2007 pode ser considerado um ano inovador para a comunicação. Essa é a análise da gerente de Pesquisa da ESPN Brasil, Ana Lucia Fugulin. Especialista no mercado e antenada às novas tecnologias, a profissional listou temas e lançamentos que, segundo ela própria, são suficientes para mostrar que "tudo se cria e tudo de transforma" na comunicação. A retrospectiva aborda termos que ganharam ou solidificaram fama durante este ano todo. Acima de tudo, o que se destacou foi a revolução digital e nomes como IPTV, Google, blogs, triple play, mobile markting e muito mais.
Confira o artigo:
· Ano em que, pela primeira vez, a Internet cresceu mais em investimento publicitário que os demais meios.: 41% até Agosto 2007
· Ano do crescimento da informação gratuita, no Brasil e no mundo - Mídia analógica (Metro e Destak em S.Paulo) e Digital (Portais, Grandes jornais abrindo conteúdo gratuito ao público- NYT, El País Jornal na Espanha)
· Ano do Google, não só como um importante gerador de produtos digitais, mas também como um dos mais agressivos players do mercado mundial (comprou o Orkut, YouTube, entre outros)
. Ano do world of mouse (boca-a-boca digital ) , traduzido pela (1) rápida expansão dos blogs, cerca de 70 milhões em todo o mundo, (9 milhões de pessoas acessam blogs diariamente no Brasil - Fonte Technorati), gerando o fenômeno identificado como Blogosfera e (2) produção e distribuição de vídeos "caseiros", ultrapassando a casa dos 100 milhões vistos diariamente, somente através do YouTube.
· Como decorrência, expansão dos conceitos de CGC - Conteúdo Gerado pelo Consumidor e CGU Conteúdo Gerado pelo Usuário , que no Brasil pode ser traduzido através do lançamento de revista e programas de TV.
· Ano das comunidades de relacionamento, com o surgimento de novos e importantes players como MySpace e Facebook (com valor estimado de 15 bilhões de dólares) no mercado internacional.
· Ano da expansão dos games, com especial destaque para surgimento do Second Life , incluindo o lançamento do Second Life Brasil - como ferramenta de negócios virtuais (venda de espaço no próprio ambiente, publicidade, lançamento de produtos, eventos, etc).
· Ano em que as Teles entraram no mercado de Tv por assinatura - fizeram acordos/ parcerias com TV assinatura e foram homologados pela Anatel;
· Ano da consolidação do Triple Play - Voz -TV paga e Banda Larga
· Lançamento comercial do IPTV , através da Brasil Telecom
· Ano do Móbile Marketing, com grandes campanhas, como, por exemplo, Fiat Punto
· Ano do Eco Marketing - sustentabilidade
· Ano da entrada do 3G na telefonia do Brasil (final de 2007)
· Ano em que, pela primeira vez, o Grand Prix de Cannes não foi concedido para ações de mídia tradicional, sendo vencedor a campanha Dove (Viral no YouTube)
· Ano do Lançamento iPhone
· Ano do Fim do reinado do "30 segundos" em função do Tivo, VoD, nos EUA;
· Ano da expansão do conceito de Below the line (mídia não convencionais, Marketing de Guerrilha, Promoção de Vendas, Ações no PDV, etc.)
· Ano das novas plataformas de mídia. Surgimento do conceito de Arenas de Comunicação e da transformação da identificação da mídia tradicional em Gestão de Contato com a Marca - mídia 360º, mídia 24/7, tudo é mídia
· Ano da reformulação na Mídia Exterior (Cidade Limpa)
· Ano das primeiras novelas gravadas em HD.
(da série retrospectivas, by the adnews)
o blog que dá crise renal em quem não tem crise de consciência. comunicação, marketing, publicidade, jornalismo, política. crítica de cultura e idéias. assuntos quentes tratados sem assopro. bem vindo, mas cuidado para não se queimar. em último caso, bom humor é sempre melhor do que pomada de cacau.
sexta-feira, dezembro 28, 2007
quinta-feira, dezembro 27, 2007
bom exemplo em tudo, menos no pagamento da primeira marca
No dia 10 de setembro de 2007, o mundo e o marketing perderam uma de suas mais marcantes personalidades: ANITA RODDICK, a guerrilheira que mudou a história da indústria dos cosméticos. Morreu aos 64 anos de idade, vítima do vírus da hepatite C, contraído em uma transfusão de sangue durante o nascimento de sua filha.
Tudo começou nas férias do casal ANITA PERELLA e GORDON RODDICK na Baia de São Francisco, EUA. Encantaram-se com uma pequena loja na Telegraph Avenue (Berkeley) que vendia shampoos, cremes, loções, também fundada e tocada por um casal e batizada de THE BODY SHOP, fazendo a apologia da defesa do meio ambiente, dos animais e da natureza, e estimulando, através de descontos, que seus clientes trouxessem embalagens de suas casas, ao invés de usar as novas da própria loja.
6 anos depois, 27 de março de 1976, e como seu marido se decidisse pela prática profissional do trekking, ANITA RODDICK decidiu abrir uma pequena loja na Inglaterra onde pudesse tocar sua vida em companhia das duas filhas. E tendo como referência o que viu na Telegraph Avenue, criou sua THE BODY SHOP, a partir da mesma base conceitual, mas significativamente incrementada. Ou seja, não foi ANITA quem teve o insight, mas foi ela quem deu vida ao insight de uma forma competente, memorável, e multiplicadora. O desenho da primeira marca da empresa foi do estudante de design, JEFF HARRIS, que cobrou vinte libras pelo trabalho.
Desde o início ANITA se posicionou radicalmente contrária ao uso de animais para o teste de cosméticos, e sempre procurou privilegiar comunidades pobres, muito especialmente no terceiro mundo, para comprar a matéria-prima de seus produtos. Em cada um de seus novos lançamentos sempre uma posição política e uma causa social em anexo. Num novo brilho para os lábios, um libelo contra abusos de toda a ordem na família; num novo perfume, uma bandeira na luta contra o HIV. Segundo uma de suas concorrentes, JOSEPHINE FAIRLEY, “ANITA produzia cosméticos alegres, sexy e instigantes que, ao invés de dizerem 'vou mudar sua vida', diziam, 'compre este creme e ajude a mudar a vida de muitas pessoas'.”
29 anos depois, em 2005, já com o capital aberto, a BODY SHOP era uma rede mundial com mais de 2000 lojas, e uma receita superior a 1 bilhão de dólares.
Simplesmente conseguiu a mágica de fazer com que pessoas que muitas vezes se sentiam mal por gastarem tanto dinheiro em cremes, perfumes e outros produtos de beleza se sentissem felizes e recompensadas pelo prazer da compra e por estarem se engajando numa causa.
Um ano antes de morrer, RODDICK conseguiu a sua maior vitória. Viu sua BODY SHOP ser comprada por 1,3 bilhão de dólares pela L´ORÉAL, talvez a mais importante empresa do negócio da beleza no mundo. E quando uma empresa como essa resolve, finalmente, se converter, e abraçar os mesmos princípios, significa que finalmente o até então alternativo, prevaleceu. O coadjuvante converteu-se em ator principal.
ANITA deixou um legado de ensinamentos, um livro, dezenas de atividades sociais, e uma série de frases que sempre caracterizaram sua trajetória de sucesso, sua trajetória revolucionária:
- “Só permanecerei a frente dos negócios enquanto for capaz de levar meu coração comigo todos os dias para o escritório”.
- “Durante anos, enquanto a maioria dos negócios perseguia os objetivos e práticas convencionais do mundo dos negócios, fiz parte de um pequeno movimento que trouxe de volta o idealismo como mote condutor”.
- “Se você faz bem, faça melhor. Atreva-se, saia na frente, seja diferente, e, acima de tudo, justo.”
- “Se não sou capaz de fazer alguma coisa que seja socialmente responsável, o que é então que eu estou fazendo?”
- “Seja amável, e as pessoas correrão em sua direção”.
(ícones do marketing: anita roddick por thomas dridge, londres, especial para o madia mundo marketing).
Tudo começou nas férias do casal ANITA PERELLA e GORDON RODDICK na Baia de São Francisco, EUA. Encantaram-se com uma pequena loja na Telegraph Avenue (Berkeley) que vendia shampoos, cremes, loções, também fundada e tocada por um casal e batizada de THE BODY SHOP, fazendo a apologia da defesa do meio ambiente, dos animais e da natureza, e estimulando, através de descontos, que seus clientes trouxessem embalagens de suas casas, ao invés de usar as novas da própria loja.
6 anos depois, 27 de março de 1976, e como seu marido se decidisse pela prática profissional do trekking, ANITA RODDICK decidiu abrir uma pequena loja na Inglaterra onde pudesse tocar sua vida em companhia das duas filhas. E tendo como referência o que viu na Telegraph Avenue, criou sua THE BODY SHOP, a partir da mesma base conceitual, mas significativamente incrementada. Ou seja, não foi ANITA quem teve o insight, mas foi ela quem deu vida ao insight de uma forma competente, memorável, e multiplicadora. O desenho da primeira marca da empresa foi do estudante de design, JEFF HARRIS, que cobrou vinte libras pelo trabalho.
Desde o início ANITA se posicionou radicalmente contrária ao uso de animais para o teste de cosméticos, e sempre procurou privilegiar comunidades pobres, muito especialmente no terceiro mundo, para comprar a matéria-prima de seus produtos. Em cada um de seus novos lançamentos sempre uma posição política e uma causa social em anexo. Num novo brilho para os lábios, um libelo contra abusos de toda a ordem na família; num novo perfume, uma bandeira na luta contra o HIV. Segundo uma de suas concorrentes, JOSEPHINE FAIRLEY, “ANITA produzia cosméticos alegres, sexy e instigantes que, ao invés de dizerem 'vou mudar sua vida', diziam, 'compre este creme e ajude a mudar a vida de muitas pessoas'.”
29 anos depois, em 2005, já com o capital aberto, a BODY SHOP era uma rede mundial com mais de 2000 lojas, e uma receita superior a 1 bilhão de dólares.
Simplesmente conseguiu a mágica de fazer com que pessoas que muitas vezes se sentiam mal por gastarem tanto dinheiro em cremes, perfumes e outros produtos de beleza se sentissem felizes e recompensadas pelo prazer da compra e por estarem se engajando numa causa.
Um ano antes de morrer, RODDICK conseguiu a sua maior vitória. Viu sua BODY SHOP ser comprada por 1,3 bilhão de dólares pela L´ORÉAL, talvez a mais importante empresa do negócio da beleza no mundo. E quando uma empresa como essa resolve, finalmente, se converter, e abraçar os mesmos princípios, significa que finalmente o até então alternativo, prevaleceu. O coadjuvante converteu-se em ator principal.
ANITA deixou um legado de ensinamentos, um livro, dezenas de atividades sociais, e uma série de frases que sempre caracterizaram sua trajetória de sucesso, sua trajetória revolucionária:
- “Só permanecerei a frente dos negócios enquanto for capaz de levar meu coração comigo todos os dias para o escritório”.
- “Durante anos, enquanto a maioria dos negócios perseguia os objetivos e práticas convencionais do mundo dos negócios, fiz parte de um pequeno movimento que trouxe de volta o idealismo como mote condutor”.
- “Se você faz bem, faça melhor. Atreva-se, saia na frente, seja diferente, e, acima de tudo, justo.”
- “Se não sou capaz de fazer alguma coisa que seja socialmente responsável, o que é então que eu estou fazendo?”
- “Seja amável, e as pessoas correrão em sua direção”.
(ícones do marketing: anita roddick por thomas dridge, londres, especial para o madia mundo marketing).
terça-feira, dezembro 25, 2007
aos mochileiros da galáxia(da comunicação de marketing?)
Há muitos anos a Tostines veiculou uma série de comerciais na forma de desenhos animados que fixaram no imaginário popular o que ficou conhecido como Dilema Tostines. Num desses comerciais uma espécie de monge sufista meditava em posição de lótus no alto de uma montanha enquanto ela era escalada por um persistente discípulo que, ao conseguir alcançar o ponto mais alto onde o mestre se encontrava meditando, faz a seguinte pergunta: “Mestre, Tostines vende mais por que é fresquinho ou é fresquinho por que vende mais? Me dá uma luz, mestre!”. Sem se abalar com a interferência do discípulo o mestre apenas levanta a pestana do olho direito fazendo cair um raio do céu que chamusca completamente o discípulo.
Coisa semelhante aconteceu com a entrevista concedida pelo guru do marketing Philip Kotler a alguns diretores de marketing brasileiros. Depois de repetir – com a autoridade do próprio Verbo Encarnado – obviedades publicitárias conhecidas até por quem não é do ramo, ele conclui a entrevista (que limitou a seis perguntas das quais três ele embutiu na última resposta) com a seguinte sentença etérea: “a lógica do marketing carrega uma contradição inerente: uma empresa falhará se não inovar e é provável que ela falhe se inovar também”.
Depois dos discípulos subirem a montanha e conseguirem um à parte com o mestre para dirimirem suas mais profundas dúvidas, o mestre levanta a pestana, olha para eles com indiferença, e ainda lhes devolve o dilema para o qual buscavam solução sob a forma do que está sendo chamado aqui de Paradoxo de Kotler. Para completar, o guru acrescenta a insigne declaração: “Por essa razão, cada empresa precisa encontrar seus próprios caminhos para escapar deste grande dilema”. Em linguagem popular isso quer dizer: salve-se quem puder! Dá teu jeito! Mas isso não é o pior. O próprio conteúdo do Paradoxo de Kotler é o raio que ele faz cair sobre as cabeças dos inconsolados discípulos.
Certamente a última declaração – seja na formulação clássica de Kotler, seja na versão popular descrita acima – foi assimilada por seus interlocutores. Quanto ao Paradoxo, esse tem implicações que se forem explicadas, podem chamuscar menos. Em lógica, a sentença de Kotler é chamada de Teoria da Decisão. Isso quer dizer o seguinte: se há duas decisões possíveis (inovar ou não) como estar seguro de que a opção feita foi a melhor? Ou seja, como sair da forquilha em que o paradoxo de Kotler pode ter colocado seus interlocutores? O que vale a pena fazer? É claro que o “dá teu jeito!” não é uma resposta satisfatória.
Certamente o leitor já deve ter ouvido falar na Aposta de Pascal, certo? Ela consiste no seguinte: Como não podemos saber se Deus existe, é mais “negócio” acreditar ou não na existência dele? Não se esqueça que se trata de uma aposta que pode definir o destino do apostador! Pascal conclui que devemos apostar na crença em Deus. Por quê? Ora, se Deus existir será melhor se considerarmos a perspectiva da felicidade eterna que se abre aos crentes; se Ele não existir, também ganhamos pelo simples fato de a crença nos afastar de coisas “mundanas” que podem prejudicar nossa boa existência.
Em lógica, uma escolha é chamada dominante em relação a uma outra se é tão boa quanto à outra em todos os resultados e melhor do que a outra em alguns. Por isso, Pascal aposta que acreditar é melhor: se eu não acreditar, eu posso estar perdendo caso Ele exista; se eu acreditar eu posso não ganhar, mas também não perco nada. Por isso, a escolha dominante no caso do Paradoxo de Kotler é a de que as empresas devem investir em inovações: se não investir, não abocanha parte do mercado sedento por novidades e ainda corre o risco de desaparecer (queimar no fogo do Inferno caso Deus exista); se investir, pode ser que a concorrência não permita um retorno satisfatório, mas pelo menos vai estar no “balão de ar” do investimento e pode, quem sabe, encontrar no curso da aposta feita aquela idéia genial que pode render muitos zeros na receita do próximo ano fiscal (o paraíso).
No caso de Kotler, as duas escolhas são não-dominantes (pessimistas). Se o Paradoxo de Kotler tivesse valor universal, a Teoria Matemática da Comunicação de Claude Shanon que tornou possível a linguagem binária da informática não seria possível, pois segundo Shanon 1Bit de informação é igual à escolha feita entre duas opções (0 e 1). Ou seja, o paradoxo de Kotler não produz informação! Sendo pessimistas com relação ao futuro, como vamos construir o sentido de nossas ações no presente?
