sexta-feira, fevereiro 24, 2006

qual a melhor maneira de remunerar uma agência ?

Só há uma: pagando. Todas as outras formas são anormalidades provocadas pelo vírus mutante da falta de consciência e do nacional-espertismo. A coisa é simples. Muito simples. Parece aquele filme meio inocente que passa nos cinemas para alertar contra a pirataria de filmes e música (aquele do "você roubaria um bolsa?", "você roubaria uma TV", etc). Apanho a boleia no mote e pergunto: "você entraria num supermercado da Sonae e perguntaria se o Eng. Belmiro gentilmente cederia uma dúzia de ovos?"; ou "você acharia normal se a Zara resolvesse oferecer casacos e calças caras na simples compra de um par de meias?"; ou ainda "você é daqueles que acham que apanhar um jornal na banca e sair correndo não é roubo e sim gesto voluntarista na tentativa de combater a iliteracia do país?" Bem, se a sua a resposta é sim, parabéns. É um ilustríssimo candidato a cliente mal atendido de alguma agência que adore praticar dumping. O problema é que na economia de mercado não há almoços grátis. Alguém ainda vai pagar a factura. O mais provável é que seja mesmo você. Vamos esclarecer. Como diria o meu Tio Olavo: "Saco vazio não pára em pé." Quando a esmola é muita, o mendigo deve desconfiar e pedir a factura. Tudo tem um preço. Antigamente era fácil. As agências viviam basicamente da comissão de media. A vida corria bem (talvez bem demais, mas isso é outra história). Aí mudaram o sistema. A media tornou-se um negócio à parte e pronto. Ainda havia a comissão de produção. Mas aí decidiram que não era bem assim. E a produção tornou-se em algo também mínimo e satélite ao negócio principal. Veio o sistema de fees. E veio com isso a incrível improbabilidade de se calcular, à partida, o número de horas que é preciso para se conceber e produzir um bom anúncio. O busílis da questão é que o exercício da criatividade publicitária não é igual a partir pedras numa pedreira. Não estou a dizer que uma actividade é nobre e a outra não. Longe de mim. Apenas são diferentes. Há que se viver com isso. Não se compra raciocínio aos quilos. Não se mede bom senso aos metros. Há coisas na publicidade que levam-se anos a aprender. As horas de um profissional sénior não podem ser comparadas às de um júnior. Há bons publicitários, maus publicitários e publicitários assim, assim. Agências idem. É normal negociar com qualquer fornecedor e querer pagar menos. É saudável questionar para onde vai o seu dinheiro. É lógico nivelar as remunerações que paga pelo mercado (e se o mercado não sabe se regular, o problema é do mercado e não seu). Mas acreditar que é um bom negócio esmifrar a sua agência até ela ir à bancarrota é uma prova de ausência de tino comercial. E da falta de um bom curso de ética nos negócios. Uma agência é igual a qualquer empresa. Precisa de dinheiro para existir e bem servir. Pode até fazer algumas promoções regulares e abrir mão de algumas vantagens durante algum tempo. Mas não pode viver eternamente a oferecer o que lhe provoca custos. E há algo mais custoso do que ter clientes? Podem-se inventar as fórmulas mágicas que se quiser. Mas some dois mais dois e o resultado vai ser sempre quatro. A aritmética não perdoa. A questão faz-me lembrar uma história que ouvi numa entrevista da actriz brasileira Fernanda Montenegro (e que não me canso de citar em reuniões de negociações com clientes). Uma vez, a Fernanda foi assediada por um amigo que queria bilhetes grátis para assistir uma peça dela. A reposta da actriz foi pronta: "Por favor, meu grande amigo, não peça para lhe oferecer a única coisa que tenho para vender." Acho a humildade e profundidade dessa resposta impressionante. Era bom se todos os publicitários se espelhassem nela.

Edson Athayde

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