessões de infraestrutura.
Mas os pepinos continuam sendo muitos. Alguns serão particularmente difíceis de se descascar no ano que vem. Um é a ameaça de as agências de avaliação de risco rebaixarem a nota do Brasil. Outro é o descrédito das políticas de segurança pública, em todos os estados, mas respingando no Governo Federal.
O terceiro e, possivelmente, o mais explosivo, seria o mesmo de 2013: uma nova onda de aumento das tarifas de ônibus, o que tradicionalmente acontece no primeiro semestre de cada ano. A derrota do aumento do IPTU em São Paulo, na Justiça, tirou do mapa a única situação que se imaginava sob controle. O eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte é o que mais preocupa o Planalto. Se algo der errado, no ano que vem, terá como epicentro provável essas três capitais, podendo alastrar-se para as demais.
Os protestos de 2013 foram uma tempestade perfeita. Várias questões mal resolvidas e acumuladas no estresse diário dos cidadãos se transformaram em revolta nas ruas, juntando alhos e bugalhos. Imprevisíveis, tempestades perfeitas, como foram as jornadas de junho, são também difíceis de se repetirem. Difíceis, mas não impossíveis.
Basta um pequeno risco para se ter uma grande preocupação. Os três problemas mais sensíveis do momento (a percepção internacional sobre a economia do país, a segurança pública e as tarifas de ônibus) conformam a agenda prioritária do primeiro trimestre de 2014 a ser toureada diretamente pelo Palácio do Planalto. Os meses de janeiro a março de 2014 serão mais agitados do que o normal, pelo menos, na Esplanada dos Ministérios.
O trimestre seguinte, de abril a junho, será o período mais crítico. Ali se concentram as datas-base da negociação trabalhista de várias categorias; a briga de foice de muitos interesses para entrarem na pauta do esforço concentrado do Congresso; o período final do acerto das candidaturas presidenciais e estaduais; finalmente, claro, a Copa do Mundo de Futebol.
Que venha 2014. Que venha mais ousadia de todos os governos e partidos. Que venham mobilizações em favor dos mais pobres e com os mais pobres nas ruas, com suas organizações sociais, populares e seus partidos - até para que os partidos possam abrir menos a boca e mais os ouvidos. Que os brasileiros mostrem que a voz das ruas não é aquela fabricada pelas manchetes das corporações midiáticas. Que a opinião pública mostre, ao vivo e em cores, que a sua verdadeira opinião é normalmente o avesso da opinião publicada. Que venham surpresas, pois são delas que surgem as mudanças.
(texto do cientista político antonio lassance )
O ano terminou melhor do que começou, para o governo e para o País. A inflação vai fechar dentro da meta. Assim deve permanecer no ano que vem, por mais que alguns analistas queiram, usando razões que a própria razão desconhece, nos fazer crer que o limite da meta é algo fora da meta (quem sabe os dicionários, no ano que vem, tragam um novo sentido para a palavra “limite”). Não houve apagão e as térmicas foram desligadas mais cedo do que se imaginava.
O crescimento do PIB, em 2014, deve ser maior do que o deste ano. Educação e saúde terão mais recursos e têm saído melhor na percepção aferida em pesquisas. O Brasil, no ano que vem, continuará com um dos maiores superávits primários do mundo, ainda mais com a entrada de novos recursos vindos da exploração do pré-sal e das concessões de infraestrutura.
Mas os pepinos continuam sendo muitos. Alguns serão particularmente difíceis de se descascar no ano que vem. Um é a ameaça de as agências de avaliação de risco rebaixarem a nota do Brasil. Outro é o descrédito das políticas de segurança pública, em todos os estados, mas respingando no Governo Federal.
O terceiro e, possivelmente, o mais explosivo, seria o mesmo de 2013: uma nova onda de aumento das tarifas de ônibus, o que tradicionalmente acontece no primeiro semestre de cada ano. A derrota do aumento do IPTU em São Paulo, na Justiça, tirou do mapa a única situação que se imaginava sob controle. O eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte é o que mais preocupa o Planalto. Se algo der errado, no ano que vem, terá como epicentro provável essas três capitais, podendo alastrar-se para as demais.