Um americano bem posicionado pode ser pessimista em relação às inquietações do mercado brasileiro, mas o mercado brasileiro deve ser otimista em um momento em que um dos principais assuntos da pauta do marketing é a regulamentação legal da profissão e que tem, entre outras coisas, o poder definir o futuro desse mesmo mercado. É uma questão de Comunicação Social.
Vida é movimento, Devir, Risco, só “falha” quem não age. Mestres são especialistas em jogar raios na nossa cabeça. E pra isso eles só precisam levantar uma pestana. É por isso que Nietzsche diz: “Retribui-se mal a um mestre quando se permanece sempre e tão somente um discípulo”. Guardado o devido respeito que às vezes os mestres inspiram, precisamos fazer como David Carradine na série Kung Fu: colocar a mochila nas costas e decidir que caminho seguir. Melhor do que se submeter a “autoridade” de quem só diz o que a gente já sabe ou que talvez sinta um prazer mórbido em nos chamuscar.
(paradoxo de kotler, do moisés efraym que é filósofo, no mundo do marketing, registrando aqui nossas desconfianças chamuscadas em relação a "regulamentação legal da profissão")
Coisa semelhante aconteceu com a entrevista concedida pelo guru do marketing Philip Kotler a alguns diretores de marketing brasileiros. Depois de repetir – com a autoridade do próprio Verbo Encarnado – obviedades publicitárias conhecidas até por quem não é do ramo, ele conclui a entrevista (que limitou a seis perguntas das quais três ele embutiu na última resposta) com a seguinte sentença etérea: “a lógica do marketing carrega uma contradição inerente: uma empresa falhará se não inovar e é provável que ela falhe se inovar também”.
Depois dos discípulos subirem a montanha e conseguirem um à parte com o mestre para dirimirem suas mais profundas dúvidas, o mestre levanta a pestana, olha para eles com indiferença, e ainda lhes devolve o dilema para o qual buscavam solução sob a forma do que está sendo chamado aqui de Paradoxo de Kotler. Para completar, o guru acrescenta a insigne declaração: “Por essa razão, cada empresa precisa encontrar seus próprios caminhos para escapar deste grande dilema”. Em linguagem popular isso quer dizer: salve-se quem puder! Dá teu jeito! Mas isso não é o pior. O próprio conteúdo do Paradoxo de Kotler é o raio que ele faz cair sobre as cabeças dos inconsolados discípulos.
Certamente a última declaração – seja na formulação clássica de Kotler, seja na versão popular descrita acima – foi assimilada por seus interlocutores. Quanto ao Paradoxo, esse tem implicações que se forem explicadas, podem chamuscar menos. Em lógica, a sentença de Kotler é chamada de Teoria da Decisão. Isso quer dizer o seguinte: se há duas decisões possíveis (inovar ou não) como estar seguro de que a opção feita foi a melhor? Ou seja, como sair da forquilha em que o paradoxo de Kotler pode ter colocado seus interlocutores? O que vale a pena fazer? É claro que o “dá teu jeito!” não é uma resposta satisfatória.
Certamente o leitor já deve ter ouvido falar na Aposta de Pascal, certo? Ela consiste no seguinte: Como não podemos saber se Deus existe, é mais “negócio” acreditar ou não na existência dele? Não se esqueça que se trata de uma aposta que pode definir o destino do apostador! Pascal conclui que devemos apostar na crença em Deus. Por quê? Ora, se Deus existir será melhor se considerarmos a perspectiva da felicidade eterna que se abre aos crentes; se Ele não existir, também ganhamos pelo simples fato de a crença nos afastar de coisas “mundanas” que podem prejudicar nossa boa existência.
Em lógica, uma escolha é chamada dominante em relação a uma outra se é tão boa quanto à outra em todos os resultados e melhor do que a outra em alguns. Por isso, Pascal aposta que acreditar é melhor: se eu não acreditar, eu posso estar perdendo caso Ele exista; se eu acreditar eu posso não ganhar, mas também não perco nada. Por isso, a escolha dominante no caso do Paradoxo de Kotler é a de que as empresas devem investir em inovações: se não investir, não abocanha parte do mercado sedento por novidades e ainda corre o risco de desaparecer (queimar no fogo do Inferno caso Deus exista); se investir, pode ser que a concorrência não permita um retorno satisfatório, mas pelo menos vai estar no “balão de ar” do investimento e pode, quem sabe, encontrar no curso da aposta feita aquela idéia genial que pode render muitos zeros na receita do próximo ano fiscal (o paraíso).
No caso de Kotler, as duas escolhas são não-dominantes (pessimistas). Se o Paradoxo de Kotler tivesse valor universal, a Teoria Matemática da Comunicação de Claude Shanon que tornou possível a linguagem binária da informática não seria possível, pois segundo Shanon 1Bit de informação é igual à escolha feita entre duas opções (0 e 1). Ou seja, o paradoxo de Kotler não produz informação! Sendo pessimistas com relação ao futuro, como vamos construir o sentido de nossas ações no presente?
Um americano bem posicionado pode ser pessimista em relação às inquietações do mercado brasileiro, mas o mercado brasileiro deve ser otimista em um momento em que um dos principais assuntos da pauta do marketing é a regulamentação legal da profissão e que tem, entre outras coisas, o poder definir o futuro desse mesmo mercado. É uma questão de Comunicação Social.
Vida é movimento, Devir, Risco, só “falha” quem não age. Mestres são especialistas em jogar raios na nossa cabeça. E pra isso eles só precisam levantar uma pestana. É por isso que Nietzsche diz: “Retribui-se mal a um mestre quando se permanece sempre e tão somente um discípulo”. Guardado o devido respeito que às vezes os mestres inspiram, precisamos fazer como David Carradine na série Kung Fu: colocar a mochila nas costas e decidir que caminho seguir. Melhor do que se submeter a “autoridade” de quem só diz o que a gente já sabe ou que talvez sinta um prazer mórbido em nos chamuscar.
(paradoxo de kotler, do moisés efraym que é filósofo, no mundo do marketing, registrando aqui nossas desconfianças chamuscadas em relação a "regulamentação legal da profissão")
terça-feira, dezembro 18, 2007
a concorrência que se foda. mas sem ela a gente se fode também. ou não?
“Contaram-me que os peixes não se importam de serem pescados, pois têm o sangue frio e não sentem dor. Mas não foi um peixe que me contou isso.”(Heywood Broun)
Não sejamos hipócritas. Esta estória de que concorrência é saudável porque estimula o desenvolvimento e combate o imobilismo é filosoficamente bela, mas não retrata a realidade.
Frédéric Bastiat, economista francês do século XIX e grande defensor do livre comércio, dizia: “Destruir a concorrência é matar a inteligência”. Pois então que morra, neste caso, a inteligência! Qualquer empresário ou gestor há de concordar que concorrência boa, é concorrência morta.
É por isso que o mundo corporativo tem sido marcado por fusões e aquisições, com a formação de grandes grupos econômicos. Tome-se como exemplo o setor bancário. Chama menos atenção a redução do número de instituições financeiras, o que não seria uma medida estatisticamente adequada, mas a concentração do patrimônio líquido, dos depósitos e do crédito entre os quinze maiores bancos do país.
As grandes companhias buscam o caminho dos ganhos de escala e da redução de custos operacionais, princípios econômicos legados da Era Industrial. É uma forma de debelar a concorrência absorvendo-a (aquisição) ou aliando-se a ela (fusão). Mas fica a pergunta: e quanto às pequenas empresas?
Firmas de pequeno e médio porte têm uma natural vocação autofágica. Em outras palavras, degladiam-se por um pedaço de osso como se fosse carne de primeira. Chegam até mesmo a praticar dumping (vender abaixo do preço de custo) para evitar que o vizinho ganhe o pedido. Cooperativismo e associativismo são palavras ausentes do vocabulário – e do dicionário – da maioria dos empresários. É uma questão cultural alicerçada num modelo mental ultrapassado: cada um que cuide de seu terreiro.
Houve uma época em que bastava produzir o que fosse para surgir um comprador. Outro economista francês, este no final do século XVIII, Jean-Baptiste Say, cunhou uma lei de mercado que dizia: “Toda oferta cria sua própria demanda”. Sua assertiva teve vida longa, a ponto de Henry Ford declarar no auge da produção de seu veículo Modelo T: "Você pode ter o carro da cor que quiser, contanto que ele seja preto".
Mas os tempos áureos sucumbiram em 1929 com a Grande Depressão. O impacto econômico foi tamanho que, nos Estados Unidos, a taxa de desemprego saltou de 9% para 25% em apenas três anos.
Hoje vivemos um período de comoditização ampla, geral e irrestrita. Os produtos são todos muito parecidos em funcionalidade. E os consumidores dão as cartas, reinando no trono da infidelidade e com elevado poder de barganha.
O sofrimento é ainda maior no comércio que na indústria. Basta caminhar em São Paulo, por exemplo, pela Teodoro Sampaio dos instrumentos musicais, a Consolação dos lustres, a Santa Ifigênia dos eletrônicos ou simplesmente as praças de alimentação de qualquer shopping center para sentir na pele e na veia a ferocidade da concorrência. O que fazer?
1. Cuide do visual. O jogo começa na aparência que conduz à sedução. É o marketing de percepção. Você precisa captar a atenção do cliente para que ele escolha, entre as inúmeras alternativas, o seu ponto. Isso envolve a fachada, o letreiro e até mesmo o nome do estabelecimento. Os trajes dos atendentes, a pintura das paredes, a limpeza do piso, o índice de luminosidade, a organização dos produtos expostos e a facilidade de acesso a eles. Perceba que as mesmas regras aplicam-se a uma loja virtual. Neste caso, falamos de um site de fácil navegação, com diagramação e cores agradáveis, ágil na transição de páginas, amigável na busca por produtos.
2. Treine seu pessoal. Considerando-se que os produtos são similares e, portanto, facilmente comparáveis, o único canal possível de diferenciação é o da prestação de serviços. A palavra de ordem agora é “atendimento”. Não apenas um atendimento bom, mas sim um excepcional, prestado por uma força de vendas que antes de tudo conhece em profundidade o que está ofertando. É a chamada “venda consultiva” que compreende necessidades, orienta sobre tipos e modelos, instrui com foco na adequação e assiste através do pós-venda promovendo a fidelização.
3. Tenha o produto disponível. Parece óbvio, mas esta é uma das grandes falhas de gerenciamento no ponto de venda. Imagine ter atraído o consumidor para sua loja e tê-lo presenteado com um atendimento exemplar. Após analisar todas as possibilidades ele escolhe um produto que está esgotado. Era o modelo perfeito de calçado, mas não na cor desejada. Era o prato ideal para o almoço, mas sem o molho preferido. Você terá o desprazer de ver seu cliente, igualmente frustrado, sair pela porta afora de mãos vazias – mas agora seguro do que pretende comprar, evidentemente em seu concorrente. Portanto, mantenha um estoque de segurança. E se você não dispõe de espaço ou capital para tê-lo, é preferível reduzir a gama de produtos oferecidos ou especializar-se em um grupo específico. Se você não é o primeiro e nem o maior, seja o melhor no que se propõe a fazer.
4. Crie diferenciais. Além do excelente atendimento, seja criativo nos detalhes e tenha a inovação como lema. Promova campanhas e concursos, crie bônus por fidelidade, escute e surpreenda seus clientes com novas soluções integradas. Propicie condições variadas de pagamento estabelecendo, por exemplo, parceria com instituições financeiras. Vivemos uma onda de crédito abundante e facilitado, ainda que caro, mas que permite adquirir bens para pagamento em longo prazo mediante suaves prestações mensais. Você não precisa assumir o ônus dos riscos do financiamento. Não é este o seu negócio. Mas uma financeira fará este papel com todo prazer.
5. Diga não à guerra de preços. Venda benefícios associados aos produtos, desviando o foco do preço. A regra é vender valor e não preço. Por isso a importância do atendimento, inclusive no pós-venda, além da oferta de acessórios, de assistência técnica permanente e de condições diferenciadas de pagamento, conforme já mencionado.
6. Em guerra deflagrada, lute para ganhar. Jamais se esqueça de que você está em guerra permanente com seus concorrentes. Esteja, pois, preparado. Conheça bem, e de perto, seus concorrentes. Visite-os ou coloque alguém para visitá-los. Telefone para monitorar a qualidade do atendimento. Pesquise preços. Descubra seus pontos fortes e os copie. Descubra seus pontos fracos e guarde as cartas na manga. Contrate seus melhores funcionários. E, fundamentalmente, inove. Torne-se único a ponto de tornar a concorrência irrelevante. Mas lembre-se: eles podem estar fazendo exatamente o mesmo em relação a você.
(como vencer a concorrência, no tom do tom. www.tomcoelho.com.br)
Não sejamos hipócritas. Esta estória de que concorrência é saudável porque estimula o desenvolvimento e combate o imobilismo é filosoficamente bela, mas não retrata a realidade.
Frédéric Bastiat, economista francês do século XIX e grande defensor do livre comércio, dizia: “Destruir a concorrência é matar a inteligência”. Pois então que morra, neste caso, a inteligência! Qualquer empresário ou gestor há de concordar que concorrência boa, é concorrência morta.
É por isso que o mundo corporativo tem sido marcado por fusões e aquisições, com a formação de grandes grupos econômicos. Tome-se como exemplo o setor bancário. Chama menos atenção a redução do número de instituições financeiras, o que não seria uma medida estatisticamente adequada, mas a concentração do patrimônio líquido, dos depósitos e do crédito entre os quinze maiores bancos do país.
As grandes companhias buscam o caminho dos ganhos de escala e da redução de custos operacionais, princípios econômicos legados da Era Industrial. É uma forma de debelar a concorrência absorvendo-a (aquisição) ou aliando-se a ela (fusão). Mas fica a pergunta: e quanto às pequenas empresas?
Firmas de pequeno e médio porte têm uma natural vocação autofágica. Em outras palavras, degladiam-se por um pedaço de osso como se fosse carne de primeira. Chegam até mesmo a praticar dumping (vender abaixo do preço de custo) para evitar que o vizinho ganhe o pedido. Cooperativismo e associativismo são palavras ausentes do vocabulário – e do dicionário – da maioria dos empresários. É uma questão cultural alicerçada num modelo mental ultrapassado: cada um que cuide de seu terreiro.
Houve uma época em que bastava produzir o que fosse para surgir um comprador. Outro economista francês, este no final do século XVIII, Jean-Baptiste Say, cunhou uma lei de mercado que dizia: “Toda oferta cria sua própria demanda”. Sua assertiva teve vida longa, a ponto de Henry Ford declarar no auge da produção de seu veículo Modelo T: "Você pode ter o carro da cor que quiser, contanto que ele seja preto".
Mas os tempos áureos sucumbiram em 1929 com a Grande Depressão. O impacto econômico foi tamanho que, nos Estados Unidos, a taxa de desemprego saltou de 9% para 25% em apenas três anos.
Hoje vivemos um período de comoditização ampla, geral e irrestrita. Os produtos são todos muito parecidos em funcionalidade. E os consumidores dão as cartas, reinando no trono da infidelidade e com elevado poder de barganha.
O sofrimento é ainda maior no comércio que na indústria. Basta caminhar em São Paulo, por exemplo, pela Teodoro Sampaio dos instrumentos musicais, a Consolação dos lustres, a Santa Ifigênia dos eletrônicos ou simplesmente as praças de alimentação de qualquer shopping center para sentir na pele e na veia a ferocidade da concorrência. O que fazer?
