quarta-feira, abril 22, 2009

inaptidão inata

Eu nunca fui um bom gestor, não apenas por incompetência administrativa, mas por certas limitações de cunho ético, o que, reconheço, não deixa de ser também uma espécie de incompetência. Durante minha experiência como empresário, limitei-me e limitei companheiros de trabalho em ações que agrediam a alguns princípios que ajudaram a nortear em mim uma idéia de correção de conduta. Uma coisa perene e, na maioria das vezes, totalmente desalinhada com as atitudes esperadas de um business manager de qualidade. A essa minha incompetência inata ou cultural, soma-se uma resistência doentia à adoção ou, pelo menos, ao simples reconhecimento de algum mérito nos métodos impiedosos de conquista de mercado e de desenvolvimento empresarial, comumente saudados como próprios dos líderes vencedores. Se isso não me ajuda a fazer fama e fortuna – e, certamente, não ajuda a ninguém (portanto, não sou um bom exemplo para jovens ambiciosos) – tem um aspecto interessante: permite que eu me horrorize com certos conceitos. Isso é bom? Isso é ruim? Não sei dizer, mas, bom ou ruim, acho que é importante. Há quanto tempo você não se horroriza com alguma coisa? Cuidado: horrorizar-se não é reagir com o clássico comentário “fazer o quê, né?”. Horrorizar-se é ser tomado por uma indignação justa, sincera e involuntária. É ser tocado nas entranhas de certas convicções, que não distinguem se a barbaridade é um caso de marketing ou de pedofilia, por exemplo. Um filtro único estabelece os limites da nossa tolerância aos atos e suas justificativas. As reações podem variar desde se armar um barraco em praça pública até escrever um artigo, cuidando civilizadamente de não personalizar a crítica, mas fazê-la apontada a uma prática, neste caso absolutamente legal, aceita com naturalidade e enaltecida pela eficácia. Semana retrasada a coluna do nosso companheiro Francisco Madia – “Ambev: vedando as frestas” - me chocou. Aguçado por uma curiosidade incontida em esclarecer se só chocou a mim, resolvi explorar o assunto na coluna. Tenho consciência de que escrevo em um veículo especializado em propaganda e marketing, daí minha necessidade de saber se a minha reação faz algum sentido ou se, quem sabe, aos poucos, me vou convertendo definitivamente num peixe fora d’água. O colega começa citando Henri Michawx: “Se o lobo se apiedasse dos cordeiros, morreria de fome.” E, com isso, sustenta a tese de que a multinacional belga Interbrew (no Brasil, Ambev) acerta em seus procedimentos de preservação e conquista de mercado. Diz Madia “O líder é impiedoso. O líder não pode vacilar. Como lembram Ries e Trout, todo e qualquer movimento dos concorrentes, por menor que seja, tem que ser rechaçado à força, na porrada e, se possível, de forma exemplar e com humilhação (...)” Ave Maria! O fato é que não me agrada que uma multinacional cervejeira belga humilhe e dê porrada nas pequenas cervejarias brasileiras. Pode ser um nacionalismo idiota, mas preservá-lo ajuda a levantar uma bandeira justa contra o monopólio em voga. O nosso Madia enaltece, ainda, o fato da Ambev “cutucar” as pessoas, oferecendo cerveja estejam elas aonde estiverem: na praia, no supermercado, no aeroporto, no cinema... Bons tempos em que tomar uma cervejinha era uma decisão do consumidor, obedecendo a certos critérios: um encontro no boteco, um churrasquinho em casa... Hoje, o consumo de cerveja virou uma decisão de marketing: o prazer deixou de ser o de beber para se tornar o de vender. Ruy Castro, na Folha de S. Paulo, ironizou o fato do Brasil ter proibido que a marca Free de cigarros fosse associada a um evento freqüentado, basicamente, por velhos fumantes e beberrões – o Free Jazz Festival – e, ao mesmo tempo, permitido que um equipamento voltado basicamente para menores de idade – a tal roda gigante da Lagoa, no Rio de Janeiro – fosse patrocinada pela cerveja Skol. Bem lembrado. Mas tudo faz parte da estratégia que sai da cabecinha do líder ambicioso. Isso traz vantagens pessoais, como salários estratosféricos e bônus que, anualmente, transformam executivos em milionários. Mas também não deixa de ser uma ameaça. Porque essa ostensividade arrogante tem acelerado a criação por parte dos legisladores de mais e mais propostas limitadoras da promoção do consumo de cerveja, o que, por sua vez, torna o exercício do lobby uma prática cada vez mais inflacionada. Enfim, o lobo come os cordeiros até levar um tiro certeiro no meio da testa.


( cruz credo, companheiro! do stalimir vieira, em 22/9/2008, mas pelo visto, infelizmente,por muito tempo de conteúdo cada vez mais atual)

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