Os protestos de 2013 foram uma tempestade perfeita. Várias questões mal resolvidas e acumuladas no estresse diário dos cidadãos se transformaram em revolta nas ruas, juntando alhos e bugalhos. Imprevisíveis, tempestades perfeitas, como foram as jornadas de junho, são também difíceis de se repetirem. Difíceis, mas não impossíveis.
Basta um pequeno risco para se ter uma grande preocupação. Os três problemas mais sensíveis do momento (a percepção internacional sobre a economia do país, a segurança pública e as tarifas de ônibus) conformam a agenda prioritária do primeiro trimestre de 2014 a ser toureada diretamente pelo Palácio do Planalto. Os meses de janeiro a março de 2014 serão mais agitados do que o normal, pelo menos, na Esplanada dos Ministérios.
O trimestre seguinte, de abril a junho, será o período mais crítico. Ali se concentram as datas-base da negociação trabalhista de várias categorias; a briga de foice de muitos interesses para entrarem na pauta do esforço concentrado do Congresso; o período final do acerto das candidaturas presidenciais e estaduais; finalmente, claro, a Copa do Mundo de Futebol.
Que venha 2014. Que venha mais ousadia de todos os governos e partidos. Que venham mobilizações em favor dos mais pobres e com os mais pobres nas ruas, com suas organizações sociais, populares e seus partidos - até para que os partidos possam abrir menos a boca e mais os ouvidos. Que os brasileiros mostrem que a voz das ruas não é aquela fabricada pelas manchetes das corporações midiáticas. Que a opinião pública mostre, ao vivo e em cores, que a sua verdadeira opinião é normalmente o avesso da opinião publicada. Que venham surpresas, pois são delas que surgem as mudanças.
(texto do cientista político antonio lassance )
sábado, dezembro 14, 2013
nem perca tempo com esta entrevista. vá pesquisar direto na fonte: caligrafia árabe; a fonte do que vem antes das fontes
O HOMEM POR TRÁS DA COMIC SANS
Entrevistamos o criador da fonte mais amada e odiada de todos os tempos
Divulgação
Vincent Connare
Uma batalha silenciosa é travada desde o advento do computador pessoal. Entre flancos de editores de texto e programas gráficos, as fontes (a versão digital das famílias tipográficas) se digladiam para conquistar o usuário. Dos vários exércitos em campo, o mais divertido é liderado pela Comic Sans.
“Se você ama [a Comic Sans], você não sabe muito sobre tipografia; e se você odeia, você realmente não sabe muito sobre tipografia”, diz Vincent Connare, criador da fonte que, prestes a completar vinte anos de existência, é tão célebre quanto sua rival em estilo: a Arial, versão digital inspirada na Helvetica.
Connare não gosta da criação tipográfica suíça. Acha vazia e imperceptível. No Brasil, ele pretende ver família tipográficas cheias de movimento e detalhes. Ele vem ao país para participar doDiaTipo, evento dedicado ao design das letras. Por isso ele conversou com a Trip sobre sua maior criação, a Comic Sans.
Trip: Em uma de suas entrevistas você diz que a inspiração para a Comic Sans veio de um livro de crianças. Você acha que por isso muitas pessoas não gostam da fonte? Porque é para crianças. Ou há outra razão?
Vincent Connare: A Comic Sans foi criada para a seção de softwares infantis quando eu trabalhava na Microsoft. Foi quando eu estava criando programas para crianças, mães, pais e pessoas iniciantes no computador. O pessoal dessa seção me mostrou um aplicativo para Windows 95 em forma de desenho animado, o MS Bob. Eles me perguntaram o que eu achava da tipografia utilizada no software. Eu vi um cachorro em forma de cartum e seu balão de fala usava a fonte Times New Roman. Eu disse que isso era estúpido. Falei: olha esses quadrinhos do Watchmen e do Batman com as letras parecendo que foram feitas a mão. Era assim que o MS Bob devia ser. Devia parecer com algo que está na seção de quadrinhos do jornal e não na primeira página.
Vincent Connare: A Comic Sans foi criada para a seção de softwares infantis quando eu trabalhava na Microsoft. Foi quando eu estava criando programas para crianças, mães, pais e pessoas iniciantes no computador. O pessoal dessa seção me mostrou um aplicativo para Windows 95 em forma de desenho animado, o MS Bob. Eles me perguntaram o que eu achava da tipografia utilizada no software. Eu vi um cachorro em forma de cartum e seu balão de fala usava a fonte Times New Roman. Eu disse que isso era estúpido. Falei: olha esses quadrinhos do Watchmen e do Batman com as letras parecendo que foram feitas a mão. Era assim que o MS Bob devia ser. Devia parecer com algo que está na seção de quadrinhos do jornal e não na primeira página.