1. Cuide do visual. O jogo começa na aparência que conduz à sedução. É o marketing de percepção. Você precisa captar a atenção do cliente para que ele escolha, entre as inúmeras alternativas, o seu ponto. Isso envolve a fachada, o letreiro e até mesmo o nome do estabelecimento. Os trajes dos atendentes, a pintura das paredes, a limpeza do piso, o índice de luminosidade, a organização dos produtos expostos e a facilidade de acesso a eles. Perceba que as mesmas regras aplicam-se a uma loja virtual. Neste caso, falamos de um site de fácil navegação, com diagramação e cores agradáveis, ágil na transição de páginas, amigável na busca por produtos.
2. Treine seu pessoal. Considerando-se que os produtos são similares e, portanto, facilmente comparáveis, o único canal possível de diferenciação é o da prestação de serviços. A palavra de ordem agora é “atendimento”. Não apenas um atendimento bom, mas sim um excepcional, prestado por uma força de vendas que antes de tudo conhece em profundidade o que está ofertando. É a chamada “venda consultiva” que compreende necessidades, orienta sobre tipos e modelos, instrui com foco na adequação e assiste através do pós-venda promovendo a fidelização.
3. Tenha o produto disponível. Parece óbvio, mas esta é uma das grandes falhas de gerenciamento no ponto de venda. Imagine ter atraído o consumidor para sua loja e tê-lo presenteado com um atendimento exemplar. Após analisar todas as possibilidades ele escolhe um produto que está esgotado. Era o modelo perfeito de calçado, mas não na cor desejada. Era o prato ideal para o almoço, mas sem o molho preferido. Você terá o desprazer de ver seu cliente, igualmente frustrado, sair pela porta afora de mãos vazias – mas agora seguro do que pretende comprar, evidentemente em seu concorrente. Portanto, mantenha um estoque de segurança. E se você não dispõe de espaço ou capital para tê-lo, é preferível reduzir a gama de produtos oferecidos ou especializar-se em um grupo específico. Se você não é o primeiro e nem o maior, seja o melhor no que se propõe a fazer.
4. Crie diferenciais. Além do excelente atendimento, seja criativo nos detalhes e tenha a inovação como lema. Promova campanhas e concursos, crie bônus por fidelidade, escute e surpreenda seus clientes com novas soluções integradas. Propicie condições variadas de pagamento estabelecendo, por exemplo, parceria com instituições financeiras. Vivemos uma onda de crédito abundante e facilitado, ainda que caro, mas que permite adquirir bens para pagamento em longo prazo mediante suaves prestações mensais. Você não precisa assumir o ônus dos riscos do financiamento. Não é este o seu negócio. Mas uma financeira fará este papel com todo prazer.
5. Diga não à guerra de preços. Venda benefícios associados aos produtos, desviando o foco do preço. A regra é vender valor e não preço. Por isso a importância do atendimento, inclusive no pós-venda, além da oferta de acessórios, de assistência técnica permanente e de condições diferenciadas de pagamento, conforme já mencionado.
6. Em guerra deflagrada, lute para ganhar. Jamais se esqueça de que você está em guerra permanente com seus concorrentes. Esteja, pois, preparado. Conheça bem, e de perto, seus concorrentes. Visite-os ou coloque alguém para visitá-los. Telefone para monitorar a qualidade do atendimento. Pesquise preços. Descubra seus pontos fortes e os copie. Descubra seus pontos fracos e guarde as cartas na manga. Contrate seus melhores funcionários. E, fundamentalmente, inove. Torne-se único a ponto de tornar a concorrência irrelevante. Mas lembre-se: eles podem estar fazendo exatamente o mesmo em relação a você.
(como vencer a concorrência, no tom do tom. www.tomcoelho.com.br)
segunda-feira, dezembro 17, 2007
se deus está nos detalhes, imagine o diabo
Você sabia que, cada vez mais, jovens norte-americanos estão fazendo crochê? Que o judaísmo é a religião mais querida aqui? Que está havendo uma explosão de nascimento de pessoas canhotas? Que a população de solteironas nos Estados Unidos quase dobrou de 1970 a 2005? Que existem cerca de 30 milhões de pessoas tatuadas? Ou que um milhão de homens norte-americanos fizeram operação plástica em 2006? É um punhado de informação (ou cultura inútil) que a gente vê aqui e ali, e que até hoje não sabia que se tratava de uma microtendência, um termo inventado recentemente que está dando o que falar nos Estados Unidos.
Tudo começou quando o especialista em pesquisas Mark J. Penn, hoje CEO da Burson-Marsteller, uma das maiores empresas de relações públicas do mundo, trabalhava para o então presidente Bill Clinton na Casa Branca, em 1996. Ele começou a perceber um fenômeno: mulheres brancas, casadas, moradoras dos afluentes subúrbios norte-americanos, devotadas aos filhos, estavam se tornando, muito mais do que os maridos, uma força política expressiva. Um detalhe que passava desapercebido nas pesquisas.
Penn as apelidou de “soccer moms”, não no sentido literal de mães de futebol, mas aquele tipo de mulher atribulada que leva os filhos de atividade em atividade, em carrões espaçosos, e que até então, pensava-se, estavam indefinidas politicamente. Clinton entendeu a mensagem, levou o assunto a sério e prometeu medidas que lhes agradavam, como coibir o tabaco entre os adolescentes, obrigar escolas a fazer testes de detecção de drogas e leis que limitam a violência na TV. Acabou se reelegendo com a ajuda delas.
Penn escreveu um livro sobre estes pequenos e intensos grupos que têm suas próprias necessidades e raramente aparecem no radar de marqueteiros, varejistas, publicitários, jornalistas ou quem quer influenciar os hábitos da sociedade. Junto com E. Kinney Zalesne, que também serviu na Casa Branca, lançou Microtendências –As Pequenas Forças por Detrás das Grandes Mudanças do Amanhã –, que não sai da lista dos mais vendidos do The New York Times desde setembro.
O livro reúne 75 microtendências em assuntos tão díspares quando amor, trabalho, religião, saúde, vida familiar, política, dinheiro, educação, lazer, moda e dietas. São coisas que gente, por assim dizer, não sabia que sabia. Por exemplo, que embora nasçam mais meninos que meninas, há falta de homem no mundo. Adolescentes machos morrem mais do que adolescentes fêmeas, enquanto que a população de gays homens é o dobro de mulheres lésbicas, pelo menos nos Estados Unidos. Ou que está explodindo o número de aposentados que, por terem uma vida mais longa ou por não gostarem de ficar em casa, continuam trabalhando. Ou ainda que está aumentando o número de pais-avós, que têm filhos depois de fazer o 55º aniversário.
A conclusão é que hoje em dia o mundo não age monoliticamente, mas é uma coleção de pequenos pontos que precisam ser juntados, e examinados, um a um. O mundo virou um grande Starbucks, onde cada um dos milhões de clientes que entra em suas 13 mil lojas é tratado pelo nome e pode escolher uma das 11.735 mil variedades de café, chá ou outra bebida qualquer. Cada um é cada um ou, como se diz, cada caso é um caso. Deus está nos detalhes.
(deus está nos detalhes, no vida americana do pedro augusto leite costa)
Tudo começou quando o especialista em pesquisas Mark J. Penn, hoje CEO da Burson-Marsteller, uma das maiores empresas de relações públicas do mundo, trabalhava para o então presidente Bill Clinton na Casa Branca, em 1996. Ele começou a perceber um fenômeno: mulheres brancas, casadas, moradoras dos afluentes subúrbios norte-americanos, devotadas aos filhos, estavam se tornando, muito mais do que os maridos, uma força política expressiva. Um detalhe que passava desapercebido nas pesquisas.
Penn as apelidou de “soccer moms”, não no sentido literal de mães de futebol, mas aquele tipo de mulher atribulada que leva os filhos de atividade em atividade, em carrões espaçosos, e que até então, pensava-se, estavam indefinidas politicamente. Clinton entendeu a mensagem, levou o assunto a sério e prometeu medidas que lhes agradavam, como coibir o tabaco entre os adolescentes, obrigar escolas a fazer testes de detecção de drogas e leis que limitam a violência na TV. Acabou se reelegendo com a ajuda delas.
Penn escreveu um livro sobre estes pequenos e intensos grupos que têm suas próprias necessidades e raramente aparecem no radar de marqueteiros, varejistas, publicitários, jornalistas ou quem quer influenciar os hábitos da sociedade. Junto com E. Kinney Zalesne, que também serviu na Casa Branca, lançou Microtendências –As Pequenas Forças por Detrás das Grandes Mudanças do Amanhã –, que não sai da lista dos mais vendidos do The New York Times desde setembro.
O livro reúne 75 microtendências em assuntos tão díspares quando amor, trabalho, religião, saúde, vida familiar, política, dinheiro, educação, lazer, moda e dietas. São coisas que gente, por assim dizer, não sabia que sabia. Por exemplo, que embora nasçam mais meninos que meninas, há falta de homem no mundo. Adolescentes machos morrem mais do que adolescentes fêmeas, enquanto que a população de gays homens é o dobro de mulheres lésbicas, pelo menos nos Estados Unidos. Ou que está explodindo o número de aposentados que, por terem uma vida mais longa ou por não gostarem de ficar em casa, continuam trabalhando. Ou ainda que está aumentando o número de pais-avós, que têm filhos depois de fazer o 55º aniversário.
A conclusão é que hoje em dia o mundo não age monoliticamente, mas é uma coleção de pequenos pontos que precisam ser juntados, e examinados, um a um. O mundo virou um grande Starbucks, onde cada um dos milhões de clientes que entra em suas 13 mil lojas é tratado pelo nome e pode escolher uma das 11.735 mil variedades de café, chá ou outra bebida qualquer. Cada um é cada um ou, como se diz, cada caso é um caso. Deus está nos detalhes.
(deus está nos detalhes, no vida americana do pedro augusto leite costa)
sexta-feira, dezembro 14, 2007
redatores criativos para agências idem(bom pra muita gente criatividade hoje em dia é isto)
A TV possui um grau elevadíssimo de informações que nos enriquece de uma maneira pobre, pois se tornamos uns viciados deste veículo de comunicação'. (Deus!)
A TV no entanto é um consumo que devemos consumir para nossa formação,informação e deformação'. (fantástica!)
A TV se estiver ligada pode formar uma série de imagens, já desligada não...' (ah bom, uma frase sobrenatural ) .
A TV deforma não só os sofás por motivo da pessoa ficar bastante tempo intertida como também as vista' (sem comentários ).
A televisão passa para as pessoas que a vida é um conto de fábulas e com isso fabrica muitas cabeças' (como é que pode ?).
Sempre ou quase sempre a TV está mais perto denosco (?), fazendo com que o telespectador solte o seu lado obscuro' ( esta é imbatível)
A TV deforma a coluna, os músculos e o organismo em geral' (é praticamente uma tortura !)
A televisão é um meio de comunicação, audição e porque não dizer De locomoção' (tudo a ver)
A TV é o oxigênio que forma nossas idéias' (sem ela este indivíduo não pode viver)
..por isso é que podemos dizer que esse meio de transporte é capaz de informar e deformar os homens' (nunca tentei dirigir uma TV )
A TV ezerce (Nossa Senhora!!!) poder, levando informações diárias e porque não dizer horárias' ( esse é humorista, além de tudo)
E nós estamos nos diluindo a cada dia e não se pode dizer que a TV não tem nada a ver com isso' (me explica isso? )
A televisão leva fatos a trilhares de pessoas' (é muita gente isso, hein?)
A TV acomoda aos teles inspectadores' (socorro!!!)
A informação fornecida pela TV é pacífica de falhas' (vixe!)
A televisão pode ser definida como uma faca de trezgumes. Ela tanto pode formar, como informar, como deformar' (p.q.p., onde essa criatura arrumou esta faca???)
(a tv forma, informa ou deforma? na lista do ccpe, uma seleção do prof.josé roberto mathias com transcrição de maria helena sobre excertos das redações do vestibular da ufmg. não sabemos se a exegese é da remetente filozina?)
quarta-feira, dezembro 12, 2007
embrulha e manda
Diga lá - alguma vez você já comprou uma marca só por causa da embalagem?
Em muitos segmentos, a embalagem faz mesmo uma grande diferença. Nao apenas pelo visual, mas também pelos materiais usados, facilidade de uso e por aí vai. A maioria dos executivos brasileiros concorda que as embalagens sao muito importantes na construçao da imagem da marca e um dos principais canais de comunicaçao com o consumidor. Mas, na hora da verdade, as empresas ainda gerenciam embalagens do ponto de vista operacional, preferindo reduzir custos a introduzir novidades capazes de diferenciar seus produtos.
Prova disso é que somente 27% delas praticam gestao estratégica de embalagens e apenas 1/3 tem programas de inovaçao nesse setor. Tem mais - quase a metade das nossas empresas acredita que suas embalagens nao sao melhores do que as da concorrência. E ainda assim, 61% delas nao têm programas de investimento em modernizaçao e tecnologia de embalagens. Entre as companhias de pequeno e médio porte, esses dados sao ainda piores. Essas sao algumas das conclusoes de uma pesquisa inédita que a GFK realizou, a pedido do Núcleo de Estudos da Embalagem da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Os resultados foram apresentados ontem, dia 10, no 1o Forum Nacional de Gestao de Embalagens, que aconteceu no auditório da ESPM, em Sao Paulo.
Nesses tempos de alta competiçao e baixa diferenciaçao, as empresas devem mesmo abrir o olho para o importante papel das embalagens no processo de escolha do consumidor.
(luiz alberto marinho no Ônibus azul de hoje)
Em muitos segmentos, a embalagem faz mesmo uma grande diferença. Nao apenas pelo visual, mas também pelos materiais usados, facilidade de uso e por aí vai. A maioria dos executivos brasileiros concorda que as embalagens sao muito importantes na construçao da imagem da marca e um dos principais canais de comunicaçao com o consumidor. Mas, na hora da verdade, as empresas ainda gerenciam embalagens do ponto de vista operacional, preferindo reduzir custos a introduzir novidades capazes de diferenciar seus produtos.
Prova disso é que somente 27% delas praticam gestao estratégica de embalagens e apenas 1/3 tem programas de inovaçao nesse setor. Tem mais - quase a metade das nossas empresas acredita que suas embalagens nao sao melhores do que as da concorrência. E ainda assim, 61% delas nao têm programas de investimento em modernizaçao e tecnologia de embalagens. Entre as companhias de pequeno e médio porte, esses dados sao ainda piores. Essas sao algumas das conclusoes de uma pesquisa inédita que a GFK realizou, a pedido do Núcleo de Estudos da Embalagem da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Os resultados foram apresentados ontem, dia 10, no 1o Forum Nacional de Gestao de Embalagens, que aconteceu no auditório da ESPM, em Sao Paulo.
Nesses tempos de alta competiçao e baixa diferenciaçao, as empresas devem mesmo abrir o olho para o importante papel das embalagens no processo de escolha do consumidor.
(luiz alberto marinho no Ônibus azul de hoje)
terça-feira, dezembro 11, 2007
matou o redator e foi pra faculdade
se apenas e tão-somente 26% dos estudantes universitários tem condições de ler e interpretar um texto longo, que fuja ao básico, esta aí mais uma argumentação errônea de reunião para forçar à mediocridade em linha do copy(vão dizer agora que copy só copy-strategy e olhe lá, mas nunca no anúncio, por exemplo).
é por isso mesmo que tem de se escrever mais, e inteligentemente, propaganda e ou comunicação de marketing de marcas, para estimular o cérebro destes fanfarrões.
vamos aproveitar. até porque a pesquisa não passou ainda pelos cursos de publicidade, onde o percentual deve andar próximo de zero, a julgar pelo que dizem estes caras - principalmente os diretores de arte, que não podem ver uma linha de texto que dizem que é muito longo e ninguém(eles)vai ler.
esta discussão já teve melhor nível. até porque antes dialogávamos com algo mais do que analfabetos funcionais que ainda por cima se acham geniais.
pelo menos tenho a certeza de que sei eu ler um brief. o resto pelo visto tem dificuldades analógicas mesmo sendo digitais.
o resultado é o que se vê e o que não se vê. falta texto.
