quarta-feira, novembro 30, 2005

tristezas de um homem feliz

morador da metrópole acordo as quatro e meia. não tenho radinho de pilha nem galo no quintal. de vez em quando, um bem-te-vi me pilha no sono o sonho de outros quintais.

infalivelmente, no entanto, princesinha, gata de rua, que já pensei chamar de penélope, tamanho dengo e charme que traz no rabo flocado e no movimento de cabeça agradecido ao encaixe dos meus dedos sobre sua cabeça, e de quem cuidei invariavelmente por meses à fio, desde os primeiros da sua curta vida, acorda-me com modulações raras de ser ver em felinos, fantasio, tornando-se o meu galo de estimação que irrompe as madrugadas

insistentemente, mas nunca a ponto de me chatear, faz-me sentir importante nestes dias em que viver não o tem sido, resmungo, intolerante que ando com humanos cada vez mais.

vocalise nata, princesinha guarda sempre uma modulação a mais. lembra quase um "thank you em caixa leslie”, quando coloco sua ração por baixo do portão que ela ávida pateia por entre a quase fímbria de espaço antes do crocs e creques ávidos da minha presença.

no quase minuto que ouço seus miados a romper em suíte os ligamentos do meu sono, por vezes titubeei entre dormir mais um pouco e atender seu pedido que traduz, mais do que comida, o quase abre-te sésamo do portão para os primeiros afagos do dia, a despeito de águia, a dobermann, cujo focinho tem quase o tamanho da gata e que tudo acompanha com o interesse da tenra idade dos cachorros grandes no tamanho mais ainda pequenos de verdade.

mais do que rotina, ser acordado por princesinha, me era tão importante quanto fazer um grande anúncio.

amanhã, ainda que o sol irrompa, o bem-te-vi cante, e a troupe que inclui margarida a mãe, saci e batmanzinho, irmãos e demais sobrinhos de princesinha, cumpram o ritual do nosso encontro diário, repleto de cambalhotas, lambidas e orelhas em riste aos ronronados, meu dia será triste. tal como um roteiro que tinha tudo para dar uma boa campanha e foi estragado por intromissões alheias à sua realização. pois encontrei hoje princesinha morta. não mais que quinze minutos após a ter alimentado a tarde, hora de calor que antecipava a chuva em lágrima do mais tarde.

junto a quina do meio-fio. duas casas após. o meu galo de todas as manhãs tinha os olhos semi-cerrados e o ventre empapaçado. provavelmente resultante do petardo de algum automóvel contra seu corpo quase pena e lépido, que se movia com a alegria de quem quase cantava por me saber vindo já há mais de vinte metros de distância quando a rua dobrava.

madrugadas posteriores serão mais vazias do que as manhãs de quem não tem galos para acordar. ainda mais porque hoje eu não abri o portão para princesinha.

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