Quando você percebeu que a Comic Sans estava presente no mundo todo? Eu soube disso quando me falaram que ela faria parte do pacote de fontes do Windows 95 que seria enviado com todo novo computador. Nesse momento eu soube que ela estaria em todo o lugar. Eu tive certeza disso quando fui para a Austrália e vi a fonte em todas as toalhas da praia de Bondi, numa loja de surf e no menu de um restaurante a caminho de Sydney.
Quando eu devo usar a Comic Sans? Bem, eu usei Comic Sans quando escrevi uma carta de reclamação para minha operadora de internet quando eles esqueceram de mandar um modem, me deixando sem conexão durante duas semanas. Eu uso em momentos de raiva e parece que vai direto ao ponto: nesse caso, eu fui ressarcido.
Você conhece alguma história engraçada com a Comic Sans? A primeira vez que vi a Comic Sans na web eu estava procurando meu nome no AltaVista [mecanismo de busca anterior ao Google]. Já achei ela em um site pornô e em um site em homenagem ao Black Sabbath. Foi engraçado quando o Vaticano divulgou um álbum celebrando o papa Bento XVI em seis línguas com a Comic Sans. Foi engraçado também quando o maior evento científico da nossa era, a descoberta do Bóson de Higgs no CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), foi apresentada em Comic Sans. Outro episódio engraçado aconteceu na saída do LeBron James do Cleveland, quando ele escreveu uma carta em Comic Sans.
O movimento 'Ban Comic Sans'
O que você acha do “Ban Comic Sans”, movimento dedicado a banir a Comic Sans? Você disse uma vez que o casal que criou o movimento não teria se conhecido se não fosse sua fonte. Fico feliz que ela tenha juntado os dois. Só espero que eles comprem um teclado Comic Sans para os filhos.
Acredito que a Helvetica seja tão utilizada quanto a Comic Sans. Por que as pessoas não criticam esse poder tipográfico hegemônico também? Helvetica é a coisa mais chata desde o queijo suíço. Ela recebe um monte de atenção mesmo sendo vazia a ponto de ser imperceptível mesmo se estiver na sua frente. Conheço um suíço que odeia Helvetica, o Bruno Maag.
Você também criou as fontes Trebuchet e Magpie, certo? Você gosta mais delas que da Comic Sans? Todas foram criadas por motivos diferentes, mas eu nunca poderia odiar a Comic Sans. É a família tipográfica mais engraçada de todos os tempos e o design existe por causa disso: fazer algo pensando num mercado a ponto disso ser completamento adotado por ele. A Comic Sans foi feita para pessoas normais e elas adoram usá-la. E estou orgulhoso de ver que a Trip usa Trebuchet no seu site.
O que você faz atualmente? Hoje em dia eu trabalho na DaltonMaag London, uma empresa de tipografia. Temos escritórios em vários países, mas, além da nossa sede em Londres, nosso orgulho é a filial brasileira em Porto Alegre que criou a família tipográfica oficial dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016. Quem dera o comitê olímpico nos chamasse para os Jogos Olímpicos de Londres.
E o que você espera ver no Brasil em matéria de tipografia? Pretendo ver uma tipografia criativa no Brasil. Bastante caligrafia, movimento e famílias tipográficas com serifa [pequenos detalhes ao fim de cada letra]. Somente tipografias divertidas e estilosas.
(do felipe maia para a trip
quarta-feira, dezembro 11, 2013
eu tenho. e muita. principalmente destas pessoas sem-vergonha
O maior receio de Olivetto é que aconteça algo semelhante ao que observou no começo da carreira, quando colegas de profissão evitavam dizer o que faziam. “Tenho medo de que as pessoas voltem a ter vergonha de dizer que são publicitárias, novamente.”