é por isso mesmo que tem de se escrever mais, e inteligentemente, propaganda e ou comunicação de marketing de marcas, para estimular o cérebro destes fanfarrões.
vamos aproveitar. até porque a pesquisa não passou ainda pelos cursos de publicidade, onde o percentual deve andar próximo de zero, a julgar pelo que dizem estes caras - principalmente os diretores de arte, que não podem ver uma linha de texto que dizem que é muito longo e ninguém(eles)vai ler.
esta discussão já teve melhor nível. até porque antes dialogávamos com algo mais do que analfabetos funcionais que ainda por cima se acham geniais.
pelo menos tenho a certeza de que sei eu ler um brief. o resto pelo visto tem dificuldades analógicas mesmo sendo digitais.
o resultado é o que se vê e o que não se vê. falta texto.
segunda-feira, dezembro 10, 2007
pareias
2. Tão logo a ABAP anunciou a realização do IV Congresso Brasileiro de Propaganda, meu amigo Nelson Cadenas se manifestou através de artigo intitulado IV Congresso Mesmo?
Entre outras coisas, afirma:
“Não concordo com o nome... não há o menor sentido em caracterizar o que venha a ser o evento do próximo ano como continuidade de um discurso e um modelo que se esgotou definitivamente naqueles idos da década de 70. É como se estivéssemos dizendo às novas gerações que somos tão incompetentes que precisamos de três décadas para nos reunir de novo, que nada de relevante aconteceu nesse tempo todo que justifica-se discutir o mercado.”
Se você tem me dado o prazer de ler as mal traçadas que escrevo para este site, sabe o que eu penso a respeito. Ou melhor: que na minha opinião, o Nelsinho está coberto de razão. Em mais de um artigo propus que fizéssemos não um Congresso de Publicidade, mas um Congresso de Comunicação de marketing.
Porque o negócio é muito mais embaixo.
3. Precisamos, logo de cara, definir o que entendemos por publicidade. É essa comunicação de massa, tradicionalmente praticada nas agências? É dessa que o Congresso vai tratar?
Ou vamos entender a publicidade em um sentido mais amplo, capaz de envolver todas as ferramentas da comunicação de marketing, e por conseqüência as empresas onde elas são usadas e o pessoal que as usa?
Percebeu a diferença?
4. Claro que a ABAP está pensando nas associadas dela. Nas agências especializadas na comunicação de massa. Ela não esconde isso de ninguém. Há alguns anos aqui em Floripa, o presidente dessa entidade, agora presidente também do Congresso, repetiu, pra quem quisesse ouvir, esse conceito.
Não por outra razão, ele quer que o conclave discuta remuneração... das agências de publicidade.
5. Então, se é do jeito que ele prega, o designer que cria marcas, embalagens, rótulos; o profissional especializado em marketing direto ou em promoção é o que?
Párea da publicidade?
6. Convido você a fazer uma reflexão sobre isso, o assunto é sério e merece.
(trecho de "a raiz do problema", do eloy simões, no acontecendo aqui)
Entre outras coisas, afirma:
“Não concordo com o nome... não há o menor sentido em caracterizar o que venha a ser o evento do próximo ano como continuidade de um discurso e um modelo que se esgotou definitivamente naqueles idos da década de 70. É como se estivéssemos dizendo às novas gerações que somos tão incompetentes que precisamos de três décadas para nos reunir de novo, que nada de relevante aconteceu nesse tempo todo que justifica-se discutir o mercado.”
Se você tem me dado o prazer de ler as mal traçadas que escrevo para este site, sabe o que eu penso a respeito. Ou melhor: que na minha opinião, o Nelsinho está coberto de razão. Em mais de um artigo propus que fizéssemos não um Congresso de Publicidade, mas um Congresso de Comunicação de marketing.
Porque o negócio é muito mais embaixo.
3. Precisamos, logo de cara, definir o que entendemos por publicidade. É essa comunicação de massa, tradicionalmente praticada nas agências? É dessa que o Congresso vai tratar?
Ou vamos entender a publicidade em um sentido mais amplo, capaz de envolver todas as ferramentas da comunicação de marketing, e por conseqüência as empresas onde elas são usadas e o pessoal que as usa?
Percebeu a diferença?
4. Claro que a ABAP está pensando nas associadas dela. Nas agências especializadas na comunicação de massa. Ela não esconde isso de ninguém. Há alguns anos aqui em Floripa, o presidente dessa entidade, agora presidente também do Congresso, repetiu, pra quem quisesse ouvir, esse conceito.
Não por outra razão, ele quer que o conclave discuta remuneração... das agências de publicidade.
5. Então, se é do jeito que ele prega, o designer que cria marcas, embalagens, rótulos; o profissional especializado em marketing direto ou em promoção é o que?
Párea da publicidade?
6. Convido você a fazer uma reflexão sobre isso, o assunto é sério e merece.
(trecho de "a raiz do problema", do eloy simões, no acontecendo aqui)
sábado, dezembro 08, 2007
familias do lado de lá mas também temos famílias do lado de cá(aguardem)
Toda vez que eu ouço falar nos problemas de gestão em empresas familiares, que eventualmente podem se transformar em cabide de emprego para muita gente, cuja única razão de estar em cargos de direção é o sobrenome, me lembro de uma história que ocorreu há muito tempo atrás.
Havia no Rio de Janeiro uma grande loja de departamentos cuja administração era tão familiar, tão familiar, que o nome do estabelecimento era exatamente o nome dos dois sócios que tocavam o negócio juntamente com uma penca de filhos, cunhados, primos, genros e noras.
Qualquer um que já conviveu com uma empresa assim conhece o esquema. O diretor de marketing é filho de um, a diretora de decoração é filha do outro, a compradora sênior de moda é mulher de outro filho e assim por diante.
Como dizia um amigo meu, é incrível o talento nato de parente de dono de empresa para marketing, arte, propaganda e moda. Sobrenome ilustre tem pavor de departamento de pessoal, logística, controle. Mas adora um cargo onde possa dar expansão à sua inata criatividade. Maldades à parte, era exatamente assim que funcionava a tal empresa. E foram dois jovens diretores-parentes que nos chamaram para prepararmos uma imensa campanha de propaganda buscando uma renovação da imagem das lojas, considerada meio ultrapassada.
Investimos tudo na empreitada, a começar por uma pesquisa em profundidade para podermos fazer um diagnóstico criterioso dos problemas de imagem da empresa. Gastou-se um mês de trabalho, e sugerimos até uma mudança na logomarca da companhia, visando a uma reformulada geral em sua aparência.
Ainda que uma agência de propaganda seja antes de tudo business, nesta hora o espírito profissional fala mais alto e o entusiasmo faz com que o bom senso monetário vá para o inferno. Contra a opinião irada do nosso pessoal de administração, torramos uma nota preta na campanha, imaginando a suprema glória de influir decisivamente no sucesso empresarial do cliente.
No dia marcado para apresentação da campanha tínhamos uma fantástica quantidade de peças para mostrar, incluindo um estudo de logotipia e programação visual, desenvolvido em parceria com um fornecedor amigo, contagiado com nosso imenso entusiasmo. Éramos uns dez na sala de reunião, nervosos como noivas, loucos para mostrar à diretoria como nós, os gênios da comunicação, iríamos garantir o sucesso duradouro e permanente para a empresa.
Os dois diretores (filho e genro de um dos fundadores) estavam tão ansiosos quanto nós. Daí entrou a platéia, o resto da família, capitaneados pelo presidente, o dono, o chefão e depois de algumas apresentações, troca de cartões e outras amabilidades, deu-se início à função. Naquele tempo não havia power point e a apresentação foi feita com transparências, uma longuíssima introdução, com dados de pesquisa, exemplos de casos semelhantes no mundo inteiro e um puta de um planejamento.
Depois mostramos a campanha, toda ilustrada pelo genial Milton Sobreiro, títulos inteiramente marcados com Letraset, ou seja, luxo, riqueza, beleza e criatividade. E o dono, em silêncio, fumava um enorme charuto com cara de poucos amigos. Falamos horas, tocamos jingles, contamos piadas. Ao fim de tudo, fez-se o silêncio tradicional, cheio de expectativas. Todo mundo esperou o patrão falar. E ele deu uma tragada, suspirou profundamente e perguntou: "Quem foi que pediu esta merda?" O filho gaguejou: "Nós, papai".
O diretor-presidente olhou para mim e concluiu com voz cansada: "Bem, os senhores mandem a fatura para este cidadão aqui. Desculpem o tempo que ele fez os senhores perderem, mas eu não tenho culpa de ter um débil mental deste como filho. Não pretendo gastar com propaganda, mudar a marca da minha empresa nem modernizar porra nenhuma. Enquanto eu estiver vivo – e apontou o charuto para o filho – esta besta aqui não vai mudar nada. Depois ele vai falir à vontade. Por enquanto não!".
Daí o outro diretor resolveu ajudar: "Doutor fulano, eu acho que..." e foi interrompido pelo patrão-sogro: "Olhe aqui, fulaninho, cale a sua boca e só abra quando conseguir sustentar minha filha, me der um neto ou fizer alguma coisa que preste, além de gastar meu dinheiro. Até lá, silêncio, está bem?".
Levantou-se, colocou a mão no meu ombro e continuou: "Tenho pena dos senhores. Levaram a sério estas duas pústulas irresponsáveis. O máximo que eu posso fazer é descontar das retiradas deles algum dinheiro que diminua o prejuízo. Minhas desculpas. Se algum dia eu enlouquecer e resolver mudar tudo aqui na casa eu os chamarei. Muito obrigado. E, mais uma vez, desculpem". E foi embora, numa nuvem de fumo. Depois de alguns anos ele morreu. E o filho faliu. Como ele previra.
(tarde negra, do lula vieira, no propmark)
Havia no Rio de Janeiro uma grande loja de departamentos cuja administração era tão familiar, tão familiar, que o nome do estabelecimento era exatamente o nome dos dois sócios que tocavam o negócio juntamente com uma penca de filhos, cunhados, primos, genros e noras.
Qualquer um que já conviveu com uma empresa assim conhece o esquema. O diretor de marketing é filho de um, a diretora de decoração é filha do outro, a compradora sênior de moda é mulher de outro filho e assim por diante.
Como dizia um amigo meu, é incrível o talento nato de parente de dono de empresa para marketing, arte, propaganda e moda. Sobrenome ilustre tem pavor de departamento de pessoal, logística, controle. Mas adora um cargo onde possa dar expansão à sua inata criatividade. Maldades à parte, era exatamente assim que funcionava a tal empresa. E foram dois jovens diretores-parentes que nos chamaram para prepararmos uma imensa campanha de propaganda buscando uma renovação da imagem das lojas, considerada meio ultrapassada.
Investimos tudo na empreitada, a começar por uma pesquisa em profundidade para podermos fazer um diagnóstico criterioso dos problemas de imagem da empresa. Gastou-se um mês de trabalho, e sugerimos até uma mudança na logomarca da companhia, visando a uma reformulada geral em sua aparência.
Ainda que uma agência de propaganda seja antes de tudo business, nesta hora o espírito profissional fala mais alto e o entusiasmo faz com que o bom senso monetário vá para o inferno. Contra a opinião irada do nosso pessoal de administração, torramos uma nota preta na campanha, imaginando a suprema glória de influir decisivamente no sucesso empresarial do cliente.
No dia marcado para apresentação da campanha tínhamos uma fantástica quantidade de peças para mostrar, incluindo um estudo de logotipia e programação visual, desenvolvido em parceria com um fornecedor amigo, contagiado com nosso imenso entusiasmo. Éramos uns dez na sala de reunião, nervosos como noivas, loucos para mostrar à diretoria como nós, os gênios da comunicação, iríamos garantir o sucesso duradouro e permanente para a empresa.
Os dois diretores (filho e genro de um dos fundadores) estavam tão ansiosos quanto nós. Daí entrou a platéia, o resto da família, capitaneados pelo presidente, o dono, o chefão e depois de algumas apresentações, troca de cartões e outras amabilidades, deu-se início à função. Naquele tempo não havia power point e a apresentação foi feita com transparências, uma longuíssima introdução, com dados de pesquisa, exemplos de casos semelhantes no mundo inteiro e um puta de um planejamento.
Depois mostramos a campanha, toda ilustrada pelo genial Milton Sobreiro, títulos inteiramente marcados com Letraset, ou seja, luxo, riqueza, beleza e criatividade. E o dono, em silêncio, fumava um enorme charuto com cara de poucos amigos. Falamos horas, tocamos jingles, contamos piadas. Ao fim de tudo, fez-se o silêncio tradicional, cheio de expectativas. Todo mundo esperou o patrão falar. E ele deu uma tragada, suspirou profundamente e perguntou: "Quem foi que pediu esta merda?" O filho gaguejou: "Nós, papai".
O diretor-presidente olhou para mim e concluiu com voz cansada: "Bem, os senhores mandem a fatura para este cidadão aqui. Desculpem o tempo que ele fez os senhores perderem, mas eu não tenho culpa de ter um débil mental deste como filho. Não pretendo gastar com propaganda, mudar a marca da minha empresa nem modernizar porra nenhuma. Enquanto eu estiver vivo – e apontou o charuto para o filho – esta besta aqui não vai mudar nada. Depois ele vai falir à vontade. Por enquanto não!".
Daí o outro diretor resolveu ajudar: "Doutor fulano, eu acho que..." e foi interrompido pelo patrão-sogro: "Olhe aqui, fulaninho, cale a sua boca e só abra quando conseguir sustentar minha filha, me der um neto ou fizer alguma coisa que preste, além de gastar meu dinheiro. Até lá, silêncio, está bem?".
Levantou-se, colocou a mão no meu ombro e continuou: "Tenho pena dos senhores. Levaram a sério estas duas pústulas irresponsáveis. O máximo que eu posso fazer é descontar das retiradas deles algum dinheiro que diminua o prejuízo. Minhas desculpas. Se algum dia eu enlouquecer e resolver mudar tudo aqui na casa eu os chamarei. Muito obrigado. E, mais uma vez, desculpem". E foi embora, numa nuvem de fumo. Depois de alguns anos ele morreu. E o filho faliu. Como ele previra.
(tarde negra, do lula vieira, no propmark)
sexta-feira, dezembro 07, 2007
vale-tudo ?
cincoenta milhões de reais para ter uma logomarca onde " a cara de um é o cu da outra", e na real com as mesmas cores também de outra.
ninguém pode dizer que foi por falta de verba, de "planejamento", "nome", "talento" ou pesquisa.
valeu? ou melhor dizendo, vale?
ninguém pode dizer que foi por falta de verba, de "planejamento", "nome", "talento" ou pesquisa.
valeu? ou melhor dizendo, vale?
quarta-feira, dezembro 05, 2007
"me envergonha ser publicitário"
Oi. Desculpe interferir na sua navegação. É que a gente queria dizer, assim, umas palavras, quer dizer, umas palavrinhas sobre o Ercílio Tranjan, para apresentá-lo ao senhor, à senhora. Mas se o senhor, a senhora preferir dar a setinha para baixo, no teclado, ou rolar a barra, para descer, tudo bem, a gente não leva a mal, a gente entende.
Bem. O Ercílio Tranjan é publicitário e um grande sujeito, apesar dessa cara, barba e jeito de terrorista árabe. Ele já conquistou 11 Leões em Cannes, na área de filmes. Leão? É o nome que se dá ao prêmio máximo do festival publicitário mais conhecido e cobiçado do mundo, na cidade de Cannes, na França. Porque o troféu tem a forma de um leão. Só para o senhor, a senhora ter uma idéia, muito publicitário preferiria um Leão mentiroso e fajuto em Cannes do que uma Leoa bela, inteligente e sincera aqui mesmo, no Brasil. A gente custa, mas entende. E esses Leões que o Ercílio ganhou foram todos Leões de verdade, com pedigree e tudo. Não eram peças de ficção, não. O senhor, a senhora, se tão velho (velho, não, experiente) quanto a gente, vai lembrar de alguns, porque todos eles passaram na tevê do Brasil, fizeram um sucesso danado. Digo isso, meu senhor, minha senhora, porque tem muito comercial que ganha lá em Cannes, e a gente nunca viu, nunca passou na tevê da gente. Era só para ver se laçava fácil um Leão. Era filme criado, meu senhor, minha senhora, sem um pedido de criação do cliente, sem que tivesse de falar sobre essas e essas características do produto, sem um desafio de mercado. Então o publicitário, dizem, fica à vontade para inventar, fingir e exibir toda a sua genialidade. Mas essa já é uma outra história.
