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quinta-feira, agosto 23, 2007
e eu que passei o fim de semana preocupado com a midia de pintura de paredes
"É preciso reinventar a propaganda e esse processo começa com uma verdadeira compreensão da mídia, tarefa que nenhum publicitário parece estar interessado, já que dá trabalho e ainda é possível ganhar alguns trocados com comerciais de TV e anúncios de revistas". Essa é apenas uma das definições de Luli Radfahrer. Ele é designer, PhD e professor de comunicação digital da ECA-USP e responsável por implantar divisão de Internet em agências como AlmapBBDO, DM9DDB, DPZ e Leo Burnett além de reformulação de portais como AOL e MTV.
Em entrevista especial ao Adnews, Radfahrer comenta também sobre a evolução do mercado de comunicação digital. Entre suas previsões, está o fim do e-mail como principal forma de comunicação na Web no prazo máximo de três anos. O desuso do termo "convergência de mídias", definição já obsoleta na visão do especialista e, acima de tudo, um panorama geral para onde caminha a blogosfera com a rápida disseminação de produções independentes e conteúdo colaborativo.
Adnews: - Luli, você foi um dos precursores da Internet no Brasil. Estamos em fase colaborativa com a Web 2.0. O que você prevê de novidades para este meio nos próximos 5 a 10 anos?
LR: Não sou muito fã do termo Web 2.0, acho que a Internet é só uma. Várias coisas espetaculares como a Wikipedia, a Folcsonomia e a Blogosfera seriam impensáveis há alguns anos, e acredito que a mudança está só começando. Uma coisa é certa: o conteúdo colaborativo tende a aumentar. E muito.
Outras coisas que veremos em breve serão o aumento de mash-ups e publicações trans-mídia (um post no Twitter feito via SMS para uma persona virtual do Google Talk ou um passeio por fotos no Flickr integradas ao Google StreetView e o seu GPS, por exemplo).
Outras novidades que estão por vir são o aumento de interfaces físicas (geladeiras, paredes, casas, carros) e Games cada vez mais imersivos. Uma mais fácil de imaginar é o fim do e-mail como meio predominante de comunicação pela internet, coisa que está para acontecer nos próximos dois ou três anos.
Adnews: - Você implementou divisão de Internet em grandes agências. Após esse trabalho, como você analisa a propaganda na era digital atualmente? Os investimentos ainda são poucos se comparados a outros canais como TV.
LR: Os meios digitais não são uma adaptação nem mesmo uma evolução dos meios "tradicionais", mas sua reinvenção. Não há equivalentes materiais para nuvens de tags, Ajax, RPGs. É preciso, portanto, reinventar a propaganda e esse processo começa com uma verdadeira compreensão da mídia, tarefa que nenhum publicitário parece estar interessado, já que dá trabalho e ainda é possível ganhar alguns trocados com comerciais de TV e anúncios de revistas.
O resultado é que quando as agências tentam "entrar na internet", o resultado é, na melhor das hipóteses, inócuo. Na pior, desastroso mesmo. Palavras da moda, como "viral" e "guerrilha" são muito faladas e pouco praticadas. Ninguém consegue entender por quê uma produção caseira pode gerar mais audiência que um filme de detergente de centenas de milhares de dólares. Outra coisa que não conseguem entender é o enorme sucesso de novidades como os links patrocinados no Google, ou mesmo o fato que qualquer pesquisa decente de eye tracking mostra que ninguém - ninguém, ninguém - presta o mínimo de atenção em banners.
Ou seja: a maioria dos publicitários não faz a mais pálida idéia do que trata a mídia digital e tenta, desesperadamente, imitar fórmulas de sucesso ou, pior, replicar formatos que deram certo em outras mídias.
Mesmo as campanhas de "sucesso" são sofríveis, sejam elas intencionais ou não: colocar o iPhone em um liquidificador? Parece TV dos anos 50. Diet Coke e Mentos? Gerou um barulho vazio e desapareceu. E o que dizer de surfar com dinamite, Numa Numa, videoclip em esteiras rolantes ou do fotógrafo que bate fotos de si mesmo há anos? Tudo muito divertido, nada sólido.
Um dia chegará que os publicitários entenderão que já se foi o tempo em que bastava para a propaganda fazer um bom barulho. Qualquer marca acima da média sabe que precisa gerar valor. E que boa parte desse valor está no usuário - que, se estimulado, o cede de graça.
Adnews: - Em entrevista, você disse que o publicitário é um dos profissionais menos criativos entre todos, pois vive de chavões. Isso vale somente para o Brasil ou é mundial?