(carol peres, no jornalirismo, acerca do entrevista aberta com o w, promovido pelo próprio jornal)
terça-feira, dezembro 10, 2013
eu não seria tão otimista, se é que há otimismo em esperar alguma coisa de um papa(seja de que área for)
O Papa Francisco e o capitalismo
No documento que o Papa Francisco acaba de publicar sobre a pobreza e a Igreja, parece haver um vislumbre de que este Papa queira ir um passo além*
Quando eu era criança, meus pais me ensinaram que uma coisa são as religiões (aconselhando eu e meus irmãos a sermos respeitosos com seus crentes, como parte do respeito devido a todo ser humano) e outra coisa são as Igrejas (da cor que sejam), que reproduzem e administram as religiões para benefício de seus aparatos ou hierarquias, o que explica sua constante identificação com as estruturas de poder às quais servem. Nem é necessário dizer que meus pais não nos exigiam respeito por ditas instituições. Ao contrário, tínhamos que julgá-las por seu servilismo a essas estruturas.
Ao longo da minha vida morei e visitei muitíssimos países. E em todos eles sempre vi que as Igrejas (e muito especialmente a Católica) servem sempre às estruturas de poder, sendo a Espanha o caso mais patente. É, portanto, compreensível o anticlericalismo das classes populares na Espanha e considero um sintoma de enorme frivolidade trivializar esse anticlericalismo como um sentimento gratuito, resultado de ideologias estrangeiras que manipulam os povos. As classes populares não necessitavam nenhum estímulo externo para verem e reagirem ao que viam.
Esse conservadorismo da Igreja Católica (uma das religiões mais conservadoras hoje existentes) é, em parte, compreensível, devido ao benefício econômico que lhe concede. A base material de sua ideologia - como diriam os materialistas históricos - são as vantagens materiais que derivam de seu servilismo ao poder.
Mas esse mesmo servilismo é o que explica sua postura anticientífica, pois se sente ameaçada pelo conhecimento científico. Não é por casualidade que só em 1992 (sim, 1992) a Igreja Católica se desculpou por haver perseguido, no século XVII, a Galileu, que teve a ousadia de indicar que, contra o que dizia a Igreja, era a Terra que dava voltas em torno do Sol e não o contrário. Em 2008, o Vaticano inclusive pensou em fazer um monumento para ele, mas decidiu atrasá-lo, porque era ainda demasiado cedo. Na Igreja Católica, as coisas de palácio vão um pouquinho devagar.
O que está acontecendo no Vaticano?
É interessante, claro, que no jornal do Vaticano, um historiador alemão, Georg Sans, escrevesse, em 2009, um artigo louvando Karl Marx por sua introdução do conceito de alienação originado pelo capitalismo. Georg Sans dizia que “temos que nos perguntar se Marx não levava razão em sua descrição do capitalismo como gerador de alienação…” (citado em “Is the Pope Getting the Catholics Ready for an Economic Revolution? (Maybe He Read Marx)”, de Lynn Parramore). E as declarações do novo Papa, criticando o capitalismo, estão criando um grande alvoroço.
Agora, é necessário que se entenda que a Igreja Católica e, mais concretamente o Vaticano, sempre tiveram atitudes críticas aos excessos do capitalismo. Das encíclicas de Leão XIII (1878-1903) até João Paulo II, as críticas do excesso do capitalismo foram constantes e, em geral, mais acentuadas quando outras ideologias contrárias à Igreja (ainda que não contrárias à religião) como o marxismo adquiriam grande atração nos movimentos operários e intelectuais do mundo ocidental.
Agora, o que é novo no Vaticano é que no documento que o Papa Francisco acaba de publicar sobre a pobreza e a Igreja, parece haver um vislumbre de que este Papa queira ir um passo além, pois sua crítica não se limita aos excessos do capitalismo, mas ao capitalismo em si. Existem partes do documento que parecem aproximar-se dessa postura. Escreve Francisco: “o mandamento Não matarás estabelece um mandato para respeitar a vida humana. Daí que este “não matar” deve aplicar-se a um sistema econômico baseado na desigualdade e na exclusão…”. Acrescenta Francisco que “tal economia mata. Daí que até que não termine o domínio absoluto dos mercados e sua especulação financeira (que Francisco indica corretamente que é intrínseca ao capitalismo…), e até que não se ataquem as raízes dessas desigualdades, não se encontrará nenhuma solução aos problemas do mundo, ou a nenhum problema”.