O que a gente quer dizer é que o Ercílio foi considerado um dos 50 publicitários mais importantes da propaganda no Brasil, nas últimas décadas. Ah, e o Ercílio, bem aqui na frente da gente, pede para não continuar, está todo vermelho, ruborizado, por detrás da barba hoje grisalha, como se fora moça pubescente. Mas é verdade. Como é verdade também, meu senhor, minha senhora, que ele já foi diretor de criação de algumas das melhores agências de propaganda do país, Denison, MPM, Almap, Lintas. E isso ainda é pouco: o Ercílio, quando faz um anúncio, um comercial, ele respeita a inteligência da gente, a gente sai do anúncio, do comercial com um sorriso gostoso porque reconhece a inteligência, a ironia, o bom humor ali. O senhor, a senhora se preocupa muito com o que o seu filho, o filho da gente anda vendo na tevê, os perigos da má propaganda, não se preocupa? Fique tranqüilo: se é do Ercílio, é bom, é responsável, é ético. Ele não vai mentir para a gente, para o filho da gente, para tentar vender um produto ou ganhar um Leão meio banguela. Claro que ele vai tentar convencer a gente, claro que vai; afinal, é da profissão dele. Mas, quando conquistar, vai ser porque a gente se sentiu respeitado, porque aquilo, o anúncio, o comercial, continha algo de verdade e de dignidade por que a gente vai querer pagar, e sorrindo. Ah, Ercílio, que bobagem! Está aqui, mais uma vez, se escondendo atrás da barba, agora como um índio atrás da mata, na chegada de um português barbudo e sujo numa praia de 1500. Já está acabando, Ercílio, já está acabando.
É engraçado notar, também, meu senhor, minha senhora, como o Ercílio se interessa e quer aprender com a gente. E quando a gente pergunta, ele ouve com uma atenção, como se a gente é que fosse dizer algo inteligente, e não ele: “É mesmo? Você acha isso?”; “Acho que você tem razão”. E sempre que imagina que a gente está com cara de quem não está entendendo nada (é que a gente é meio lerdo, mesmo, desculpe), ele explica tudo de novo, por um outro lado, numa resposta que se lê como um palín... o quê? Pa-lín-dro-mo: que se lê de trás para a frente da mesma forma que se lê de frente para trás. Como este aqui, aliás, escrito pelo Ercílio, um mestre nessa arte de lavrar a palavra-alma: “Servil, só acata. E ataca os livres”. Na palavra, sabedoria de mão dupla. Bem. O senhor, a senhora desculpe, por favor, essa abertura assim já meio longa. É que o Ercílio já fez tanta coisa, nesses mais de 60 anos de vida, que fica difícil falar pouco. Obrigado pela paciência e pela oportunidade.
P.S.: Ah, só mais uma palavrinha, ia me esquecendo: o Ercílio é, desde 2006, um dos sócios da agência de propaganda Ímã, em São Paulo, ao lado do Hélio Oliveira e do Gabriel Marques. Se quiser, meu senhor, minha senhora, liga para ele: (11) 3034 1977.
Agora, Ercílio, você vai ter que falar.
Veja “A propaganda do futuro começa no passado”, por Ercílio Tranjan:
Agora, acompanha a entrevista. Pode sentar, meu senhor, minha senhora, a casa é sua:
Jornalirismo – Gostaria de começar falando sobre a ousadia e a inteligência na propaganda. Parece que é unânime entre os publicitários, pelo menos entre os mais experientes, que houve uma perda de irreverência, de inteligência, uma propaganda que não parece comprometida com uma comunicação límpida, clara e que respeite o consumidor. Gostaria de saber o que você pensa a esse respeito.
Ercílio Tranjan – O que, para mim, é muito assustador é que está havendo um tipo de comunicação que considero extremamente infantil. Ou seja, estão imbecilizando o consumidor de uma forma que eu nunca vi. E é interessante que isso se deu nesta direção contrária: quando se começou a fazer propaganda apenas visando festival internacional, o que se começou a ver na propaganda no ar foi a idiotice mais absoluta. Uma infantilização total da comunicação. Como se, de repente, todo o público estivesse fazendo 12 anos, 14 anos. O tipo de humor, é tudo um humor, sem nenhuma conotação negativa nisso, mas é um humor dos Trapalhões, de tapa na cara um do outro, de situações mais de escorregar em casca de banana. Não tem nenhuma graça sutil. Não se deixa nada para a compreensão do espectador, para que o espectador possa preencher os brancos e contribuir. Isso, por um lado. Por outro lado, eu também não vejo mais uma coisa que a propaganda brasileira tinha muito, e nisso era muito semelhante ou tentava, com caminhos brasileiros, falando uma língua brasileira, mas ela tinha como conteúdo algo da propaganda inglesa, que era saber rir de si mesmo. Ou seja, o produto nunca era colocado como a grande solução, “o melhor do mundo”. Tinha uma visão de falar eu estou aí. Acho que a campanha de Bombril, a primeira, do Washington [Washington Olivetto; a primeira campanha do Garoto Bombril, criada por Olivetto, em parceria com o diretor de arte Francesc Petit, o P da DPZ, em 1978], acho que as duas, três primeiras campanhas também, tinham muito disso, quer dizer, aquele jeito de pedir licença para entrar na casa. Isso, a propaganda inglesa trouxe. O inglês não aceita muito o vendedor, o vendedor é meio invasivo. Então, eu precisava dar a você alguma coisa, precisava entrar na sua casa e pedir licença. E vem daí essa história de eu não me levar tão a sério. “Olha, eu estou aqui, querendo conversar com você...” Era um tipo de comunicação que o Brasil tinha e exercia muito, que era o de brincar consigo mesmo.
Jornalirismo – Por que acabou se abandonando esse tipo de procedimento?
Ercílio Tranjan – Eu tento entender de várias maneiras. Acho que nada disso é gratuito. Outro dia falei que a propaganda não é vanguarda de nada. É a primeira coisa que a gente tem de entender. Ela utiliza um discurso consagrado. A vanguarda é aquela que rompe. Se eu rompo, eu me comunico menos, eu vou ser entendido por menos pessoas. E não é a nossa função. Por trás, nós temos uma intenção, de fato nós trabalhamos para o sistema, para vender alguma coisa, e não para inventar linguagens. Tendo a achar que nós estamos seguindo, de novo, uma linha, vejo esses blockbusters [as grandes produções à Hollywood] de cinema, e fico alarmado. São filmes, em geral, muito burros. E muito primários, muito de ação. Trocou-se, no roteiro, o diálogo e a inteligência pela ação. O número de porradas que se dá, o número de perseguições que ocorre. Assim têm sido os grandes blockbusters. Não que o grande blockbuster do passado fosse o filme do Antonioni [o cineasta italiano Michelangelo Antonioni, que dirigiu filmes como A Aventura, A Noite e O Eclipse, de cunho existencialista, de tomadas mais longas e mais lentas], mas eram filmes com um pouco mais de inteligência e criatividade de roteiro. Em que não havia só ação. Nós tínhamos tempo para ouvir um bom diálogo, ou seja, o tempo do filme era uma coisa menos frenética, menos violenta do que é hoje. Isso ocorre na linguagem que é do cinema – e percebo isso também na publicidade, porque a publicidade, como caudatária, trilhou esse caminho. Só não sei se os consumidores estão felizes com o que eles recebem no ar. Eu fico perplexo. Eu acho assim: nós tínhamos, nos intervalos, um pouco mais de respeito pelo consumidor e pela inteligência dele. Hoje, a gente vê muita gritaria, que é coisa burra, ou então um humor totalmente infantil.
Jornalirismo – Muita propaganda de varejo?
Ercílio Tranjan – O varejo dominou muito como verba. Os maiores orçamentos de propaganda, claramente se vê isso, hoje estão no varejo. E você vê também que muitos anunciantes pequenos e médios foram perdendo poder aquisitivo para estar na televisão. Eles foram desviados disso. Mas não sei dizer exatamente qual foi a causa que levou a isso. Eu falo: “Meu Deus do céu...”. E não é uma visão passadista, não. É o contrário: o que se está fazendo hoje é que acho absolutamente passado. Estamos indo para trás do tempo em que a DDB fez a revolução na propaganda, terminou com o ponto de exclamação e tudo o mais [a revolução criativa iniciada por Bill Bernbach e sua equipe na DDB, Doyle, Dale, Bernbach, de Nova York, no fim dos anos cinqüenta e início dos anos sessenta, rompendo com a propaganda eminentemente informativa]. A propaganda recuou, foi lá para trás.
Jornalirismo – Quando a propaganda abandona um pouco esse discurso mais gentil, um discurso até mais honesto, e quando também abdica um pouco da sua clareza, da sua capacidade de esclarecimento, a propaganda não acaba causando mais mal do que bem para a sociedade? Ela tem uma capacidade grande de persuasão – e de esclarecimento também.
Ercílio Tranjan – Acho que sim. Uma vez, faz bastante tempo, fiz uma palestra na Escola Superior de Propaganda e Marketing. E o tema era: “O que há de novo na propaganda?”. Faz alguns anos, mas nem tanto. E eu mostrava os anúncios da Volkswagen dos anos sessenta, da DDB. Onde todos, da minha geração, nos formamos e aprendemos. E me surpreendi com o seguinte: primeiro, no que chamo de uma palestra de alto risco, porque, já naquela época, todo mundo mostrava rolo de comercial. O comercial, como ele tem ação, permite que você extraia a risada, emocione com mais facilidade do que com um anúncio fixo, parado, de revista. Não obstante, percebi que as pessoas desconheciam aqueles anúncios dos anos sessenta e, como estavam tendo contato com aquilo pela primeira vez, riam e se emocionavam. Falei: “Meu Deus do céu!”. Quer dizer, é possível ter uma linguagem em que você respeite a inteligência do consumidor. Acho que a DDB descobriu o que o Brecht [Bertold Brecht, dramaturgo alemão (1898-1956), autor de obras como Ópera dos Três Vinténs e Baal] sabia. Não existe essa coisa dividida, ou fala para o emocional, ou fala para a inteligência. O Brecht tinha uma coisa muito bonita, que ele dizia assim: “Não há emoção maior do que a de uma criança, quando realmente entende que 2 + 2 são 4”. É uma tremenda emoção isso, e é uma dificuldade absolutamente racional. Acho que a DDB usava muito isso. Você olhava os anúncios e vinha um sorriso. Na hora em que você vê um ovo desenhado e, atrás do ovo, descobre que tem um Volkswagen, e falam assim, “Algumas formas são impossíveis de aprimorar”, você fala: “Meu Deus do céu, ele está me respeitando, ele está falando com uma pessoa inteligente”. E, no fato de eu passar a me achar inteligente, eu estou comprando aquilo, aquela idéia. Eu estou aberto para discutir. Discussões que vêm até hoje: “Ah, ninguém lê texto!”. Não lê? Depende. Se eu estou interessado em comprar carro naquele momento, eu vou ler. É uma discussão recorrente, já ficou todo mundo rouco [risos].
Jornalirismo – Isso, de que ninguém lê texto: o maior acontecimento cultural, filosófico e até econômico do mundo é a Bíblia, e quase não tem figura lá. Com exceção da Bíblia ilustrada, que alguém, de vez em quando, compra. [risos]
Ercílio Tranjan – Pois é. Porque, se estiver interessado naquilo, se o assunto me interessar, se a chamada me interessar, claro que leio. Não lê se não tiver nenhum interesse. Aí, é outra história.
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Jornalirismo – Queria seguir pela questão da responsabilidade da propaganda. Tem aquele famoso anúncio da Denison, que você costuma citar: “Na hora de fazer um anúncio, pense que o seu filho pode acreditar nele”. Você acha que os publicitários de hoje estão pensando nos filhos deles quando criam alguma coisa?
Ercílio Tranjan – A minha sensação é a de que não. Acho que houve uma mudança de postura ética muito evidente para mim. Que também não é só a publicidade que sofreu. A publicidade tende a espelhar isso com mais clareza. Hoje, vejo campanhas que não têm nada a ver comigo. Essas pessoas [que pertencem a entidades de propaganda, veículos, anunciantes, agências etc.] não me representam. Eu não gostaria de ver assinado, de estar escrito que é publicitário. Ou seja, eu me envergonho de ser publicitário. Vou falar claramente. Tem uma campanha no ar, acho que até já saiu, mas que dizia assim: “Como tem gente chata, que fica se metendo em tudo”. São comerciais dizendo assim: “Ah, eles querem que a gente diga tudo na embalagem”. No fundo, o que dizia era isso. É coisa da ABP [Associação Brasileira de Propaganda. A campanha se intitula “Toda censura é burra” e foi criada pela Giovanni+DraftFCB pelos 70 anos da ABP. Contempla televisão, rádio, mídia impressa (jornais e revistas) e mídia exterior, além de hotsite, que você conhece aqui, http://www.censuraburra.com.br/. Os três filmes (“Banana”, “Bola” e “Lápis”, veja abaixo) televisionados se encerram com um locutor, em off, que diz assim: “Tem gente que vê problema em tudo, né? E acaba prejudicando o seu direito à boa comunicação. ABP. 70 anos defendendo a liberdade da nossa propaganda”]. Como se fosse chato alguém querer que o produto informe, seja verdadeiro, como se isso fosse impeditivo para a criatividade. Essa é a grande mentira.
Assista ao comercial Lápis, da campanha “Toda censura é burra”, da ABP:
Tem um outro anúncio, a que nem muito me refiro, que a gente fez. Na década de setenta, estava muito em moda o Ralph Nader [advogado norte-americano que se transformou em símbolo da luta pelos direitos do consumidor dos Estados Unidos; ganhou projeção, pela primeira vez, em 1965, com o lançamento do livro Unsafe at Any Speed, com acusações formais contra a indústria automobilística por supostamente construir carros inseguros de se guiar. Saiba mais sobre Ralph Nader no site dele: http://www.nader.org], estavam começando as grandes lutas do consumidor norte-americano. E esse outro anúncio que a gente fez foi com ele, dizendo assim: “A propaganda tem insistido em dar razão para ele”. A idéia era a seguinte: a gente deveria querer ver esse cara longe, mas, para vê-lo longe, a gente deveria tratar bem e respeitar o consumidor. Esse era o escopo. Hoje, é o contrário, como se isso fosse chato. Ou seja, o publicitário virou defensor de vender bebida alcoólica às 7 horas da noite. Parou de perceber que aquilo é um dano que ele também está ajudando a fazer. Espera lá, não é? Se há uma pessoa que respeita minha profissão sou eu, eu vivo disso, sempre vivi disso. Só acho que há maneiras éticas e responsáveis de fazer. Estou achando que as pessoas perderam isso. Se você falar esse discurso hoje, ou está velho, ou é visto como o discurso de quem está contra. O duro, para mim, é alguém achar que responsabilidade, ter uma visão responsável é contrário à idéia de criatividade. Isso é completamente absurdo. Eu sou irreverente para burro, adoro uma boa piada, adoro brincar com tudo, desde que eu não invada o direito dos outros, que não abra feridas e chagas na sociedade. Há um limite.
Jornalirismo – A propaganda, quando também abriu mão de um discurso mais ético, essa coisa de vender a qualquer preço, ela também acabou perdendo muito da sua credibilidade. Hoje, a propaganda não tem credibilidade alguma. Não estão dando tiro no pé de todo o mundo, anunciantes, publicitários?
