quarta-feira, novembro 16, 2005

como contratar um marqueteiro *

Como Contratar um Marketeiro.

Estamos na era da informação. Nos últimos anos temos visto casos e casos de sucesso de empresas que apostaram em um ambiente gerador de inovação (a empresa criativa), e no desenvolvimento de pessoal com experiências e idéias arrojadas. Talvez o exemplo mais extremo seja o da Amazon, que dava a seus headhunters uma só orientação: tragam para nós os freaks (doidos), pessoas que nada tenham de convencional, porque queremos uma empresa que pense diferente e esteja sempre um passo à frente do mercado. Funcionou.
Entretanto, parece que no Brasil temos um longo caminho a percorrer. Nada como um exemplo real para pôr as coisas em perspectiva. Recentemente, uma amiga minha recebeu uma ligação de um headhunter procurando por uma pessoa jovem, de preferência mulher, que estivesse trabalhando com marketing de produtos alimentícios para o mercado infantil. De preferência com filhos. Muito bem, este perfil talvez se adeque a duas ou três pessoas no Brasil. Faz pensar por que a empresa precisa de um headhunter para ligar para o escritório do concorrente e fazer uma proposta ao gerente de marketing da outra marca.
A recessão que estamos enfrentando acaba também tendo impactos nas políticas de contratação, tornando-as extremamente conservadoras e cautelosas. Algumas empresas simplesmente suspendem as contratações. Outras aproveitam para transferir funcionários júnior de outras áreas da empresa para suprir as necessidades da área de marketing, com um salário abaixo do mercado. Outras ainda, depois de perderem um executivo marketeiro para o mercado, quando não conseguem contratar pessoas com exatamente o mesmo perfil do que saiu, aproveitam para premiar algum funcionário interno com a vaga, no objetivo de elevar o moral do pessoal, ou fazer o job rotation.
A questão que grita aos profissionais de RH, headhunters e diretores de marketing é: esta estratégia de se contratar alguém sempre do mesmo segmento, do concorrente ou de dentro da empresa é a mais apropriada para a área de marketing e para os interesses da empresa? De forma alguma, e o primeiro passo para se compreender isso é o entendimento do papel da área de marketing na empresa e do perfil que os profissionais desta área deveriam ter.
A área de marketing deve ser a direcionadora da empresa. Em um ambiente onde idéias surgem, fazem sucesso ou são destruídas em meses, é importante que o profissional de marketing seja uma pessoa curiosa, com experiências diversas e atuação em negócios diferentes. Um profissional que tenha tido estórias de sucesso em áreas diferentes revela que possui uma capacidade de compreensão rápida dos mercados, uma sensibilidade para entender o consumidor e uma habilidade para se dar bem com pessoas diversas. Esse perfil é necessário para que o executivo possa confrontar o modo de se fazer as coisas da nova empresa, e propor soluções novas. A atuação no mercado de serviços, por exemplo, ensina muito em relação a agilidade e resultados imediatos. Por outro lado, o mercado de produtos de consumo é uma escola em termos de planejamento e construção detalhada de estratégia. Muitas vezes a solução para o problema de sua empresa pode já ter sido encontrada por uma empresa em um segmento diferente.
O consumidor faz exigências à sua empresa baseado nas experiências que teve não apenas na sua categoria, mas em toda sua vida de consumidor. Não se surpreenda se, mesmo estando no ramo alimentício, você receber uma reclamação de um consumidor dizendo que seu atendimento não foi tão bom como o que ele recebeu de uma editora, por exemplo. Você não tem o monopólio da experiência dele como consumidor. Por isso, o antigo modelo P&G de desenvolver talentos exclusivamete dentro da empresa não funciona mais. Nenhuma empresa conseguiria em seu treinamento abordar todos os modelos de negócios do mercado, mas precisa de gente que entenda o que há de melhor no mundo empresarial.
As razões apresentadas para estas contratações conservadoras são sempre de curto prazo. Com um profissional que já entende deste mercado, que vem de uma empresa similar, teremos alguém que vai apresentar imediatamente resultados, pensa o diretor de marketing. Entretanto, este raciocínio tem dois grandes problemas, sem contar o fator ético. O primeiro é que uma das principais características do marketeiro deveria ser a adaptação, a flexibilidade de rapidamente entender uma nova estrutura, formar redes de apoio, extrair significado de situações complexas e propor soluções e novos caminhos. Se o marketeiro não conseguir entender o mercado da nova empresa em dois meses, o problema não é o fato de ele vir de outro segmento, o problema é que ele não tem o perfil para Marketing. Da forma como o mercado muda, conhecer o segmento não é mais vantagem sustentável, porque a reciclagem deve existir de qualquer forma.
O segundo problema é que a adaptação à empresa, conhecer as pessoas e a burocracia, acaba levando tanto tempo quanto conhecer o mercado. Afinal, para conhecer o mercado, existem as pesquisas, conversas com consumidores, estágios no ponto de venda. Para conhecer a empresa, é preciso ganhar a confiança das pessoas uma a uma. Portanto, vir do mesmo segmento de negócios termina não sendo grande vantagem em relação ao tempo de adaptação.
Essa situação também é ruim para o novo gerente. Ele deveria se perguntar porque a empresa o contratou, se realmente foi por suas qualidades pessoais ou por causa do conhecimento que ele traz da empresa anterior (que deveria se manter confidencial). Outro ponto importante é o que se espera dele: provavelmente não um grande desafio ou idéias inovadoras, mas sim que seja alguém que toque o dia-a-dia como sempre foi feito. Provavelmente ele terá como parâmetro o gerente que estava anteriormente no cargo, já que foi contratado quase como um clone dele.
Qual a solução, então? Talvez sua empresa não chegue ao extremo de contratar os freaks como a Amazon, mas alguns caminhos ficam claros: não ter medo de arriscar, de contratar pessoas que arriscaram, que tiveram sucesso em segmentos diferentes. Não ter receio de trazer experiências inovadoras de outros segmentos para seu negócio. Buscar pessoas curiosas e bem preparadas, com interesses diversos e uma visão abrangente de negócios e da vida. Sem experiência e muito entendimento do contexto internacional, de diferentes culturas e modelos de negócios, não se vai longe.
Porém, nunca se deve esquecer que o Marketing não é feeling e muito menos oba-oba: cada vez mais deve-se escolher o profissional com base em um sólido conhecimento das técnicas de marketing, com base na educação, não só a formal mas aquela conseguida com a leitura constante de livros e revistas da área, com participação em congressos, com a elaboração de palestras e artigos, com o acompanhamento das últimas tendências internacionais de negócios. Marketing é uma disciplina que leva tempo para ser dominada: a tendência de se trazer pessoas de outras áreas funcionais (Finanças / Operações), a não ser em cargos iniciais, deve também ser repensada, já que marketing não se aprende da noite para o dia.
Finalmente, um ponto para se pensar: a contratação conservadora é um desperdício do talento do headhunter para vasculhar o mercado e encontrar uma solução inovadora e eficaz para seu cliente.

Por Marcos Dutra, para Gutemberg.com


* portugueses, tão ciosos da língua portuguesa, aportuguesando tudo que podem, esquivam-se do termo marqueteiro, salvo para aferroá-los e nos. preferem o uso do marketeer. e bem o fazem. nada mais depreciativo do que a terminologia que acabou virando sinônimo do anti-profissional, safardanas, picareta em definitivo. por isso se precisa mesmo, não contrate um marqueteiro. contrate algo que não o valha ou melhor, que seja o anti-marqueteiro. no mínimo será saudável para o ar da sua empresa.

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