Outro parágrafo de Francisco: “algumas pessoas (Francisco poderia ter escrito a maioria dos establishments econômicos, financeiros, políticos e midiáticos europeus e estadunidenses) continuam defendendo as teorias do “trickle-down”, que assumem que a concentração da riqueza que se produz no crescimento econômico (capitalista) e em seus mercados, inevitavelmente vai trazer maior justiça e inclusão, ao aumentar tal riqueza e melhorar a vida de todos e a coesão social. Dita opinião, que nunca foi confirmada pelos dados, expressa uma ingênua e crua fé na bondade dos que concentram o poder econômico e na eficiência sacrossanta do sistema econômico existente”. Não vi esse parágrafo citado em nenhum dos meios de comunicação de maior difusão espanhóis, que sistematicamente excluem as vozes críticas ao neoliberalismo dominante.
Nem o que falar da resposta que foi previsivelmente hostil. Nos EUA, um país com uma cultura midiática dominante profundamente conservadora, já apareceram várias manchetes, escritas em tom alarmante, que “Marx está inspirando o Papa”.
E Sarah Palin, a dirigente do Tea Party (a seita mais próxima à hierarquia católica espanhola, versão Rouco) expressou seu choque frente às declarações de Francisco. E mais de um editorial tem indicado que da mesma maneira que o Papa João Paulo II contribuiu para colapsar a União Soviética, o Papa Francisco pode ajudar a terminar com o capitalismo.
Parece-me exagerada essa imagem. Mas seria um erro que as forças progressistas ignorassem as mudanças no Vaticano. Entendo e compartilho (como aparece em meus escritos em www.vnavarro.org) as reservas e o ceticismo sobre o novo Papa, ceticismo estimulado por casos tão ofensivos e dolorosos para os democratas como o silêncio de Francisco frente à homenagem dos caídos na Cruzada espanhola. Mas considero valioso que aconteçam mudanças na Igreja que diluam sua enorme oposição às mudanças e ao progresso. E daí sua enorme importância. Seria um grande erro não ser consciente disso, em um país no qual a Igreja sempre exerceu um papel negativo em sua defesa da ordem econômica estabelecida e contra a expansão dos direitos humanos.
segunda-feira, dezembro 09, 2013
pílulas do esquecimento
O The New York Times revelou em 1990 que a CIA desempenhou um importante papel na prisão de Mandela em 1962. A agência, usando um agente infiltrado no Congresso Nacional Africano (CNA), deu à polícia sul-africana informações precisas sobre as atividades de Mandela. Segundo o diário norte-americano, um agente da CIA relatou: “Entregamos Mandela à segurança da África do Sul. Demos-lhes todos os detalhes, a roupa que ele estaria a usar, o horário, o exato local onde ele estaria”.
Thatcher e a terra do faz de conta
Em 1987, quando o então primeiro-ministro Cavaco Silva alinhou Portugal à Grã-Bretanha e aos Estados Unidos num voto contra o fim do apartheid e a libertação de Nelson Mandela, a então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher dizia: "O CNA - Congresso Nacional Africano, partido de Mandela - é uma típica organização terrorista... Qualquer um que pense que ele vá governar a África do Sul está a viver na terra do faz de conta".
Reagan dizia que apartheid era essencial para o mundo livre
Nos Estados Unidos, a opinião sobre Mandela não era diferente: o presidente Ronald Reagan inscreveu o CNA na lista de organizações terroristas. Em 1981, Reagan disse que o regime sul-africano – o regime do apartheid – era "essencial para o mundo livre". Reagan explicou à rede de TV CBS que o seu apoio ao governo sul-africano se devia a que “é um país que nos apoiou em todas as guerras em que entrámos, um país que, estrategicamente, é essencial ao mundo livre na sua produção de minerais.”
Mandela precisava de autorização especial para entrar nos EUA
Só em 2008, Mandela e o CNA deixaram a lista americana de organizações e terroristas em observação. Até então, Mandela precisava de uma permissão especial para viajar para os EUA.
Outro país que se manteve ligado ao regime segregacionista sul-africano foi Israel. Durante muitos anos, o governo israelita manteve laços económicos e relações estratégicas com o regime do apartheid. Nesta sexta-feira, o governo israelita lamentou a morte de Mandela afirmando que o "mundo perdeu um grande líder que mudou o curso da história" e que ele foi um "apaixonado defensor da democracia".