Ercílio Tranjan – Acho, sim. Essa busca desenfreada por disfarçar a publicidade, e, aí, tem gente escrevendo livro para dizer que a publicidade já ficou para trás, há coisas para substituí-la, se fala em assessoria de imprensa, em criar eventos... Isso me preocupa muito. Acho que a grande característica da publicidade é conter sua própria vacina. Nesse sentido, eu defendo a publicidade em que o sujeito coloque um anúncio dele, nos moldes mais tradicionais. Eu faço o anúncio e assino embaixo: “Isso que você viu é publicidade”. Faço meu comercial de 30 segundos e ponho: “Volkswagen do Brasil”. Entendeu? Eu quis vender um produto para você. Disfarçar isso, ou essa mensagem entrar diluída, não; e nem falei de aspectos não muito éticos de jornalismo etc. A publicidade disfarçada de outras coisas, eu tenho cá minhas reservas com isso.
Jornalirismo – Você é um profissional que se tornou perito em fazer comerciais.
Ercílio Tranjan – É, minha carreira acabou voltada para a televisão.
Jornalirismo – E quais foram as pessoas que ensinaram isso a você? O Brasil não tinha uma cultura de filmes...
Ercílio Tranjan – O Sérgio Graciotti [um dos maiores criadores da propaganda brasileira, foi sócio e vice-presidente de criação da MPM-Casabranca] e o Armando Mihanovich [diretor de arte de origem argentina, que se juntou à MPM após a fusão dela com a Casabranca] foram as pessoas com quem mais aprendi. Tem uma época da propaganda brasileira em que a DPZ não era a referência em fazer comercial – com o Washington [Washington Olivetto], eles melhoraram. As referências eram duas: a Almap, onde tinha o Júlio Xavier e uma geração dos primeiros a fazer; e o Serjão e o Armando, que se juntaram à Lince e deram origem à Casabranca, que depois veio se juntar à MPM Propaganda. E eu acabei indo para lá.
Jornalirismo – Você vinha de onde?
Ercílio Tranjan – Fiquei 11 anos na Denison [de 1967 a 1978], depois tive uma curta passagem pela Lintas e fui para a MPM [ficou lá de 1978 a 1982].
Jornalirismo – Como foi esse aprendizado para os comerciais?
Ercílio Tranjan – Na verdade, para mim, foi anterior. Quando falo do Serjão, é porque era uma escola, porque eu via o que eles estavam fazendo. Mas, na Denison, a gente fez comerciais muito bons. O Ugo Giorgetti, que hoje é o diretor de filmes como Sábado, Boleiros, tinha essa coisa de pegar o popular; tem até hoje, hoje ele faz isso em longa-metragem. Mesmo no comercial, essa coisa de pegar o pequeno aspecto, um slice, um pedaço de vida, e saber pegar o humor disso. Colocar o povo na história, o cotidiano, transformar isso em graça. Isso, a gente fez muito. Tem filmes que considero muito legais, apesar da produção, que o comercial envelhece muito. O do Dodginho [o automóvel Dodge Polara], por exemplo, que tem um pai levando, e tem a filha atrás, com o namorado, o pai ia na frente, ele mesmo elogiando o carro, e vira para trás: “E tem um excelente espaço, não tem?” E os dois estão lá, se amassando e tal. E repete: “Não tem?!”. Ou seja, tem uma certa delicadeza e uma brincadeira com isso. O Ugo também foi parte importante. Ele é também um excelente roteirista. Tanto que, nos filmes dele, ele faz o roteiro, tem o dom de fazer o diálogo. Então peguei muito com ele, estava mais do lado. O Julinho Xavier, que fazia comerciais primorosos na Almap. Fez Danone etc. E depois, então, com o Armando e o Sérgio. E aí tive a oportunidade de trabalhar com eles e fazer comerciais para a Fiat. Foi quando ganhei meu primeiro Leão [Leão de Ouro no Festival de Cannes, pelo filme Fiat Itália, da campanha da MPM “Fiat, o que vai pelo mundo”, protagonizada pelo jornalista Reali Jr.]. Aquilo, por exemplo, era sério e brincadeira ao mesmo tempo. E tem uma história muito divertida, com o jurado francês. O Fiat França tinha ganhado prêmio também. E o comercial brincava com o mau humor francês. A gente sempre brincava com características de cada povo, o italiano ficava com aquele diálogo e tal: “Ah, é do Brasil?”. O avô fica mostrando uma foto, pega bem a cultura italiana. E, no da França, o Reali se jogava na frente do carro, e o francês freava e tal e perguntava: “O que você está fazendo?!”. Aí o Reali dizia que só tinha parado para saber o que ele achava do Fiat brasileiro. Então o francês diz que é muito bom, e vai crescendo no elogio, que a própria língua francesa permite, num tom cada vez mais raivoso: “É maravilhoso, é lindo e tem excelente freio, malheureusement, infelizmente” [risos]. Ele queria atropelar, porque o cara tinha se jogado. E o jurado francês ficou possesso: “Nós não somos assim!”. Quer dizer, ele deu o atestado. E o vencedor foi o Fiat Itália.
Jornalirismo – Você ganhou 11 Leões em Cannes, na categoria filmes. Acabou se especializando nessa área. Então, como é que se faz um bom comercial? Numa frase, assim: um bom comercial é assim, assim e assim. [risos]
Ercílio Tranjan – Eu estou tentando escrever um livro sobre isso e ainda não consegui [risos]. Acho que precisa pegar o cotidiano, o universal neste sentido, do que está na fantasia de todos nós, saber ver a verdade mais óbvia, que é um pouquinho do que faz o humor. Aí você inverte a câmera, coloca um pouquinho de cabeça para baixo. Saber ver sempre por um outro ângulo. Ou seja, você surpreende. Mas, ao mesmo tempo, eu acho, tem que ter elementos do cotidiano, de populares que estão no seu universo, do seu lado, e que escapam de você. Cara, é muito difícil explicar com uma fórmula racional. Mas é assim, vou contar a você com um comercial que quase foi feito, nunca foi ao ar. Por coincidência, eu tenho uma história muito longa com automóveis, trabalhei dez anos para a Fiat, oito para a Volkswagen, fora Asia Motors, Chrysler. E tenho um comercial de que gosto muito, esse nunca foi feito, que era com o Piquet [Nelson Piquet, tricampeão mundial de Fórmula 1]. Para o lançamento do Gol 1.8. Você lembra de que o Piquet tinha fama de ser azedo? Ele não dava muita bola, ele era ele, um mau humor... Ao contrário do Senna [Ayrton Senna, tricampeão mundial de Fórmula 1], ele era o anti-herói do Brasil. Mas todo o mundo reconhecia nele um cara que entendia de automóvel e um campeão. Na verdade, o filme era simples, era um teste, era o Nelson Piquet testando o Gol 1.8. E só com lettering [letreiros]: “Estamos lançando o Gol 1.8. Chamamos o Nelson Piquet para testá-lo”. E vai dando, só com letreiro, as qualidades do carro, de 0 a 100 km/h em tanto, e mostrando o Piquet testando. Aí o Piquet sai do carro, vem vindo para a câmera, e um locutor, em off, pergunta para ele: “Então, Piquet, dirigir o Gol 1.8 (a gente falava que era uma grande emoção) não foi a maior emoção da sua vida?” “Não.”. Era só isso [risos], não, não foi a maior emoção da vida dele [risos]. E a Volkswagen era um bom cliente, tinha humor para isso. Engraçados, esses alemães. A Volkswagen permitiu a toda uma geração fazer anúncio bom, até hoje eles têm uma abertura.
Jornalirismo – E esse comercial acabou não sendo feito por quê?
Ercílio Tranjan – Acabaram optando por um outro. Disseram: “Não, o Piquet está fora, difícil achar”. Lembra do que eu estava falando antes? De não se levar tão a sério? Eu não posso ficar falando o tempo todo que o meu produto é genial: “Oh você, pobre mortal [Ercílio empola a voz, como se declamasse]”. É isso que eu estou sentindo hoje na propaganda. Sempre os produtos são maravilhosos. A propaganda lidava com a limitação. O Gol 1.8 é bacana, mas não é a maior emoção da vida do Piquet. Claro que não. Não é carro para correr. O comercial que saiu, aliás, era isso, outra vez falando: “Calma lá”. Era um carro de Fórmula 1 e o Gol 1.8. O Vinicius Galhardi dirigiu o comercial e foi também o garoto-propaganda. Ao lado do Gol 1.8, ele falava assim: “Este aqui é um carro de Fórmula 1. Este aqui é o Gol 1.8”. Isso, no autódromo de Interlagos. Aí ele começava a falar do Gol 1.8: “Tem um motor blá, blá, blá, blá, blá”. E falava o blá, blá, blá todo do carro. Aí olhava para a câmera e falava assim: “Para correr, esse aqui é imbatível”. E começava a falar do Fórmula 1: “Ah, para correr, é esse aqui” [risos]. Na verdade, eu estava brincando com o Gol. Falei assim: “Deram um tapa no motor, 1.8, mas não é para correr”. Ou seja, de novo, é saber brincar com o produto, com a sua qualidade...
Jornalirismo – E até com a sua fraqueza.
Ercílio Tranjan – Exatamente. Tem um outro filme, esse foi filmado, foi pouco para o ar, até gostaria de refilmá-lo. Filmamos com muito poucos recursos. Era o Passat, mudança de motor também, motor mais forte. Era assim: um Passat atrás de um caminhão. Falava: “Este é o novo Passat, com motor 2 não sei o quê...”. Ele está atrás de um caminhão, está numa pista única, está numa subida. Aí falava assim: “O Passat é um dos poucos carros brasileiros capazes de fazer esta ultrapassagem. E ele pode provar isso”. Então o Passat sai para cá, totalmente temerário, numa curva, vai para a esquerda, tem um caminhão lá em cima, no sentido contrário: “Ele pode fazer essa ultrapassagem, ele pode provar isso”. Aí o Passat vem para trás, o caminhão passa: “Quem tem um Passat não precisa provar nada para ninguém”. Olha como você consegue fazer graça e, ao mesmo tempo, falar: “Ninguém está aí para se matar”. Não vou vender para isso. É motor? Então me permite fazer uma ultrapassagem com mais segurança. Não em condições em que você não deva fazer uma ultrapassagem. Esse filme ganhou um prêmio no Fiap [Festival Iberoamericano de la Publicidad]. Mas desculpe-me estar falando para você de comerciais, é uma maneira de eu tentar responder para mim mesmo, que é o que eu ia fazer no livro que estou escrevendo e que uma hora sai. Ele cumpre um papel semididático e, ao mesmo tempo, fala da história de uma porção de pessoas.
Jornalirismo – Já tem um nome?
Ercílio Tranjan – O primeiro nome é Marcas e Cicatrizes. Ainda não sei se é definitivo. E tem uma idéia que ainda não foi realizada – na minha conta, teria coisa de uns 50, 60 comerciais. E, ao invés de usar fotograma e tal, até pela complicação, vou fazer de trás para a frente. Vou construí-los, pegar os comerciais feitos, que tenho, e que gente que trabalhou comigo transformou em storyboard [o roteiro desenhado cena a cena]. Como ele era na origem, antes de ser filmado. Resgatar o desenho, como era a cena. Porque as perguntas recorrentes são estas que você fez: o que é um bom comercial? O que é a boa propaganda? Perguntas recorrentes e quase irrespondíveis. E outra, de todo estudante: como é que você teve essa idéia?
Jornalirismo – Você pode respondê-la agora também [risos]. A idéia nasce do nada? Pesquisa-se muito?
Ercílio Tranjan – Nasce do briefing [do pedido de criação do cliente, das informações do produto a ser lançado, de certo desafio de mercado, de certo posicionamento novo de uma marca...], cara.
Jornalirismo – Quer dizer, nasce de um problema de comunicação.
Ercílio Tranjan – Nasce de um problema.
Jornalirismo – Essa coisa festivalesca não vem com problema nenhum: “Cria para Cannes aí”.
Ercílio Tranjan – Essa é uma das razões para o Brasil estar fazendo má propaganda. O fantasma fez um mal incrível, não só por ele ser mentiroso, quando você faz para Cannes, mas também por se achar que é boa propaganda, quando nem sempre é. Quer um critério básico? Anúncio: você tem que ver o trocadilho visual.
Jornalirismo – Para ser universal.
Ercílio Tranjan – Claro. Então a palavra dançou. E é uma mentira. Sei que tem jurado, em Cannes, que vota numa peça quando a entende. É bem assim: “Entendi aquele trocadilho”. Que o produto estava assim, queria dizer isso. Aí pega e acha que é bom. Está sendo prestigiada a má propaganda claramente. É um absurdo. Na hora em que o critério é esse, ninguém está mais minimamente preocupado em ler o briefing: “Ah, deixa eu traduzir isso aqui”. E pega a bula, pega o briefing e faz. Então, a televisão está infestada de coisa ruim, que é o briefing falado. Ou seja, ninguém pensa sobre aquilo. Porque aquilo é difícil de fazer. Ter que falar de determinada qualidade é difícil. Propaganda é aquilo que convence, persuade de alguma coisa. A gente tem que persuadir. Não é só fazer uma brincadeira. Uma brincadeira, se eu quiser fazer, vou fazer no Festival do Minuto, vou entrar em concurso de curta-metragem. Boa propaganda não é isso. Boa propaganda é aquela coisa de que a gente fala assim: “Pô, interessante isso, bacana. É melhor que a outra, essa marca me comoveu”. Que me leva a gostar, a preferir aquela marca, a ir à loja e pedi-la. Que a gente fale assim: “Tais qualidades eu quero”. O pessoal está reservando o talento para o Festival do Minuto, que, aí, eles mandam para concurso. E, aqui, fala: “Não, o cliente quer que diga isso”. Como se fosse ruim o cliente querer que dê as qualidades do produto. Ou seja, dissociou-se falar das qualidades do produto do que é boa propaganda. O que é festival é o que não tem nada a ver com as qualidades do produto. O fantasma faz mal à propaganda, ele acaba interferindo na propaganda real, na medida em que o meu critério for o de que só é bom aquilo que não me vende nada, que não me persuade de nada. Você entende que, assim, estou fazendo um desserviço à propaganda? Fica impossível, na hora em que eu tenho de dizer: “Por favor, diga que meu produto é transparente, é capaz de fazer isso, isso e aquilo”. Essa propaganda se torna malvista. Então, o que as pessoas fazem? Reservam seu talento para criar sem briefing, sem nenhum atributo de produto e, na hora de falar em atributo, faz uma coisa ruim, faz bula de remédio, em vez de pegar o atributo e transformar em boa propaganda. Só para arredondar um pouco, para isso ficar bem claro: os festivais se dizem de propaganda, mas, na verdade, não são mais. Tudo aquilo que menos atributo de produto tiver será melhor para ganhar festival. O que não é verdade. A minha verdade é a seguinte: eu tenho que fazer propaganda de um livro e dizer o que ele tem, convencer uma pessoa de que ele é um bom livro e que ele deve ir amanhã à loja comprá-lo. Tenho que falar alguma coisa desse livro. Então, não é totalmente livre, propaganda não é canção de ninar. Se bem que a canção de ninar tenha lá uma intenção, que é a de fazer uma criança dormir. Não é arte pela arte. Estão criando um disparate, o critério para concurso é uma coisa, o critério de propaganda é outro. Estamos cada vez mais perto do Festival do Minuto.
Jornalirismo – Do que os publicitários, no geral, têm se queixado é que as coisas boas, realmente criativas, às vezes nem saem da própria agência. E, quando conseguem sair da própria agência, vencer o seu chefe de criação, vencer o planejamento (que, hoje, praticamente se tornou um adversário, quase sem compromisso com a idéia, pelo menos em algumas agências), aí vão bater no cliente, no primeiro nível de aprovação, mas que vai ter que passar por um outro gerente, pelo gerente desse gerente, pelo gerente do gerente do gerente, o diretor desse gerente, até chegar a não sei quem, para que consiga passar, o que seria praticamente impossível. Então ficou essa coisa festivalesca, vamos ser felizes três meses por ano...