LR: Mundial. Até porque nossa propaganda é considerada uma das melhores do mundo, mas nem por isso é eficiente ou gera valor.
Adnews: - A Apple lançou o iPhone e endossou o conceito de convergência de mídias já muito comentado. Você acredita nesse formato em um cenário sedento por novidades?
LR: O conceito de convergência de mídias é, no mínimo, cinco anos mais velho que o iPhone. Tanto que já caiu em desuso, poucos ainda o defendem. É fácil imaginar o porquê: você não precisa nem quer levar uma planilha de cálculo para uma festa, nem uma câmara para a sala de reuniões. Não há como se fazer uma máquina que seja ao mesmo tempo pequena e multitarefa. O que é possível - e o iPhone toma proveito disso - é ter uma série de aplicativos na internet e usar seu aparelho móvel para acessá-los conforme sua conveniência.
Mas existem outros bons exemplos de convergência. Leitores de RSS no Wii, telefones com GPS, podcasts em rádios de automóveis, programas de rádio e TV pela internet, televisores com discos rígidos etc...
Adnews: - Com a realidade da miniaturização dos aparelhos, como você vê a iminência do desaparecimento do computador de mesa? Alguns especialistas estimam menos de 10 anos para isto acontecer.
LR: Acho cinco anos muito tempo, talvez leve menos ainda. O fato é que a desktop não vai sumir de vez, mas vai se recolher a alguns segmentos específicos, da mesma forma que as calculadoras HP-12C. Teremos aplicativos inteligentes em máquinas de todos os tamanhos, muitos deles movidos a comandos de voz. Nesse cenário, tudo que se conhece por comunicação de massa vai se esfacelar de vez. O conteúdo será verdadeiramente customizado, e provavelmente surgirá da comunidade. É o que se chama por aí de inteligência coletiva.
Adnews: - Qual sua visão sobre formatos publicitários do estilo rich media? (ações interativas em sites).
LR: Bobagem. O erro está no conteúdo, não na forma. Ninguém clica em banners porque eles não são interessantes. E porque já se foi o tempo que propaganda trazia alguma espécie de informação. Hoje, se eu quiser saber de algo, só preciso dar uma busca no Google, no del.icio.us, na Wikipedia. Para que me serve um banner? Para nada, só torna a página que eu quero ver mais pesada e lenta. Acredito que se surgisse uma "lei cidade limpa" para banners, eles seriam ainda menos defendidos que os outdoors.
Adnews: - O que você acha sobre a profissão de design digital atualmente? O conceito é muito mais amplo por causa da Internet?
LR: Sim. Para começar, o que conhecemos por webdesign já está morto há algum tempo. A Internet está evoluindo muito rápido, e uma de suas principais características é ser multiplataforma. O design de serviços digitais surgiu com o desenvolvimento de software, passou pelo design de interfaces e aí enfrentou um problema: as pessoas relacionadas a seu conteúdo não tinham plena consciência de suas particularidades. No mundo da tecnologia digital, forma, função, conteúdo e comportamento estão tão interligados que é quase impossível separar sua aparência de sua funcionalidade. Por causa disso, os novos profissionais de design digital se ocupam com o design de interação.
Parece mais um termo técnico de jargão, tipo "web 2.0", mas na realidade é muito mais do que isso. Tanto no design gráfico quanto na definição de serviços e conteúdo, determina-se onde as coisas devem estar e como interagem entre si. A nova disciplina imagina possíveis respostas do usuário. Como elas são, em última instância, imprevisíveis, o novo designer deve planejar possíveis situações, cenários e funcionalidades. Em um novo tipo de diálogo, o design não é mais embalagem, mas parte do produto.
Adnews: - Em vista de seu trabalho acadêmico na ECA, qual sua opinião sobre os cursos de design no Brasil? O aluno é realmente preparado para um mercado em plena evolução?
LR: Não. Nem na ECA, nem fora dela. A resposta não está em cursos cada vez mais técnicos, mas exatamente o contrário. Minha tese de livre-docência examina os processos de emergência em comunidades. O professor (e, por tabela, o jornalista) precisa ter consciência que ele não é mais provedor de informação, mas de critério. Nas antigas comunidades, as informações eram trazidas pelos jovens guerreiros e avaliadas pelos sábios da tribo. Hoje elas são trazidas pelos jovens blogueiros. Mais do que nunca, a função dos formadores de opinião é formar opinião, não informar.
Sob esse aspecto as escolas pecam. E muito. Tentam ensinar algo que o aluno já sabe e rejeitam suas contribuições e conhecimento. Resultado: o que ensinam envelhece muito rápido, e cabe ao aluno criar critério por si próprio, o que é uma pena e um desperdício.
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