(excerto da esquerda.net)
Thatcher e a terra do faz de conta
Em 1987, quando o então primeiro-ministro Cavaco Silva alinhou Portugal à Grã-Bretanha e aos Estados Unidos num voto contra o fim do apartheid e a libertação de Nelson Mandela, a então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher dizia: "O CNA - Congresso Nacional Africano, partido de Mandela - é uma típica organização terrorista... Qualquer um que pense que ele vá governar a África do Sul está a viver na terra do faz de conta".
Reagan dizia que apartheid era essencial para o mundo livre
Nos Estados Unidos, a opinião sobre Mandela não era diferente: o presidente Ronald Reagan inscreveu o CNA na lista de organizações terroristas. Em 1981, Reagan disse que o regime sul-africano – o regime do apartheid – era "essencial para o mundo livre". Reagan explicou à rede de TV CBS que o seu apoio ao governo sul-africano se devia a que “é um país que nos apoiou em todas as guerras em que entrámos, um país que, estrategicamente, é essencial ao mundo livre na sua produção de minerais.”
Mandela precisava de autorização especial para entrar nos EUA
Só em 2008, Mandela e o CNA deixaram a lista americana de organizações e terroristas em observação. Até então, Mandela precisava de uma permissão especial para viajar para os EUA.
Outro país que se manteve ligado ao regime segregacionista sul-africano foi Israel. Durante muitos anos, o governo israelita manteve laços económicos e relações estratégicas com o regime do apartheid. Nesta sexta-feira, o governo israelita lamentou a morte de Mandela afirmando que o "mundo perdeu um grande líder que mudou o curso da história" e que ele foi um "apaixonado defensor da democracia".
(excerto da esquerda.net)
sábado, dezembro 07, 2013
nem na publicidade a escola resolve o dito cujo, quanto mais noutras esferas
A escola resolve o nosso apartheid? por: Saul Leblon
A escola pode muito. Mas é questionável que vá salvar a pátria, dizia Antonio Cândido ao PT, em 2002. Vale reler em 2014.
Quem vai salvar a pátria?
Um traço constitutivo da agenda conservadora consiste em festejar as derrotas da sociedade brasileira abstraindo a dimensão estrutural do problema.
Ou seja, omitindo sua responsabilidade.
Espremido o foco, o resto fica fácil.
Cria-se uma circularidade; ela confina o debate do futuro no campo da moral.
E a moral, como se sabe, é o apanágio da classe dominante.
Entre nós esse reducionismo determina que o faminto é culpado pela fome.
O Estado, carcomido pelo cupim privatista, é o responsável pela indigência pública.
O lado ‘gobineau’ das elites –em que a genética define a história-- tem na educação um compêndio ilustrativo de sua versatilidade e dos seus limites.
Manchetes desta semana esponjaram-se no desempenho sofrível dos estudantes brasileiros no Pisa, edição 2012.
O Programa de Avaliação Internacional de Estudantes da OCDE sabatina alunos de 15 e 16 anos em matemática, leitura e ciências.
A mensagem subliminar do jornalismo conservador era: esse, o país dirigido pelo populismo!
Das 65 nações incluídas no teste, o Brasil foi a que apresentou a melhor progressão no aprendizado de matemática nos últimos nove anos.
O fato de persistir no 58º lugar depois disso (em ciências figura no 59º; em leitura, no 55º, num total de 65) é sugestivo do ponto de partida pantanoso sobre o qual a elite ‘esclarecida’ fixou a escola pública brasileira.
O mais irônico é que a narrativa conservadora define a educação como o único canal legítimo de mobilidade das massas no país.
Por trás desse simulacro de meritocracia esconde-se o círculo de ferro de uma das piores estruturas de distribuição de renda do planeta, que se avoca o direito à eternidade.
Endinheirados que se orgulham de patrocinar ONGs pela redenção educativa, garantem: será assim, através da escola, não da reforma agrária, a tributária ou a urbana, tampouco através do salário mínimo ‘inflacionário’, que a miséria material e espiritual perderá seu reinado neste lugar.
A escola pode muito.
Acertou em cheio o governo ao impor uma regulação soberana sobre a riqueza do pré-sal, que permitirá transferir múltiplos de bilhões de reais à politica educacional nos próximos anos.
Mas é questionável que a escola possa tudo o que lhe atribui a emancipação a frio apregoada pela agenda conservadora.