Ercílio Tranjan – Em festival.
Jornalirismo – Não sei se é isso, estou colocando como tema.
Ercílio Tranjan – Pode até ser. Eu não sei se os níveis de aprovação mudaram tanto. Sempre foi uma queixa generalizada. Acho o seguinte: se a gente dedicasse mais empenho ao nosso cotidiano, nós iríamos fazer do intervalo na televisão brasileira uma coisa mais agradável. O que está mais me chamando a atenção é que o Brasil está fazendo um monte de coisa para ganhar [prêmios] e cada vez ganha menos. Faz-se muito alarde, mas, na verdade, estamos ganhando muito menos prêmios do que ganhávamos. E ganhávamos com peças do dia-a-dia, anúncio que existia, filme que existia, que ia para o ar, que era feito por um briefing. Que respondia a uma necessidade de mercado, do consumidor.
Jornalirismo – E é curioso, porque houve um processo de profissionalização da propaganda. Antes, a sua geração, a geração imediatamente anterior e até a geração do Washington Olivetto não era de gente formada em propaganda e vocês eram grandes pensadores, pessoas comprometidas com a sociedade, que pensavam a propaganda, você é formado em ciências sociais. O que aconteceu? Hoje temos faculdades formando toneladas de gente. Quer dizer, se profissionalizou, mas piorou?
Ercílio Tranjan – Eu acho que nem é culpa das escolas. Quando era presidente do Clube [CCSP, Clube de Criação de São Paulo, de 1979 a 1981], criei alguns inimigos à toa, porque eu dizia que nossa profissão era técnica. Quando houve a briga pela exigência do diploma, eu falava: “Gente, não é possível. Eu conheço grandes redatores que são engenheiros, médicos...”. Ou seja, não acredito em que um sujeito, para ser bom profissional de criação, tenha necessariamente que ter o curso de comunicação. O curso de comunicação é bacana para formar um teórico em comunicação. Agora, a nossa função é técnica. Quanto mais formação a pessoa tiver, se tiver psicologia, filosofia, melhor. Melhor o entendimento do ser humano, da psicologia de massas etc. É uma coisa que ele pode se dar, vai fazer dele um profissional melhor. Mas eu era contra a obrigação. Aconteceu um negócio que acho que aconteceu com o jornalismo também: multiplicaram-se as escolas e se criou um mito de que nós, profissionais de propaganda, ganhávamos rios de dinheiro, quando era sempre uma elite.
Jornalirismo – Sempre foi uma elite que ganhou dinheiro com propaganda?
Ercílio Tranjan – Sempre foi. Ganhou-se bem durante muito tempo. O pessoal de criação era bem remunerado. O que é muito distante de ser rico ou qualquer coisa do gênero. Da minha geração, raríssimas foram as pessoas que ficaram ricas. É diferente ganhar bem de ser rico. E isso durou alguns anos. Começou-se a despejar muita gente, com a crença de que era essa a profissão do nosso tempo, as escolas se multiplicaram e não tem mercado. Tem muita gente que foi iludida por essa coisa de virar Washington Olivetto. Era um ícone e tal. Não era assim: “Quero ser redator”. Era: “Quero ser o Washington”. Era o brilho da profissão. A gente sabe que é um para 200.
Jornalirismo – A propaganda dava abertura, lembro da primeira geração da virada criativa, do Alex Periscinoto, da segunda geração e da terceira geração, que acho que é a sua, e muitas dessas pessoas vinham de baixo. Teve gente que entrou na propaganda como office-boy. E você, também batalhando...
Ercílio Tranjan – Eu precisava ganhar a vida, estudava à noite. Durante o dia, trabalhava no grêmio, era pago pelo grêmio da Maria Antônia [onde ficavam os cursos de ciências sociais da USP, Universidade de São Paulo, e onde Ercílio estudava]. Fazia as carteirinhas e tal. E, dali, o Chico Socorro [colega de classe que se encantou com um trabalho do Ercílio sobre o “Fenômeno Jânio Quadros”, trabalho aplaudido em sala pelo professor Francisco Weffort] me levou para a JMM. Quando fui ser tráfego [uma espécie de secretário da criação, uma função mais administrativa]. Tráfego, porque era a vaga que tinha. E, dali, tomei gosto pela coisa. Mas era isso mesmo: se começava como revisor; os diretores de arte começavam todos na prancheta, no estúdio, assistente; pessoal de atendimento vinha de ser assistente de contato [profissional que fazia o contato com o cliente]; as primeiras pessoas de planejamento vinham, quase todas, da área de sociologia ou psicologia.
Jornalirismo – Vi você dizer sobre a importância do pessoal de planejamento na comunicação. Mas de um planejamento que não venha dizer o que não se pode fazer, mas, sim, que ajude a construir alguma coisa.
Ercílio Tranjan – Que ajude a derrubar a barreira, não a colocar as barreiras. O grande planejador é o que descobre o caminho. Descobre a forma de remover o obstáculo. Quem, para mim, é uma expressão disso, apesar de ter trabalhado pouco com ele, é o Julio Ribeiro [que deixou a MPM-Casabranca para fundar a agência Talent]. Mas tem muita mais gente, como o Jaime Troiano. Era gente que trabalhou comigo, no planejamento, e ajudava, ao invés de ficar criando policies [estabelecendo regras] e obstáculos e barreiras, a falar assim: “Vamos tentar ver de uma forma que ainda não foi vista, para ultrapassar os obstáculos”. O planejamento não é para dizer o que não pode ser feito, é para descobrir uma nova maneira de fazer, um novo caminho. Pelo menos vislumbrar a saída para a criação chegar e dar a forma, pavimentar a estrada. Eu sempre trabalhei muito ligado ao planejamento. Acho isso fundamental. E acho que os melhores profissionais de criação são os que, ao criar, estão planejando.
Jornalirismo – Como é esse trabalho?
Ercílio Tranjan – É pensar um pouco mais do que simplesmente fazer um bom anúncio. É pensar se aquele anúncio está dando um caminho para a marca. Fazer um bom título é mais fácil do que ter uma bela idéia conceitual, que vai por uma estrada e fala: “Esta marca vai se caracterizar por isso”. Para citar coisas de outros, acho que do Newton Pacheco, aquilo do Tostines: “É mais fresquinho porque vende mais, ou vende mais porque é mais fresquinho?”. É brilhante, é um caminho de planejamento. “Não é nenhuma Brastemp” é frase saída em pesquisa. Claro que isso é criatividade, pegar: “Opa, espera aí!”.
Jornalirismo – Essa frase da Brastemp então foi dita por um consumidor?
Ercílio Tranjan – Pescada, tchum: “Não é nenhuma Brastemp”. “Não é assim nenhuma Brastemp”, a frase original. Precisa ter quem enxerga. E são raras essas pessoas. A mina está aí.
Jornalirismo – Como é que se faz para essa idéia não se perder? Porque, hoje, planejamento e criação não se falam muito, é uma coisa meio separada. Às vezes, a pesquisa não chega, ou, se chega, já chega de terceira, quarta mão. A gente, assim, perde um pouco a noção do todo.
Ercílio Tranjan – Eu sempre procurei ter o planejamento do lado, nunca fiquei distante dele, não. O trabalho nosso no Rio de Janeiro [na Propeg, que virou depois Next/Quê, depois só Quê], para a Petrobras, por exemplo, a campanha dos 50 anos, foi feita totalmente do lado do planejamento. Pensando no que significava essa empresa no imaginário brasileiro, o que representava essa marca. Foi, realmente, um trabalho conjunto, planejamento e criação, para se chegar ao conceito “O que você quer sonhar agora?”. A campanha da Petrobras era muito maior do que a campanha de uma empresa. E era o momento de resgate da imagem brasileira. Era o primeiro ano do governo Lula [2003, primeiro governo Lula] e ainda não tinha as denúncias do mensalão... Era um espírito cívico, de o brasileiro correr atrás de sua auto-estima e tal. E a campanha da Petrobras jogou e mexeu com isso. Então a gente foi atrás, descobriu o primeiro funcionário da empresa. Foi uma coisa emocionante, a gente chorava junto. Enfim, era planejamento e criação lado a lado. Os meus embates nunca foram com o planejamento.
Jornalirismo – O pessoal de criação sempre reclama: “Esse planejamento...”. Tem uns que são ruins, mas devem ter alguma coisa para ajudar.
Ercílio Tranjan – Quando é planejamento pro forma, aquele que fica para levantar policies, eu não preciso dele para nada. Para levantar o que não pode, isso eu mesmo faço. Não preciso. Quero assim: “Me ajuda, pensa junto e vamos descobrir a verdade dessa marca”. Aí é legal. Porque, se eu descobrir a verdade, vou conseguir emocionar com essa marca, vou conseguir persuadir. Aí, deixa com a gente, que a gente sabe fazer anúncio. Até quando eu tive confronto com o planejamento foi um confronto legal. Do qual vai nascer alguma coisa. São duas verdades que se batem assim [Ercílio bate palmas, para simular o choque]. Também o cliente, quando tem essa visão, não uma visão autoritária, “Ah, eu sou o dono; portanto, não preciso te ouvir”, quando ele pega a verdade dele, porque ele também tem verdade, é positivo. Nós tendemos a ser donos da verdade. Eu me lembro do que o Serjão [Sérgio Graciotti] dizia: “A gente é muito coruja”. O cliente é coruja com o produto dele, a gente é coruja com o nosso, que é o anúncio. Se essas duas coisas se baterem, sai coisa boa, se não tiver ninguém autoritário. Porque, se for autoritário, ele manda. Em geral, quando se decide a coisa na base do “Eu mando”, fica a verdade de um só e, em geral, é ruim. Acho que esse é o lado pior da propaganda, quando se parte para uma decisão autoritária.
Jornalirismo – Você costuma dizer que seu período profissional mais feliz foi na MPM. Conta essa história, o que havia ali de fantástico.
Ercílio Tranjan – Tinha um atendimento que era dirigido pelo Henrique Funari, grande parceiro e companheiro, recentemente falecido, não faz nem um mês. Tinha o Tarcísio Blumer [diretor de atendimento na MPM-Casabranca] Era um pessoal de atendimento muito voltado para aprovar coisas boas. Eles tinham esse espírito, e que vinha de cima. Porque, ali, tinha havido a junção da MPM, que era o Petrônio [Petrônio Corrêa, o P da MPM], em São Paulo, com o Julio Ribeiro, o Armando [Armando Mihanovich] e o Pires [Antônio Pires, vice-presidente de atendimento]. Eles tinham essa visão de criação, de planejamento profissional. E o Petrônio era um grande fazedor de clima. Juntou-se a isso uma equipe inteira, e, aí, tudo vem junto. Eu contribuí também, como diretor de criação. Sempre a minha idéia foi a de proporcionar um ambiente divertido às pessoas, que se divertissem muito, que aquilo fosse muito leve para todo o mundo, que todo o mundo quisesse estar ali, que as pessoas todas ficassem felizes de dar idéias umas para as outras... Não se trancar, não ser um contra o outro o tempo inteiro. Por mais que existisse uma concorrência, a coisa do indivíduo, que houvesse aquele espírito de “Vamos todo o mundo resolver”. A gente era muito autocrítico, dava muita risada da gente mesmo. A gente falava: “Nós somos muito incompetentes. Não vamos ter nenhuma idéia...”. Todo o mundo participava, ia ver o produto do outro: “Pô, mas será que é isto? Será que não é?”. E juntou, tanto porque eles contratavam quanto porque eu contratava, gente que tivesse, como eu costumava dizer sempre: “Se eu tivesse que escolher entre um profissional sem talento e um profissional sem caráter, a vaga ia continuar em aberto”. Essas duas coisas têm que se conciliar, têm que andar juntas. Então foi um período muito feliz. Nasceu lá um monte de gente que hoje está aí, Adriana Cury... Tinha gente como o Gilberto dos Reis [redator]; o Juvenal [o redator Juvenal Azevedo, pai deste repórter do Jornalirismo] esteve um período menor, mas trabalhou nessa equipe; Ciro Pelicano [redator]; João Simone [diretor de arte]; o Hélio [Hélio Oliveira, diretor de arte], que hoje é meu sócio [na Ímã Propaganda]; o Feijão [o diretor de arte João Carlos de Souza Neto]; o Sylvio Lima [redator], que era assim uma entidade na nossa profissão, pelo espírito, pelo humor, pela irreverência; o Palhares [o redator João Augusto Palhares Neto]... Pelo amor de Deus, era um monstro. Naquela época, a gente podia ter muita gente, porque a remuneração das agências era maior. Então as equipes eram maiores, a gente podia dedicar mais tempo e mais gente talentosa. Isso é também uma coisa que abala hoje [a falta de tempo e de verba]. E também a gente falava: “Tem que ter tempo para nós”. Se você ficar 24 horas mergulhado numa agência, você tem pouco tempo para viver. E a verdade está no campo de futebol. Você vai buscar a idéia, ela está na rua. Andar, ver como o sujeito reage, como é que ele atravessa a rua... Tem que ter tempo para você. Eu acho que isso acabou um pouco. As pessoas ficaram se esgotando, a propaganda ficou se autocitando.
Jornalirismo – Isso resultou num empobrecimento?
Ercílio Tranjan – Resultou, sim. As pessoas viverem só para isso e se referirem só a si mesmas. A propaganda ficou autofágica. Só para voltar a esse momento da MPM. A gente tinha um tremendo cliente, que era a Fiat. Tinha também Walita... Eram clientes extremamente abertos e queriam muito bem essa equipe. Tinha uma relação muito boa e muito franca. O atendimento e o planejamento eram legais. Todo o mundo a fim de colocar um produto bom na rua. A pasta do atendimento era a nossa, porque o portfólio do atendimento, no fundo, é o nosso. Ele também tinha orgulho de chegar e falar: “Eu fiz esse filme”. Foi um período fértil. Agora, eu não desprezo outros, não. O da Almap foi um período muito bom [de 1982 a 1990]; na Denison, também foi bom. Mas os quatro anos de MPM foram assim especiais, um momento santo.
Jornalirismo – Nessa época da MPM, você era o diretor de criação. E você falou agora que tinha a preocupação de criar um bom ambiente, que fosse divertido para todo o mundo. E como é que você fazia para uma idéia avançar, quando o cara chegava com uma boa idéia?
