quinta-feira, fevereiro 23, 2006

marketing casa grande&senzala

em 1998, vim ao brasil por uma semana,acompanhado de um casal português. entre praias e acepipes, inevitável ida ao shopping, peculiarmente um dos pontos altos para o casal. não pelo shopping recife em sí, cuja pobreza arquitetônica demonstra o quão nasceu ultrapassado. mas sim porque acostumados com a formalidade do tratamento de vendas nos centros comerciais(shoppings) portugueses, nomeadamente o colombo, em lisboa, encantaram-se, depois do primeiro espanto, com informalidade do tratamento usado pelos vendedores, coisa impensável por lá, provavelmente caso de demissão.

por cá, a saudação com um oi, tudo bem, olá, e aí?, naturalmente fluentes, os deixaram tão a vontade, que dentro dos provadores, a abordagem, com base no, — como é seu nome? ao que respondidas, — maria joão, já entabulavam o — maria joão, meu nome é bernadete, e estou aqui para ajudá-la, o que precisar é só dizer, estabelecendo-se aquela intimidade tão necessária para a venda. difícil, acreditar que seria um discurso formal. mesmo cultores da formalidade, acabavam rendidos pelo sorriso largo, ainda que alguns mais sisudos achassem os vendedores um tanto quanto folgados, com as mãos cheias de sacolas.

em 2003, o casal retornou, acompanhando, e quase numa private joke, esperava ver a reação dos seus novos companheiros de viagem. foram atendidos pelo mesmo sim senhor, não senhor, o que deseja o senhor, a senhora, usados no formal portugal. o que resultou num quase nada de sacolas a mão. até porque, pela frieza do tratamento, apenas os indefectíveis biquinis, que não enchem sacola mesmo.

cristalizou-se no recife o “ marketing casa grande&senzala”. alguém entendeu que o cliente precisava de tratamento nobre, pelo menos formalmente. o que, para muitos, cairia com uma luva para o veludo rasgado do coronelismo de asfalto, da velha capitania pernambucana cuja nobreza de há muito pisa na lama mais ignora o cheiro.

este tipo de marketing, é aquele que chama o cliente de senhor, mas não tem a mínima preocupação em respeitá-lo enquanto consumidor. que neste caso querem mais é que ele se foda, isto sim, sim senhor.

quanto a mim, que mil vezes me chamem pelo nome, apelido, diminutivo, sobrenome. deixando o senhor para um não alardeado mas efetivo respeito ao consumidor que pode ser manifesto, ao menos, pela cobrança de taxas razoáveis do estacionamento, já que grátis para eles é o estupro que não se importam de nos cometer a preços de bordel de luxo; a assunção da responsabilidade pelo pagamento de indenizações relativas aos roubos dos automóveis e seus conteúdos, sem a tentativa gritante de escamotear a lei com prevaricações, postergações, de toda sorte; respeito na correspondência do estoque ao que se expôe na vitrines, incluindo preço; respeito na não entabulação de liquidações que nos aviltam com oferecimentos de descontos que se forem de verdade dariam cadeia a quem nos vende pelo preço normal.

enfim, resumindo: respeito, menos no código da linguagem e mais ao código do consumidor.

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