Ser uma ilha de excelência, capaz de abrigar e exorcizar o oceano de iniquidades ao seu redor, parece mais um enredo de aventura nas estrelas do que o horizonte histórico de uma nação.
Os analistas do Pisa parecem corroborar essa avaliação.
Eles afirmam que a metade do ganho brasileiro em matemática, por exemplo, foi uma decorrência de mudanças no entorno social dos alunos.
Uma parte do noticiário conservador interpretou esse dado de forma desairosa, como se fora um atestado de fracasso do MEC. Outra, omitiu-o.
Compreende-se.
Investigá-lo talvez levasse à conclusão de que as políticas demonizadas pela mídia – como o Bolsa Família, a valorização do salário mínimo, crédito barato, subsídio à habitação popular etc-- ajudaram o estudante brasileiro a ter maior poder de aprendizado.
Um exemplo: estudantes do ensino médio beneficiados pelo Bolsa Família nas regiões Norte e Nordeste têm rendimento melhor do que a média nacional (82,3% e 82,7%, contra taxa brasileira de 75,2%).
Outro: pesquisa feita na Universidade de Sussex, na Inglaterra, em 2012, revela que quanto maior é o tempo de participação das famílias no Bolsa Família, maior é o aproveitamento escolar das crianças. Segundo a pesquisa, a taxa de aprovação dos alunos do 5º ano aumenta 0,6 ponto percentual para cada R$ 1 de aumento no valor médio do benefício per capita pago às famílias.
A influência da entorno social na escolarização não é privilégio de sociedade pobre.
Tome-se o caso dos EUA.
O país retrocedeu cerca de 20 pontos na classificação global do Pisa- 2012.
Em 2009 ocupava a 17ª posição; caiu agora para a 36ª, abaixo da média geral em ciências e matemática.
O que mudou nos EUA entre 2009 e 2012?
A sociedade norte-americana mergulhou na sua maior crise desde a Depressão de 1929.
Uma em cada cinco crianças norte-americanas vive atualmente em ambiente de pobreza. A renda média das famílias com filhos recuou cerca de US$ 6.300 (tomando-se 2001 como base de comparação). Com a implosão da bolha imobiliária, um milhão de estudantes de escolas públicas viram suas famílias serem despejadas . As taxas de desemprego aberto e oculto hoje superam a faixa dos 13%. O grau de recuperação do mercado de trabalho na presente crise é o mais lento de todas as recessões anteriores.
A sobrevalorização do papel da escola na agenda conservadora brasileira padece de outros flancos de coerência.
Há uma distancia robusta entre o que se fala e o que se pratica quando se mede o hiato em moeda sonante.
O piso salarial do magistério brasileiro hoje, R$ 1560,00, é um dos mais baixos do mundo. A perspectiva de corrigi-lo para modestos R$ 1.860 reais em 2014 dispara as sirenes de alerta do jornalismo que promete mostrar o abismo fiscal na próxima edição.
Segundo o Pisa, o Brasil investe três vezes menos que a média da OCDE para educar uma criança dos 6 aos 15 anos (R$ 64 mil e R$ 200 mil, respectivamente).
Em termos de PIB, fica com uma fatia equivalente a 5%.
O pedaço destinado aos rentistas da dívida pública é maior: 5,7% do PIB.
O mesmo jogral que atribui à educação poderes sobrenaturais, martela a necessidade de submeter a economia a uma ação purgativa contundente feita de juros mais altos e cortes no poder de compra da população (em especial, a depreciação real do salário mínimo).
O conjunto visa, no fundo, preservar a regressividade fiscal brasileira, que privilegia ricos e penaliza pobres e remediados, contra eventuais reformas progressistas.
Nos salões elegantes, os candidatos a candidato do dinheiro grosso em 2014 acenam com a miragem desse país impossível: um Brasil com produtividade chinesa, civilidade suíça, superávit ‘cheio’ e carga fiscal equiparável a de Burkina Faso, onde o índice de alfabetização não ameaça a barreira dos 25%.
Não é apenas o entorno social do aluno pobre que está ameaçado por esse coquetel ; na verdade, ele rasga a própria fantasia da prioridade educacional, reduzindo-a a sua verdadeira essência histórica: uma agenda protelatória.
Ou seja, um deslocamento espacial e temporal do conflito distributivo, confinado em uma escola e em um aluno, aos quais caberá a exclusiva responsabilidade de erguer a sociedade pelos próprios cabelos.