Ercílio Tranjan – Era o estímulo constante à idéia que rompesse, que fosse nova. E tem uma história muito engraçada. Eu tinha um tucaninho na mesa... Essa história do tucano, acho que não dá para contar... É que envolve outras pessoas que não gostam dessa história. Bom. O Petit [Francesc Petit, da DPZ] foi o criador do tucano da Varig [que se transformaria no próprio símbolo da empresa]. E a gente brincava com isso, ainda antes da MPM, eu e o Sylvio Lima: “Todo o mundo na vida tem um tucano. Até o Petit tem um tucano”. O tucano era o sinônimo de coisa ruim. Então, quando vinha um anúncio ruim, a gente falava assim: “Esse aí é um tremendo tucano, heim, cara?”. A criação tinha me dado um tucaninho que andava. Então o cara vinha, mostrava o anúncio e eu soltava o tucaninho [Ercílio faz o movimento do tucano com os dedos, sobre a mesa, e ri]. E o cara: “Pô, mas isso é bom...”. E eu: “Não, não, isso é tucano”. Ficou essa brincadeira de tucano para cá, tucano para lá, o Washington ficou sabendo – e acho que contou para o Petit. Chegou um pôster para a gente, fim de ano, vinha impresso assim: “Tucano da Varig, criado por Francesc Petit, premiado no salão de não sei o quê da Varig, adotado como símbolo”. E dava o ano: 1950 e não sei quanto [Esta história, a da conquista, aos 18 anos, do 1o Concurso de Cartazes da Varig, de 1953, é assim contada no livro Propaganda Ilimitada (Futura), do próprio Petit: “Através de meus colegas [da agência Publicine], fiquei sabendo que havia um grande concurso de cartazes promovido pela Varig. Li o regulamento e às noites ficava até de madrugada tentando encontrar uma idéia, até que – esboços e mais esboços – cheguei a um de que gostei: um tucano vestindo camiseta listrada, chapéu de palha e uma vara de pescar. Esta era a minha visão do Brasil, com menos de um ano de estrada [Petit é catalão]. Apliquei todas as técnicas de cartazista que tinha aprendido com meus colegas da agência Clímax, mandei fazer dois bastidores e um quadro, como dos quadros tradicionais, com madeira boa, mogno. Comprei uma folha de papel alemão Shuelerhammer para guache. Umedeci cuidadosamente o papel, que estiquei e preguei no bastidor. Quando secou ficou um lindo tambor, sem nenhuma dobra ou ruga, liso, perfeito. Era assim que todos os cartazistas europeus apresentavam seus cartazes. Nesse fabuloso bastidor de papel executei meu cartaz com guache, copiando o pequeno esboço que tinha feito. Desenhei o personagem “Tucano”, o céu azul cobalto, o avião Constelation passando ao fundo, o lettering da Varig e a marca, tudo num só original, belíssimo. Embrulhei e junto com uma carta o entreguei na data marcada. Devo ser sincero, que a minha esperança era que fosse selecionado, jamais pensei em prêmio. Alguns dias da data do resultado final, dei uma passadinha na agência da Varig da rua Barão de Itapetininga e perguntei a uma moça pelo vencedor. A moça, gentil, me falou que não sabiam ainda, pois o ganhador deixou só o nome e esqueceu de deixar o endereço e telefone, só sabiam que era um tal de Petit. Quase morri de emoção, foi algo inexplicável, maravilhoso, que jamais esquecerei]. Ou seja, o tucano era bom. Era apenas por diversão. Então, as formas de entusiasmar eram as mais complexas. Eu sempre fui também aberto à crítica ao meu trabalho. Como todo mundo entrava na minha sala e falava assim, “Poxa, está muito ruim, isso”, falando de mim, do meu trabalho, eu sempre tive muita liberdade com eles todos. Ou de tucano ou de falar: “Pelo amor de Deus, cara, faz mais uns cinco, isso aí está muito ruim”. Ou: “Vamos pensar o seguinte: isso aqui está resolvido, até aqui resolveu. Agora vamos fazer o que quebra, o de que a gente vai ter orgulho de ver na rua, ou seja, o trabalho nosso e tal”. O que dava esse espírito, esse tom era um anúncio que a gente fez no Dia das Mães, eu e o Feijão: “Mãe, fui eu que fiz”. Era uma página com anúncios nossos, com anúncios da MPM: “Se o seu filho trabalha na MPM, pode ter certeza de que ele deu certo”. Enfim, havia aquela auto-estima legal, mas, ao mesmo tempo, ninguém era soberbo. A gente sempre falava: “Pelo amor de Deus, será que estamos fazendo certo? Será que está direito? Será que não está?”. Isso, acho, se perdeu.
Jornalirismo – Era o exercício da humildade.
Ercílio Tranjan – A gente não tinha essa idéia de que nós éramos ungidos. Nisso, houve uma transformação que dói um pouco. A gente não era ungido, estava ali no exercício de uma profissão que nos pagava bem, que nos permitia o exercício de um contato com o público, em fazer coisas comerciais e tal, mas eu não me achava genial. Quando eu ganhava um Profissionais do Ano [Ercílio foi eleito, em 1986, o Profissional de Criação do ano, no Prêmio Caboré; em 2001, ganhou o Prêmio Colunistas como Profissional de Propaganda do Ano do Rio de Janeiro; em 2002, foi escolhido, pela ABP, Diretor de Criação do Ano do Rio de Janeiro; no ano seguinte, em 2003, entrou para o Hall da Fama do CCSP] não me achava o maior gênio da humanidade. Se eu fosse gênio, eu não trabalharia em publicidade. A gente tinha consciência disso. Sem isso significar muito, porque hoje, se você fala isso, todo o mundo vem e fala assim: “Era um bando de gente que queria ser escritor”. Não era, eu nunca achei que pudesse ser escritor. Apenas eu tenho uma noção exata de que exerço um papel importante, que publicidade é uma coisa boa e importante e uma excelente profissão. Que, de repente, isso ganhou uma dimensão, publicitário começou a se achar um Deus, uma coisa do outro mundo. Acho que se perdeu um pouco o limite. E a gente tinha isso muito claro. Tinha os colegas das outras agências e a gente queria ouvir deles: “Você acha que está certo? Acha que não está?”. Quando você tem realmente uma equipe afetiva, em que todo o mundo se gosta, já é meio caminho andado. Porque era assim: gente que se gosta e gosta do que faz. Por quê? Porque toda a crítica, todo esforço o era posto para que um vibrasse de fato com o trabalho do outro, com o prêmio da agência. Apesar de ter o nome dele [o nome de quem criou a campanha/anúncio], e eu sempre tive muito cuidado com essa história de ficha técnica, a equipe se sentia co-responsável. E isso é uma coisa fundamental: manter esse espírito. E incentivar sempre. O Armando Mihanovich tinha, numa parede da sala dele, o Hall of Fame [Hall da Fama] e, na outra parede, o Hall of Shame [Hall da Vergonha]. E ele só punha anúncios nossos. A gente entrava lá e falava [quando via um anúncio no Hall of Shame]: “Pô, Armando, não está tão ruim, vai!”. E não era uma coisa punitiva. Era só assim: “Em vez de ficar falando mal do trabalho da agência do vizinho, vamos olhar para o nosso trabalho. Que nota a gente se daria”. Isso tinha muito.
Jornalirismo – Curiosamente, numa época em que se fazia tanta autocrítica, eram feitos os melhores anúncios.
Ercílio Tranjan – Eu acho.
Jornalirismo – Perdeu-se a humildade e perdeu-se um pouco da criatividade. À medida que a pessoa sobe no salto, ela fica mais alta que o outro e parece que não enxerga direito...
Ercílio Tranjan – É uma coisa muito feroz. Mudou a qualidade, é estranho. Não vou nem falar, porque, senão, fica aquela coisa saudosista, mas mudou o tipo de gente. Júri, por exemplo, era muito divertido. Claro que um ou outro queria que seu trabalho ganhasse, porque você acreditava nele e queria que fosse premiado, mas não era uma coisa assim de mal, sempre uma coisa de um contra o outro. Isso deu para sentir, essa mudança eu peguei.
Jornalirismo – Você pegou, mas acabou se mantendo na propaganda. Muita gente da sua geração não ficou. Acabou sendo encostada, nesse processo de juvenilização excessiva. Parece que uma geração não passou o bastão para a outra... Eu tenho essa impressão.
Ercílio Tranjan – É a impressão que eu tenho também. Foi meio abruptamente, corta, corta, corta. E, nesse meio tempo, se perdeu muita gente boa, se perdeu muito talento, se deixou de ouvir muita gente que teria o que dizer... Eu acho que quem sabe fazer direito é quem sabe abrir espaço para quem vem, mas sabe respeitar os que vieram antes. Saber respeitar o que veio antes e abrir espaço para o que veio depois. Acho que é um pouco isso que faz manter o diálogo. Mas aconteceu, dá para sentir. Foi encerrada precocemente muita carreira. Eu vi, por exemplo, no Rio de Janeiro [no período em que Ercílio esteve à frente da criação da Propeg, depois renomeada Next/Quê, depois só Quê, de 1999 a 2005]: volta e meia me valia de freelancer do Alcides Fidalgo [o redator Alcides Fidalgo, criador de campanhas premiadas e famosas, como a “Vem pra Caixa você também”, quando dirigia a criação da MPM-Rio]. Uma figura, foi um dos meus instrutores. Foi o meu primeiro diretor de criação. Uma coisa que não se faz mais: ele tinha um cuidado com o texto, e o cuidado de ir atrás da informação. Ele dava a você uma aula, se você pedisse. E tinha até que dizer: “Ô, Alcides, pára de ser chato”. Um anúncio de sapato: ele ia entender daquilo ali. Que sapato era aquele, como é que era feito, quanto, que mercado etc. etc. E eu o usava e ele estava em plena forma. Fez coisas muito boas para mim.
Jornalirismo – Gostaria de falar um pouco do CCSP, Clube de Criação de São Paulo. Você foi o primeiro presidente eleito do Clube, em 1979. E uma das suas medidas foi instituir a eleição direta para o júri do Clube. Acabou com o sistema de indicação.
Ercílio Tranjan – Começamos a fazer votação, mas, até hoje, não sei se foi bom. Foi uma tentativa de evitar que se formassem panelas, de um favorecer o outro, para ser favorecido. Um assunto eterno. Mas nunca se achou uma solução boa para isso. Nossa profissão é a única que é unida pela desunião. Durante um tempo [a eleição direta], funcionou. Mas, aí, ficou quem tinha mais amigo. As agências que tinham mais gente, maior colégio eleitoral, elegiam. Era tudo muito complicado. E a gente tentou limitar, só um por agência, só dois por agência. Não sei se tem forma boa. O Sylvio Lima é quem estava certo: ele se recusava a entrar no júri, dizendo que não queria julgar ninguém, o trabalho de ninguém; era uma postura.
Jornalirismo – E as atividades do Clube de Criação? O Clube, naquela época, tinha uma postura muito ativa, o aspecto político forte, apoiou a campanha pela Anistia [pela anistia total e irrestrita aos presos políticos e aos exilados]...
Ercílio Tranjan – É uma época. É quase inevitável. O Clube se colocava e se inseria no ambiente em que estava, na sociedade. A gente viveu aquele tempo terrível da ditadura [ditadura militar, de 1964 a 1985]. Nós chegamos a ter censura na propaganda, de as peças terem de ser apresentadas antes. Uma maluquice. Mandar roteiro... Durou pouco, porque se conseguiu contornar. Mas teve isso. E teve episódios dantescos, bizarros. Eu vivi um deles. Aliás, dois. Um outdoor nosso, da Denison, que era “O salsicha”. Que era a única salsicha com sotaque alemão e tal, da Swift. Tentaram impedir a veiculação porque estava difundindo mal a língua portuguesa. E “A invasão dos vermelhos”, quando se fez o orelhão [o telefone público] da Telesp, que era conta nossa, e era vermelho porque o orelhão era vermelho. Esse anúncio deu uma polêmica grave, a Telesp era estatal. Houve interferência de general. E a gente: “Então o que a gente faz? Invasão dos verdes?”. Isso nos obrigava, até porque a gente era vítima direta, a participar. Fora isso, porque as pessoas tinham uma formação, todo o mundo acreditava, tinha uma visão democrática e tal. Isso forçou o Clube de Criação a se posicionar. E quem saiu na frente da questão da Anistia foi o Clube de Criação do Rio de Janeiro. Os dois Clubes de Criação, do Rio e de São Paulo, foram, inclusive, os primeiros a fazerem um anúncio pela Anistia na forma propugnada pelo general Peri Bevilacqua. Fizemos um manifesto. Aí, anos depois, participamos das Diretas-já. Foi um momento, um momento de ebulição da sociedade brasileira. Não é nada além disso.
Jornalirismo – Mas o Clube de Criação acabou perdendo, com os anos, um pouco de sua representatividade entre os publicitários. Existe, hoje, uma nova tentativa de deixar o Clube mais atuante [com a eleição, no dia 30 de novembro último, de Marcello Serpa, da AlmapBBDO, para a presidência]. Como você analisa?
Ercílio Tranjan – Difícil falar, porque eu me afastei muito. Também se abriram espaços para outras manifestações. A sociedade, hoje, se manifesta em outros locais. O Clube, naquela época, era uma saída possível. Então não critico muito por aí, não. Acho, talvez, que o Clube devesse atender ao anseio mais geral, representar mais o pessoal de criação. Acho que o Clube, hoje, se pauta muito pelo Anuário – e esse sempre foi o meu medo. Por exemplo, acho que estamos muito distantes dos problemas que a profissão está vivendo, dos problemas que as agências estão vivendo. Acho que a gente devia abrir espaço para discutir isso. Há um problema de mudanças tremendo no ar, e eu acho que a criação está muito apática, muito afastada, muito alienada do que está acontecendo no cotidiano de uma agência. Aí eu passo por remuneração, novas formas de ver a profissão, novas saídas fora da publicidade convencional etc. etc. É um momento traumático, de mudanças muito profundas, que não deveríamos estar ignorando, mas acho que estamos, infelizmente.
Jornalirismo – O livro que você organizou, das frases... [É Só Propaganda – 75 frases que viraram anúncios. Ou vice-versa, lançado em 2006, com frases de anúncios que extrapolaram, pela qualidade, os limites da propaganda.]
Ercílio Tranjan – Um fracasso. O maior fracasso da história [porque a apresentação escrita por Ercílio saiu com problemas de edição e frases desconexas, o livro foi retirado de circulação; mas pode voltar em breve, em nova edição]. Mas eu fiz uma palestra em Santa Catarina, usando-o, e foi muito bacana. Porque são frases que vigiam fora do contexto para o qual elas foram criadas. Ou seja, quando o publicitário foi um pouquinho além, quando ele se superou.
Jornalirismo – A publicidade que criava sabedoria, estamos falando disso, não é? Uma propaganda que tinha tanta capacidade de síntese, de inteligência, que ela transcendia o anúncio.
Ercílio Tranjan – Exatamente. Transcendia o anúncio e o momento em que foi feito. Ela lidava com valores culturais universais. Mas tem coisas recentes, viu? Vai diminuindo, mas tem um pessoal aí que se mantém. O que acontece é o seguinte: óbvio que, na hora em que se foi abdicando do título escrito, vai ficando mais raro. A coisa da frase. E eu falava no livro: de que, às vezes, nem sabia dizer se aquilo era grande publicidade, e, em geral, era, porque conseguia apropriar, para o produto, um pensamento que era muito maior do que um pensamento publicitário.
Jornalirismo – Propaganda que informava, esclarecia...
Ercílio Tranjan – Ou não. Que dava um cinismo total. Uma irreverência absurda. Um humor maravilhoso. E virava alguma coisa ligada àquela marca. Tem coisas maravilhosas, lá.
Jornalirismo – A gente já falou aqui do texto. E você é um redator de origem. Gostaria de retomar um pouco isso. O texto, com aquela coisa festivalesca, do trocadilho visual, perdeu um pouco do seu espaço. Acho que o sonho de alguns é fazer um anúncio que não tenha texto algum, apenas uma foto, ou ilustração. Mas não se resolve assim, não é? Onde é que fica a persuasão?
Ercílio Tranjan – Eu sempre digo: “Ah, tá. Mas eu quero saber como eu vou persuadir alguém a aderir a essa causa”. A catequese, infelizmente, queiram ou não, requer palavras. É um pouco mais profundo do que simplesmente uma boa ilustração, uma ilustração interessante. “O.k., é interessante, mas e aí? Por que eu devo aderir à sua causa ou ao seu produto ou pagar mais pela sua marca do que pagar menos?”. Eu tenho que persuadir você. E, aí, eu vou gastar um pouco mais de latim. Uma coisa é seduzir você porque eu sou bela, ou porque eu sou bonito. Outra coisa é porque, agora, eu preciso ganhar, conquistar você. Essa é uma coisa um pouco mais profunda. Infelizmente, o texto está sendo tratado como commodity (como produto básico, como se todo o mundo pudesse oferecer da mesma forma), e nós estamos aceitando. O redator está assim: “Ah, tanto faz... Qualquer um escreve”. Escrever virou commodity e não é bem assim. Tem diferenças. Tem gente que sabe colocar o verbo preciso, achar o adjetivo exato. E isso acaba causando uma brutal diferença, de que, espero, a gente se dê conta.
(entrevista do guilherme azevedo para o jornalirismo, que ao contrário da nossa imprensa especializada não se especializa na cobertura lambe-cu)