Ou não será assim também com a saúde pública, desafiada a ‘fazer mais com menos’, --com menos ainda depois que a coalizão demotucana subtraiu R$ 40 bilhões por ano do SUS em 2007?
Um comparativo da OMS mostra o quanto há de perversidade na fotografia que imortalizou esse ato cometido na madrugada de 13 de dezembro de 2007. A imagem mostra a nata do retrocesso político comemorando a extinção da CPMF em alegria obscena. A indecência se panfletada nas filas do SUS ainda guarda nitroglicerina para sublevar o país.
Segundo a OMS, o gasto público mundial per capita com a saúde chegou a US$ 571 por ano em 2010. Inclua-se nessa média os US$ 6 mil per capita da Noruega e os US$ 4 per capita do Congo; o valor brasileiro é de US$ 466/ano; em 2000, no governo FHC, somava US$ 107 per capita.
Os mesmos que gargalhavam na madrugada de 13 de dezembro de 2007 fuzilariam o ‘Mais Médicos’ seis anos depois. E não por acaso são as mesmas bocas de onde ecoa a cínica profissão de fé em uma escola capaz de corrigir aquilo que suas madrugadas políticas cuidam de perpetuar.
Os resultados do Pisa deveriam servir de combustível para um aggiornamento do debate brasileiro que de forma preguiçosa adotou o cacoete de terceirizar à educação tarefas que só uma repactuação do desenvolvimento pode honrar.
Na ante-sala do debate eleitoral de 2014 seria oportuno, por vezes, inverter os termos da equação. E arguir o que o projeto mercadista pretende fazer em benefício da pobreza e da desigualdade hoje para que elas possam mudar a escola pública amanhã.
Vale retornar às origens e reler um trecho inspirador de uma entrevista concedida pelo professor, crítico literário e cientista social Antonio Candido de Mello e Souza, à campanha de Lula, em 2002, sobre o assunto.
Como ele, as palavras aqui emitem uma luminosidade clássica:
"Temos uma crise de civilização (...) Talvez seja um mal que deriva de um bem.
O esforço para tornar os níveis de ensino acessíveis a todos força diminuir o nível. Então, você fica num dilema perverso: elitizo ou democratizo e abdico de qualidade? A saída está numa sociedade igualitária, onde todos tenham acesso à cultura e à educação de qualidade. Foi o que eu vi em Cuba. Instrução pública e gratuita em todos os níveis. E de muito boa qualidade. A chave é a transformação da sociedade, na qual as pessoas se apresentam para a educação em pé de igualdade.
Quem acha que um bom sistema educacional salva a pátria está redondamente enganado. A participação nesse sistema será sempre restrita. Por isso você tem que, primeiro, fazer mudanças estruturais; depois, terá um boa educação. Os liberais pensam: eu tendo uma população instruída, terei uma sociedade melhor.
Errado. Tendo a sociedade melhor, terei uma população instruída. Só assim você supera essa contradição aparente entre elitização e democratização. Continuo achando que a forma republicana do ensino público e gratuito é o grande modelo
(...) Numa sociedade em que as diferenças de classes ficam muito reduzidas, haverá um desaparecimento da cultura erudita e da popular. E surgirá uma nova cultura. Isso é possível. A função do Estado é fazer um grande esforço econômico e social para que no plano cultural o hiato diminua. De tal maneira que, no fim de certo tempo, o popular se torna erudito e o erudito se torna popular.
(...) Sempre tivemos uma República de elite. Um presidente da República era eleito com 200 mil votos - e votos descobertos. Em 1930, eu assisti na minha cidade, em Cássia, Minas Gerais, à última eleição a descoberto. O eleitor chegava e o coronel, ao lado, fiscalizando. Depois de Getúlio, com a emergência das massas operárias, das massas urbanas, não foi mais possível manter esse estreitamento. O Getúlio era um caudilho esperto. Para manter as elites sob controle, abriu as porteiras e deixou o povo entrar, mas patrocinado por ele. Todavia, abriu a porteira. E ela está aberta até hoje” (Antonio Candido; site da Campanha Lula Presidente; 2002)
(misterwalk "telegrafa": o texto acima é um editorial da carta capital. qual é o quê? queria que eu publicasse editoriais da veja?)